A realidade vigente dos chamados crimes passionais

A realidade vigente dos chamados crimes passionais

Aborda a atual realidade jurídica dos crimes passionais, comparando com a visão utilizada no passado.

Derivado do latim passionalis, de passio (paixão), a expressão crime passional ou homicídio passional, como queiram, é utilizada na terminologia jurídica para designar o ato que se comete por paixão.

Destarte, segundo notório dicionário jurídico, de autoria do ilustre De Plácido e Silva, “crime passional é o que se faz, por uma exaltação ou irreflexão, conseqüente de um desmedido amor à mulher ou de contrariedade a desejos insopitados”.

Assim, no nosso modesto entender, é derivado de qualquer fato que produza na pessoa emoção intensa e prolongada, ou simplesmente paixão, não aquela de que descrevem os poetas, a paixão pura, mas paixão embebida de ciúme, de posse, embebida pela incapacidade de aceitação do fim de um relacionamento amoroso, que tanto pode vir do amor como do ódio, da ira e da própria mágoa.

Em um primeiro plano, o leigo poderia equivocadamente entender que o crime passional, por ser cometido por paixão, faria com que a conduta do homicida fosse nobre, mas, com certeza cremos que não a é, pois a paixão, neste caso, mola propulsora da conduta criminosa, tem no agente, a pessoa, seja homem ou mulher, o ente que comete o fato por perder o controle sobre seus sentidos e sobre sua emoção.

É preciso reconhecer também que, em matéria de política repressiva a essa forma de conduta violenta, o atual Código Penal rompeu com uma prática jurídica anterior, pois a lei penal que vigorava antes isentava de pena o agente que tivesse praticado o fato sob a influência de “completa perturbação dos sentidos e da inteligência”, o que era, por muitos, considerada como uma “válvula de impunidade” dos homicidas passionais.

No passado, o fato de um crime ser considerado passional rendia ao réu uma punição mais branda, mas isso ficou mesmo no passado. É claro que não podermos negar a existência da influência machista de nossa sociedade em décadas pretéritas; entretanto, não podemos também concordar com o entendimento de que somente era o homem poderia “defender a sua honra”, pois é fato que esta mesma sociedade machista nunca havia se acostumado com a idéia da infidelidade como um todo, seja feminina ou masculina, pois entendiam, como de fato entendem até os dias atuais que, a infidelidade causa ofensa à moral e à honra.

Se formos analisar a atualidade com o passado, de certa forma podemos dizer que praticamente foi extinta a utilização desta tese nos Tribunais do Júri. A aplicabilidade do homicídio privilegiado, acentuando a concretização da atenuante da violenta emoção, ou pela aplicação da excludente de ilicitude da legítima defesa, é que são as teses mais utilizadas hodiernamente. Deste modo, em tempos atuais, só haverá redução do juízo de culpabilidade, leia-se, redução e não extinção, quando o agente tiver sido acometido de “violenta emoção” logo após injusta provocação da vítima.

Não há dúvidas de que a utilização da tese da legítima defesa da honra ainda não esteja superada por completo, vez que ainda é plenamente possível a aplicabilidade desta tese, ou simples sustentação em plenário, principalmente nos rincões de cada Estado, onde a dita “honra” pode ser levada a estes casos extremos, ou seja, popularmente conhecido o termo “lavando a honra com sangue”.

O que vige no Código Penal brasileiro, é que a emoção ou a paixão não exclui a culpabilidade de quem fere ou mata uma outra pessoa. Portanto, para o direito penal positivado na norma escrita, não há tratamento específico e mais brando para o homicida passional. Ao contrário, pois se entendermos que o ódio, a inveja ou a ambição pode ser fruto de uma paixão incontrolável (ou, ao menos, difícil de ser controlada), temos de admitir que a lei não só não atenua a culpabilidade do agente, mas considera a conduta como uma forma qualificada de homicídio, muito mais grave pela maior quantidade de pena e, também, pelas conseqüências repressivas resultantes do fato ser considerado como crime hediondo.

Por certo que, se ficar provada a intenção escusa do homicida, ou seja, se uma pessoa mata o companheiro (ou manda matar) visando uma recompensa financeira (bens, seguro de vida), como hodiernamente acontece, esse crime em momento algum poderá ser considerado passional, vez que, conforme falamos, o crime passional é acometido por paixão, pela incapacidade de aceitação do fim de um relacionamento amoroso, e não visando uma recompensa financeira.

Para operar-se a exclusão do acusado da herança, não há necessidade da condenação criminal, e a prova no juízo cível pode ser produzida independentemente de ação penal. Agora, ocorrendo a condenação penal, reconhecendo-se não só a autoria e materialidade, mas principalmente o dolo, a decisão obrigatoriamente acarretará no efeito de exclusão por indignidade. Porém, se no juízo criminal reconhecer a inexistência do fato ou a negativa de autoria, fica afastada a retirada do direito à herança de sucessor capaz, no caso, o homicida passional, em virtude da acusação de atos de ingratidão que por ele ofenderam a integridade física, a honra ou a liberdade de testar do falecido.

Não há dúvidas de que o homicida passional, pratica o crime motivado pelo ciúme, egocentrismo, possessividade, prepotência e até vaidade, o que leva a um irresistível desejo de vingança, ao passo que, consumado o delito, o sentimento que o mortifica é o da perda, da desonra, de indignidade, de repúdio e do inconformismo que o faz matar para impedir que seu companheiro se liberte e siga sua vida de forma independente, dizendo em sua defesa, para ser absolvido pelo Tribunal do Júri, que foi compelido a tal ato pois se encontrava em estado de “violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”.

Resumindo, para o direito penal moderno, a regra que vige atualmente é esta: tanto a emoção quanto a paixão (a primeira, uma manifestação do psiquismo ou da consciência humana mais fugaz e passageira, a segunda mais duradoura e prolongada) não excluem a imputabilidade do agente, pois o bem jurídico maior - segurança coletiva, não pode transigir com a idéia de eventual e completa absolvição do homicida passional, mesmo nos casos de ter o agente se conduzido sob a influência de forte emoção ou paixão. O “Matei por amor”, frase dita por Raul Fernandes do Amaral, o Doca Street, já há muito foi substituída pelo slogan “Quem ama não mata”.

Sobre o(a) autor(a)
Marcelo Di Rezende Bernardes
- Advogado - Sócio Fundador e Delegado Federal da Associação Goiana de Advogados (AGA). - Diretor da Associação Brasileira dos Advogados (ABA) – Seção de Goiás.
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