A nova ótica da responsabilidade civil dos estacionamentos
Surgiram estabelecimentos voltados unicamente ao depósito de veículos, os chamados estacionamentos comerciais ou profissionais, nos quais o depositante entrega a guarda do bem ao depositário, mediante paga, pelo tempo em que o veículo ficar depositado.
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os últimos anos, principalmente após a edição da Constituição Federal do Brasil de 1988, a Jurisprudência e a Doutrina brasileira vêm passando por um processo de transformações e inovações importantes, que refletem decisivamente na vida dos homens.
Por outro lado, a criminalidade no país aumentou em níveis alarmantes, assustando toda a população brasileira. A segurança se transformou em questão primordial, já que não haviam mais lugares seguros para se viver. A pobreza e a miséria voltaram-se para o banditismo, como forma de fazer justiça pelas próprias mãos. As ruas e os logradouros públicos, que outrora eram locais de passeio e de compras, tornaram-se o alvo principal de bandidos, principalmente no que tange ao furto de pessoas e de veículos.
Nesta senda, surgiu a necessidade de investir em segurança. Aumentou-se o policiamento nas ruas e as pessoas começaram a receber orientação contra a violência. Enfim, a sociedade foi se adequando à nova realidade social, trancafiando-se entre grades e muros, como forma de proteger a si, a sua família e aos seus bens.
Ainda, tendo em vista os perigos em se deixar os veículos nas ruas, estabelecimentos comerciais de fornecimento de produtos ou serviços (como supermercados, shoppings centers, restaurantes, bancos etc), perceberam a necessidade de construírem em suas dependências estacionamento privativo, como forma de oferecer comodidade e segurança para clientes, bem como para atrair novos consumidores.
Por outro lado, surgiram estabelecimentos voltados unicamente ao depósito de veículos, os chamados estacionamentos comerciais ou profissionais, nos quais o depositante entrega a guarda do bem ao depositário, mediante paga, pelo tempo em que o veículo ficar depositado.
Embora as empresas tenham investido muito em segurança, estacionamentos privativos, gratuitos ou não, que anteriormente eram tidos como seguros e de confiança, alheios aos perigos da rua, agora não mais o são, pelo que surgiu o Código de Defesa do Consumidor, que veio equilibrar as relações de consumo e tentar por fim nas disparidades envolvendo consumidores e fornecedores de produtos e serviços.
Urge esclarecer que o CDC abordou a questão dos estacionamentos como forma de prestação de serviços, sejam eles gratuitos ou onerosos. Desta forma, a responsabilidade pela guarda e vigilância do veículo, deixado em estacionamento de estabelecimento comercial, incumbe a este, e qualquer falha neste dever, como a ocorrência de furto ou de danos (batidas, arranhões etc), será tido como serviço falho ou defeituoso, passível de indenização.
Na concepção do CDC, a oferta de estacionamento por mera cortesia e comodidade implica o dever de guarda e de vigilância, e conseqüente dever de indenizar em caso de furto ou dano.
Outro aspecto relevante do CDC é quanto as placas indicativas da ausência de responsabilidade das empresas. Antes da vigência do código, as placas eram suficientes para evitar as indenizações pelo roubo ou dano no automóvel, sendo consideradas atualmente como nulas e sem efeito, uma vez que não emanam da vontade livre dos clientes depositantes. Desta forma, independente de existirem placas de não responsabilização, a empresa responderá pelos furtos e danos ao veículo, salvo se desconhecia a existência de objetos deixados no interior do automóvel.
Destarte ainda, a gratuidade do serviço não isenta a responsabilidade da empresa, até porque a Súmula 130 do STJ assim a determina. O pagamento pelo serviço, por se tratar de empreendimento comercial voltado ao lucro, poderá estar incluído no preço final do produto, já que sua manutenção entra no custo das operações do estabelecimento, ou então, como uma comodidade prestada no interesse do próprio incremento do comércio, para angariar clientela e despertar a confiança de novos usuários.
De outro lado, se a empresa dispuser de aparelhos de segurança que inspirem a confiança dos clientes, caracterizada por grades, portões de entrada e saída, manutenção de vigias, há transferência da guarda e de responsabilidade. O depósito é facilmente demonstrado pelo comprovante de entrada e de saída. Mesmo que o depositante venha a perder o ticket, há como pleitear a indenização, já que este não é o único meio de prova em direito admitido.
Argumenta-se ainda, tendo em vista a matéria ser afeta ao CDC, que o estabelecimento comercial (fornecedor de produtos e serviços) responderá objetivamente pelos danos causados, isto é, basta a comprovação do dano ao consumidor nas dependências da empresa, para que este responda civilmente pelos prejuízos, independente de culpa ou dolo, mas por força do risco da atividade empresarial.
Por esta alegação, pode-se dizer que o roubo do veículo, mediante violência ou grave ameaça, configura risco do empreendimento. Desta forma, mesmo que a atividade da empresa não seja o depósito de bens, mas vise lucro, a empresa responderá pelos danos e furtos causados no interior de seu estacionamento.
Este argumento, embora pouco difundido pela doutrina, seguido da Súmula 130 do STJ, pacificada no meio jurídico, derrubam qualquer pretensão das empresas em negar a responsabilidade pelos danos e furtos de veículos ocorridos em suas dependências.
Da mesma forma, mesmo não sendo cliente da empresa, esta responde pelos danos e furtos de veículos de seus funcionários, quando estacionados nas dependências do estabelecimento, por tratar-se de obrigação contratual, já que é dever do empregador zelar pela segurança do ambiente de trabalho.
Por fim, ainda que a legislação brasileira não disponha de artigos específicos, que tipifiquem a responsabilidade civil dos estabelecimentos comerciais, pelo depósito de veículos, a previsão de normas genéricas e de alcance abrangente faz com que a sociedade siga os ditames da jurisprudência, principalmente dos dizeres sumulados pelos Tribunais. Esta tradição, embora não seja a adequada, constitui expressiva fonte para elaboração de leis, ensejadora de normas de conduta social.
Assim sendo, não resta dúvidas de que a doutrina e a jurisprudência precisaram evoluir para adequar o direito à nova realidade social brasileira.