Orkut na mira da Justiça: breves considerações acerca da aplicação das leis brasileiras

Orkut na mira da Justiça: breves considerações acerca da aplicação das leis brasileiras

Breves considerações jurídicas acerca da batalha judicial da Google Brasil Internet Ltda e Orkut.com.

Recentemente assistimos à movimentação do Ministério Público Federal, visando desmantelar a onda desenfreada de condutas ilícitas praticadas no mais conhecido ambiente virtual de relacionamentos: o Orkut.

Entretanto, insta salientar, primeiramente, a origem desta mania mundial que, atualmente, já ganhou espaço no Brasil, dentre tantos outros, voltando-se os olhos inclusive de seu criador – o engenheiro turco da Google Inc. Orkut Büyükkokten.

O Orkut é uma rede social filiada ao Google Inc. que, criada em 22 de janeiro de 2004, objetivava ajudar seus membros (usuários cadastrados) a criar novas amizades e manter relacionamentos. Detém, atualmente, 64,77% de usuários brasileiros, contra 13,52% de norte-americanos, dentre os quais possui a maior parte de usuários com idade entre 18 a 25 anos.

Em síntese, a referida rede de relacionamentos é composta por usuários cadastrados, desde que convidados por outros já participantes, e nela é possível se criar comunidades dos mais variados assuntos, postando fotos, comentários, envio de mensagens entre usuários e às comunidades, dentre outras ferramentas.

Todavia, ao contrário da intenção inicial de Orkut Büyükkokten, seu sistema tem sido utilizado para crimes como pedofilia, racismo, prostituição infantil e outros graves delitos.

Diante disso, o Ministério Público Federal, após meses de investigações junto com a Polícia, expediu notificações à empresa Google Brasil, para que esta fornecesse informações sobre os usuários que vêm criando e mantendo comunidades com cunho criminoso, mas tal solicitação fora desrespeitada pela empresa, sob o argumento de que o Orkut é filiado à Google Inc. norte-americana, ao passo que a Google Brasil é responsável somente pela parte publicitária e sistema de buscas, no âmbito nacional.

Assim, baseado no relatório produzido pela ONG SaferNet (http://www.denunciar.org.br/twiki/bin/view/SaferNet/WebHome), o MPF de São Paulo ajuizou, em 22 de agosto de 2006, uma Ação Civil Pública na Justiça Federal (Proc. 2006.61.00.018332-8), requerendo fosse quebrado o sigilo dos usuários criadores das comunidades criminosas, além do fechamento desta filial e da multa de R$200 mi para cada ordem judicial descumprida e, no mérito, a indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 130 milhões pelo dano já causado à sociedade brasileira.

O juiz federal José Marcos Lunardelli, da 17ª Vara Federal Cível, deferiu a liminar pleiteada, determinando que a empresa Google Brasil deve cumprir em 15 dias todas as ordens judiciais de quebra de sigilo telemático de comunidades e perfis do Orkut expedidas pela Justiça Federal Criminal de São Paulo, sob pena de multa diária de R$ 50 mil para cada ordem que remanescer descumprida.

No trecho da acertada decisão, o que traduz uma vitória da sociedade brasileira, Lunardelli assim considerou, in verbis:

Para vender serviços no Brasil a GOOGLE está presente, mas para colaborar na elucidação de crimes, não! Trata-se de postura cômoda e complacente com os graves crimes praticados no serviço ORKUT por nacionais, e que não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, além de refletir um profundo desprezo pela soberania nacional ao facilitar que se subtraiam da jurisdição criminal os brasileiros que utilizam o anonimato do serviço ORKUT para cometer crimes de pornografia infantil e racismo. É, portanto, da GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA, representante no Brasil da matriz norte-americana, o dever de cumprir as ordens judiciais que determinam a entrega de dados telemáticos imprescindíveis à identificação de brasileiros que cometem ilícitos penais no serviço ORKUT, administrado pela corporação GOOGLE”.

De certa forma, estamos diante de um fato jurídico de impacto mundial, em que a legislação brasileira, a doutrina e a jurisprudência são consideradas embrionárias, pois, tratando-se de questões relacionadas às normas aplicáveis aos crimes cibernéticos, mormente quando o website é hospedado em outro país, há que se buscar mecanismos jurídicos por analogia. Sendo assim, há que se fazer a seguinte exegese:


Os crimes virtuais diante da legislação brasileira

Como se trata de uma abordagem específica e voltada para o que está ocorrendo com o caso Orkut Brasil, é importante traçar as ponderações e apontamentos que seguem.

