Breves considerações sobre a possibilidade jurídica de servidor público federal exercer função de direção em entidade filantrópica

Breves considerações sobre a possibilidade jurídica de servidor público federal exercer função de direção em entidade filantrópica

Trata da possibilidade de servidor público federal exercer cargo de direção em entidade filatrópica, analisando a evolução do conceito legal de sociedade civil no direito brasileiro, em cotejo com as vedações impostas pela Lei nº8.112/90.

O estatuto dos servidores púbicos civis da União veda que estes exerçam cargo de direção ou administração em sociedades civis personificadas ou não personificadas, bem como proíbem o exercício do comércio, salvo exceções que elenca.

No entanto, diante das alterações legislativas sofridas, tanto no preceito proibitivo em comento quanto no conceito legal de sociedade civil, há alguma discussão sobre a possibilidade de participação do servidor em cargo de direção de entidade sem fins lucrativos.

A controvérsia reside na delimitação do alcance e interpretação dos termos do inciso X do art. 117, da Lei no 8.112, de 1990, em conjunto com o Código Civil nacional, especificamente a respeito do conceito de sociedade para o direito brasileiro.

Antes, porém, é preciso aduzir breve histórico de alterações das leis supracitadas para melhor entendimento da matéria.

O Código Civil revogado, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, assim dispunha sobre as espécies de pessoas jurídicas de direito privado:

Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações;

II - as sociedades mercantis;

III - os partidos políticos.”

Por não haver, na norma anterior, disciplina concreta que diferenciasse a natureza dessas duas espécies de pessoas jurídicas privadas, a doutrina e a jurisprudência passaram a entender que o termo “sociedades civis” representaria designação genérica que abrangia qualquer sociedade que se constituísse sob a égide das leis civis, em contraponto com as sociedades mercantis que seriam regidas pelas leis comerciais.

É neste cenário que foi aprovada a redação original do Estatuto dos Servidores Civis da União, que, no rol das proibições impostas aos agentes públicos assim dispôs no inciso X do art. 117, assim dispunha:

Art. 117. Ao servidor é proibido:

(...)

X - participar de gerência ou administração de empresa privada, de sociedade civil, ou exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário” Grifamos.

Em seguida, a Medida Provisória no 2.225-45, de 2001, deu ao inciso a seguinte redação:

X- participar de gerência ou administração de empresa privada, sociedade civil, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação do capital social, sendo-lhe vedado exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário.” Grifamos.

Ocorre que, com a edição do Novo Código Civil, Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, ficou bem delineada a natureza jurídica de cada ente privado, sejam associações, sociedades ou fundações, o que pode ser comprovado com a redação dos seguintes dispositivos:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos”

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.”

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.” Grifamos.

Diante do novo diploma civilista ficou assentado que as sociedades, por natureza, devem ser entidades com fins econômicos, não mais se admitindo a interpretação de que estas poderiam se constituir para a persecução das mais variadas finalidades, inclusive como pessoa jurídica sem fins econômicos.

A repercussão dessa alteração fez com que se inserisse regra de transição no art. 2.031, desse mesmo Código, que diz:

Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007.”

Portanto, as pessoas jurídicas de direito privado constituídas sob a égide das leis revogadas devem se adaptar, dentro do prazo concedido, à nova imposição de que as sociedades, simples ou empresárias, personificadas ou não, são entidades indissociáveis de uma finalidade econômica.

Com efeito, a evolução dos conceitos jurídicos acima relatados não passou despercebida pelo legislador, que, ciente das inúmeras controvérsias que o termo “sociedades civis” poderia causar, e com vistas a adaptar o texto do inciso X do art. 117, da Lei no 8.112, de 1990, aos conceitos do novel Código Civil determinou, por meio da Lei no 11.094, de 2005, que este passasse a viger da seguinte maneira:

X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros, e exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;” Grifamos.

Mais recentemente, a Medida Provisória nº 431, de 14 de maio de 2008, trouxe nova redação, a saber:

X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (Grifamos).

Logo, ficou explícita a intenção da norma de impedir a participação dos servidores públicos na administração ou gerência de sociedades privadas, isto é, naqueles entes que perseguem fins econômicos, estando excluídas da vedação, portanto, as entidades que não possuem fins econômicos, uma vez que, diante do atual panorama normativo, estas não poderão se constituir como sociedades propriamente ditas.

Como as entidades movidas por objetivos filantrópicos, por não possuírem fins econômicos, não podem se constituir como sociedades, estas devem assumir obrigatoriamente a forma de associações ou fundações. Aquelas que se formaram sob a égide do Código Civil anterior, que não buscam objetivos econômicos, mas se denominam sociedades, devem se adaptar à nova concepção do instituto, conforme determina o art. 2.031, do vigente Código Civil.

Destarte, diante da atual conjuntura do nosso ordenamento jurídico, entendemos que, desde que haja compatibilidade de horário e inexistente qualquer conflito de interesses, não há, em tese, óbice jurídico para que servidor público federal assuma cargo de direção em entidade filantrópica, haja vista que estas não poderão ser consideradas sociedades, por lhe faltar o ânimo de exercer atividade econômica, afastando assim a hipótese proibitiva prevista no inciso X do art. 117, da Lei no 8.112, de 1990.

Vale salientar que o entendimento aqui consignado não exclui a possibilidade de o servidor público federal, na qualidade de diretor de ente filantrópico, estar submetido às demais vedações previstas no estatuto funcional, que envolvam as relações da entidade sem fins lucrativos e a pessoa jurídica de direito público a que serve.

Diante do exposto, concluímos que, desde que não haja incompatibilidade de horários ou conflito de interesses, servidor público federal pode, em tese, exercer função de direção em entidade filantrópica, uma vez que estas, por força do atual ordenamento civilista, não poderão ser consideradas sociedades, afastando assim o impedimento previsto no inciso X, da Lei no 8.112, de 1990, na redação dada pela Medida Provisória nº 431, de 14 de maio de 2008.

Sobre o(a) autor(a)
Ovídio Augusto Amoedo Machado
Procurador da Fazenda Nacional
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