Breves considerações sobre o direito de ação

Breves considerações sobre o direito de ação

Aborda aspectos históricos sobre a natureza e autonomia do direito de ação.

A tríade ação, jurisdição e processo é tradicional no estudo da Teoria Geral do Processo. Não obstante os respeitosos estudos de Rosemiro Pereira Leal questionando a fixação destas premissas como paradigmas do moderno processo, outros destacáveis doutrinadores tais como Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ovídio Baptista, Marcus Vinícius Rios Gonçalves, Humberto Theodoro Júnior, Alexandre Freitas Câmara, Vicente Greco Filho, Marcus Orione, dentre muitos outros nomes de vulto no Direito Processual não deixam de fazer referência a estes postulados.

Jurisdição, ação e processo são institutos com íntima vinculação entre si e com os princípios do Direito Processual, o que demonstra o quão a disciplina processual é metódica, organizada, harmônica e coerente.

Por ora, o estudo versará sobre ação, de forma perfunctória, sem maiores dilações acadêmicas, apenas com o escopo de uma breve, porém escorreita, apresentação da matéria, tendo como grande marco teórico a obra clássica de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra sobre Teoria Geral do Processo. Há outras valorosas obras sobre a matéria (destaque especial para Luís Guilherme Marinoni, crítico em vários momentos à obra de Ada Pellegrini e companhia, crítica que não será objeto de maiores obtemperações neste texto), mas o marco teórico escolhido destaca-se pelo bom didático adotado, com linguagem que evita a estigmatização do Direito Processual como conhecimento intangível ou enfadonho.

Conceito

Segundo Ada Pellegrini Grinover, ação é “direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício). Mediante o exercício da ação, provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce através daquele complexo de atos que é processo”. [2]

O conceito em destaque, de certa maneira uma construção doutrinária até simples, é bem realizado na medida em que consegue, com êxito, mostrar a íntima vinculação do direito de ação com o exercício da jurisdição e a efetivação do processo.

2. Natureza jurídica da ação Tal qual o Direito Processual, não foi singelo o caminho do direito da ação para ser reconhecido como um direito autônomo. Visões arcaicas do Direito negavam tal possibilidade à ação e, lamentavelmente, ainda que de forma mitigada, o certo é que respeitosos estudiosos do Direito Material e da Jusfilosofia, pouco reflexivos no que concerne as obtemperações a respeito do Direito Processual, ainda permanecem agarrados a considerações tacanhas que desconsideram a autonomia e importância do direito de ação e do Direito Processual.

Procurando fazer um estudo razoável do traçado histórico do direito de ação até se tornar um direito autônomo e, com isto, firmar a verdadeira natureza do direito da ação, serão aqui assinaladas as várias vertentes deste estudo.

2.1. Teoria Imamentista

Esta teoria, justamente a mais primitiva e atrasada, entendia a ação como mero apêndice do Direito Material, de maneira que o processo seria tão somente uma “fase” do direito substantivo. É com base nesta visão deturpada da real natureza da ação é que existem, por exemplo, expressões como “o Direito Processual é um mero Direito Adjetivo”, terminologias amplamente divulgadas sem que se tenha consciência que representam um olhar depreciativo e pouco respeitoso à autonomia do Direito Processual. [3]

Ainda segundo a escola imamentista ou clássica (chamada por alguns como a escola “civilista”, o que também demonstra certa dificuldade do Direito Civil de lidar com o Direito Processual, deixando de compreender bem justamente o responsável por sua efetivação [4]), a ação seria simplória “qualidade” de todo direito. Desta maneira, decorre a confusa conclusão de que não haveria ação sem direito.

Cumpre anotar que, mesmo tal teoria sendo objeto de tantas críticas, importantes nomes se filiaram a tais primados, tais como Savigny e, em terras pátrias, João Monteiro.

2.2. Ação como direito autônomo

Uma polêmica envolvendo Windscheid e Mulher, ocorrida na Alemanha no século XIX, serviu para dar contornos revolucionários à natureza jurídica da ação.

Muther, em áspero debate doutrinário com Windscheid, conseguiu produzir estudos nos quais distinguia nitidamente direito lesado e ação. Mais tarde, Windscheid também aceitou tais argumentos e com tal diferenciação lançou-se o embrião para o reconhecimento da autonomia do direito da ação.

Polêmica grande com o surgimento da doutrina que reconhece a ação como direito autônomo é saber se tal direito é concreto ou abstrato. As próximas considerações versarão sobre este conflito.

2.3. Ação como direito autônomo e concreto

Tendo como defensores Wach e Chiovenda, embora ambos apresentem concepções distintas da mesma teoria [5], tal teoria fixa, em síntese, que o direito de ação só existiria de fato, quando a sentença fosse favorável à pretensão de quem ajuizou a ação.

Novamente o teor crítico que deve permear teorias viciadas com equívocos doutrinários deve imperar.