De acordo com o princípio da territorialidade trazido no art. 7º do Código Penal, no caso presente há que se aplicar o seu §2º, que assim dispõe:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

(...)

II - os crimes:

(...)

b) praticados por brasileiro;”

Todavia, o Código de Processo Penal, no capítulo que trata da competência pelo lugar da infração, outro exemplo do princípio da territorialidade objetiva, prescreve, em seu art. 70, §2º, o seguinte:

“Art. 70.  A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

(...)”

§ 2o  Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.

Com efeito, como o Orkut.com, rede de relacionamentos virtual afiliado ao Google Inc., está hospedado em servidores norte-americanos, portanto, entende-se como lugar da infração o território estrangeiro, pois, supostamente praticado por brasileiro, produzira resultados no Brasil, pelo que se aplica o princípio descrito acima. Diz-se “supostamente” porque se está diante de outro ponto crítico: a autoria dos crimes virtuais.

Na Internet, uma das grandes dificuldades existentes é a identificação real do usuário, ainda que em determinado website se exija usuário e senha. É muito fácil se criar um usuário falso, ou até mesmo um e-mail falso para praticar um crime virtual.

No Brasil, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, ao se criar um e-mail, é solicitado obrigatoriamente o CPF do usuário, o que facilita a sua identificação. Mas ainda assim é possível burlar este procedimento.

Em vista disso, tanto a Polícia Federal, através do SEPINF – Serviço de Perícias em Informática, bem como as polícias estaduais especializadas em crimes cibernéticos, possuem tecnologia capaz de rastrear o IP (Internet Protocol) para se identificar a máquina e o local onde se originou a conexão, em determinado momento.

Mesmo assim, às vezes se torna complexo chegar aos usuários infratores, pois, antes de praticar um delito virtual, normalmente o delinqüente experiente se cerca de precauções, dentre elas, a criação de um usuário falso, acessando o site, muitas vezes, de variados locais, como por exemplo em cyber cafés.

Em todo caso, caso seja encontrado o autor do crime, a Justiça brasileira é competente para penalizar o infrator, nesse caso, ainda que o website seja hospedado em outro país.


A teoria da aparência

Diante da acertada decisão do MM. Juiz da 17ª Vara Federal de São Paulo, houve, pelo visto, o reconhecimento de legitimidade passiva da Google Brasil Internet Ltda pela chamada teoria da aparência, tão aplicada nos tribunais pátrios, uma vez que o Orkut.com faz parte da Google Incorporation [1], da qual a Google Brasil Internet Ltda é filial.

Com efeito, embora a Google Brasil Internet Ltda seja representante da Google Inc em nosso país, tem o dever não só colaborar com a justiça nacional, mas responder por suas determinações, inclusive, respondendo por eventuais multas e demais condenações de estilo.


Apoio Institucional e os rumos da legislação acerca da matéria

De uma forma geral, a justiça brasileira, no exercício de suas atribuições, está sendo apoiada não só por ONGs, mas pelo Poder Legislativo, que após a onda desenfreada de condutas ilíticas através da rede mundial, levou à propositura de vários projetos de lei, com vistas a prever medidas capazes de punir infratores virtuais.

É cediço que, de um lado está a dinamicidade da sociedade e os desenfreados avanços tecnológicos e, de outro, a preocupação na adequação da lei a esse desenvolvimento, cabendo aos poderes constituintes criarem, aplicarem e julgarem as questões que envolvam relações virtuais, quaisquer que sejam elas.

Na maioria das vezes, não obstante a legislação brasileira seja capaz de solver questões que envolvam condutas praticas em ambientes virtuais, certo é que a jurisprudência ainda está reagindo às primeiras provocações desta natureza, que lhe são levadas a julgamento, aplicando a lei, por analogias.

Quanto ao caso Orkut.com, a briga continua. Não se sabe o rumo que deverá tomar a justiça federal. Acredita-se que sejam criados mecanismos mais seguros de obtenção de informações na rede, para que o crime não tome proporções geométricas.


[1] A Google Inc é regida por leis do Estado de Delaware, nos Estados Unidos, consoante o Certificado de Incorporação (vide: http://contracts.onecle.com/google/incorp.2003.08.27.shtml)

Sobre o(a) autor(a)
Leopoldo Fernandes da Silva Lopes
Advogado
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