A impossibilidade da decretação da prisão preventiva na fase do inquérito policial
Numa perspectiva garantista, versa acerca dos excessos legislativos e da dogmática pura como violadores dos direitos fundamentais no tocante à prisão preventiva na fase do inquérito policial (art. 311 CPP).
A celeuma doutrinária acerca da possibilidade da decretação
de prisão preventiva na fase do inquérito policial é,
sem dúvida, um fato gerador de uma dicotomia entre o
garantismo penal proposto por Ferrajoli e o poder punitivo do Estado
pós-moderno cada vez mais violador dos direitos e garantias
fundamentais do indivíduo.
Como que em uma tentativa desesperada de legitimar um direito penal máximo, capaz de conter as agruras sociais e extirpar a sensação generalizada de insegurança, têm-se reconhecido o cerceamento do direito basilar à liberdade em caráter preventivo como meio eficaz para o cumprimento de tal desiderato.
O abrigo legal em que se encontra a prisão preventiva, reza
em seu art. 311 CPP, a possibilidade da decretação
desta modalidade prisional na fase do inquérito policial,
possibilidade esta que refutamos cabalmente pelos motivos que a
seguir passaremos a expor.
A arbitrariedade estatal é bastante evidente na fase do inquérito policial, haja vista que adotamos em nosso direito pátrio o modelo inquisitivo, nesta fase, em que se exclui a possibilidade do contraditório e da ampla defesa. Como se não bastasse o jus persequendi estatal na busca da verdade real sem qualquer possibilidade do indiciado apresentar provas em contrário, é facultado à autoridade judiciária a decretação da prisão preventiva.
Ora, não é unânime a natureza jurídica de
tal modalidade prisional, de modo que entendemos ter a prisão
preventiva natureza mista, ora se apresentando como prisão
acauteladora do processo, ora como verdadeira execução
antecipada da pena.
O fato é que a cognição judicial não foi exaurida na fase do inquérito policial, não tendo o juiz a possibilidade de formular um juízo mais apurado e comedido acerca do fato pretensamente ilícito.
Nesse sentido, preleciona o desembargador gaúcho Amilton Bueno
de Carvalho ao afirmar que “... por outro lado, aliam-se aos
requisitos materiais os processuais, a dizer, a necessidade de que
sejam produzidas provas por uma acusação pública,
em processo contraditório e regular, julgado por um juiz
imparcial...”
O cerceamento da liberdade é a última ratio do Direito penal, garantidor dos direitos individuais do homem, que não podem ser vilipendiados sob qualquer pretexto, por aqueles que devem resguardar uma ordem jurídica justa e condizente com os princípios e diretrizes da nossa Lex Max.
O art. 311 Código de Processo Penal constitui verdadeiro
impropério legislativo ao criar a possibilidade de decretação
de prisão, de ofício, pela autoridade judiciária.
Ora, se há indícios suficientes de autoria e
materialidade, deve ser encerrada a fase do inquérito e
remetida ao legítimo autor da ação penal, para
que este promova, dentro dos prazos legais, o oferecimento da
denúncia acompanhada do pedido de prisão, se
preenchidos os requisitos legais e atendido o princípio da
razoabilidade.
Em suma, as aplicações desmedidas de meios de cerceamento da liberdade individual compõem o moderno quadro do pampenalismo nos países envoltos em problemas de segurança pública e, conforme nos ensina a experiência, não são armas eficazes no combate à criminalidade.
Ademais, sabiamente nos informa o garantismo penal proposto por
Ferrajoli, que os limites da ânsia legislativa por punições
pré-processuais e, portanto temerárias são
sempre os aplicadores do direito, que como tais, devem prezar pela
defesa de direitos fundamentais comumente ameaçados pela
dogmática pura.
Bibliografia
CARVALHO, Amilton Bueno de e CARVALHO Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. 3º Edição.Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004.
DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado – 10ª ed. – São Paulo: Atlas, 2003.