No instante inaugural do estudo desta matéria, quando foi evidenciado o conceito de ação, ficou bem expresso que ação é direito ao exercício da atividade jurisdicional. Este exercício não é condicionado ao êxito da pretensão lançada em juízo. Ainda que a pretensão seja completamente descabida de possibilidade de vitória para o autor da ação, o fato é que a jurisdição já foi provocada e o direito da ação já foi exercido.

2.4. Ação como direito autônomo e abstrato

Mais escorreita apresenta-se esta teoria, segundo a qual o direito de ação é autônomo e independe da existência efetiva do Direito Material.

Assim sendo, não deixa de existir ação quando uma sentença nega a pretensão do autor. Pode-se dizer ainda mais. A ação ajuizada pode até conter eventual litigância de má-fé do autor, que, embora não deva, de maneira alguma, ser tolerada pelo juiz, não implica em inexistência do direito de ação e de seu exercício. O juiz, além de denegar o pedido lançado pelo litigante de má-fé, pode aplicar severas sanções contra quem ofende os primados da boa-fé e da lealdade processual. Contudo, esta negativa e as sanções fixadas não significam que a ação não foi ajuizada e não existiu.

A doutrina do direito de ação como direito abstrato tem como respeitáveis defensores Alfredo Rocco e Degenkolb.

2.5. Outras teorias sobre o direito de ação

A produção de teorias que delimitem a real natureza do direito de ação é freqüente. Outros autores de peso podem ser citados no presente estudo.

Para Carnellutti, a ação é direito abstrato, de natureza pública, porém dirigido contra o juiz, não contra o Estado. [6]

Para o uruguaio Couture, o direito de ação se confunde com os primados constitucionais do direito de petição [7].

Há também autores modernos como Pekelis que falam em uma teoria eclética do direito do direito de ação, fundindo elementos da teoria da ação como direito abstrato com a teoria da ação como direito concreto e existe até quem defenda a ação como dever do jurisdicionado de se dirigir contra o Estado para a solução de conflitos. [8]

Conclusão

Com o intento de ser simples, mas nunca simplista, em tópicos, concluímos o seguinte:

1. O direito de ação, tal qual o Direito Processual, merece tratamento autônomo. Visões reducionistas, especialmente vindas de parcelas de civilistas não compreensivas do fenômeno processual, embora mereçam respeito, não podem se perpetuar. Em tempos nos quais na Política e no Direito fala-se bastante em multiculturalismo, respeito à diversidade e tolerância, tal discurso também deve fazer parte da boa Teoria do Direito.

2. Apesar dos variados contornos doutrinários da discussão sobre a natureza jurídica da ação, enxergá-la como direito autônomo e abstrato, independente da procedência ou não da pretensão a ela aviada, é o caminho mais salutar para delimitar um norte nos debates no direito de ação.

Referências

[2] GRIONVER, Ada Pellegrini et.al. Teoria geral do processo.op.cit.p. 247

[3] Em recente evento acadêmico no qual dividi mesa com respeitável, eloquente e admirável estudioso do Direito Civil, em tom de troça, ouvi que o Direito Processual é Direito Adjetivo e mera norma secundária. O nobre civilista com quem dividia o evento se equivocou em dois momentos. O menoscabo ao Direito Processual Civil por parcela dos civilistas é, com o perdão da palavra, tipo “raposa e as uvas”. Embora não seja salutar uma desnecessária guerrilha entre civilistas e processualistas ( acredito piamente na máxima de que a Casa do Direito, assim como a Casa de Deus, tem várias moradas, só não havendo lugar para os medíocres de coração e fracos de vontade), fica parecendo a necessidade de desqualificar o que não se conhece ou não se quer conhecer. Isto é grave, porque, se defendemos uma visão unitária de sistema jurídico, tendo como parâmetro basilar de validade no ordenamento jurídico a Constituição Federal, sectarismos estéreis não são razoáveis. Ciência não se constrói com predileções pessoais impertinentes. O Direito Processual, enquanto instrumento, é via extremamente salutar para solução de um dos maiores flagelos do Direito Material, qual seja, o grandioso fosso entre o devir e a prática cotidiana. Ademais, Herbert Hart ensinou que normas secundárias, tais como as normas de competência, nas quais, por vezes, se encaixam as normas processuais, não são hierarquicamente inferiores à normas primárias, que ditam comportamentos de forma mais direta, apenas havendo funções diferenciadas destas normas na composição do sistema normativo.

[4] Um exemplo desta dificuldade da doutrina e dogmática civilista em compreender a real natureza do Direito Processual está estampado no art. 75 do Código Civil de 1916, no qual é solenemente expressado que “a todo direito corresponde uma ação”, como se o direito de ação fosse totalmente secundário em relação ao Direito Material. O Novo Código Civil (Lei 10406/02) não repetiu este equívoco.

[5] Wach apregoava a teoria do direito concreto à tutela jurídica, ao passo que Chiovenda preconizava a ação como direito potestativo.

[6] op.cit.p. 250

[7] op.cit.p. 250

[8] op.cit.p. 251

Sobre o(a) autor(a)
João Fernando Vieira da Silva
Professor
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