O termo inicial de contagem da prescrição do direito de pleitear a reparação dos danos decorrentes de ato de autoridade
Analisa a prescrição do direito de pleitear a reparação dos danos decorrentes de ato ilegal reconhecido em mandado de segurança - interrupção do prazo prescricional.
Não são raras as ocasiões em que, além de ter que aguardar o decurso de longuíssima batalha judicial para ver cessada ilegalidade perpetrada por potestade pública em seu desfavor, o administrado é obrigado a, posteriormente, contrapor alegações de que o direito a pleitear a reparação dos danos causados pela ilicitude estaria prescrito.
Por certo, o instrumento específico conferido ao particular para salvaguardar direito – líquido e certo – contra ato coator de autoridade pública, nos termos dos artigos 5º, LXIX, da Constituição e 1º da Lei 1.533/51, é o mandado de segurança. Em que pese os atributos práticos conferidos a citado instituto, por sua natureza sumária resta defeso ao administrado buscar, na via estreita do writ, a reparação pelos danos causados ao seu patrimônio jurídico pela ilicitude cometida.
Com efeito, a única exceção existente no ordenamento pátrio - prevendo a reparação de danos causados por ato discutido em mandamus é aquela contida na Lei nº 5.021/66. Dessa forma, excetuando o servidor público, o qual poderá pleitear diretamente perante a administração o recebimento das vantagens pecuniárias asseguradas em sentença concessiva de mandado de segurança, relega-se aos demais o ajuizamento de ação ordinária para persecução de referido desiderato.
Ocorre que, em que pese sua destinação eminentemente mandamental, objetivando, tão-somente, o desfazimento do ato lesivo, não é incomum se decorrerem décadas até que o writ receba pronunciamento judicial definitivo, razão pela qual o posterior ajuizamento da competente ação de reparação de danos pode encontrar óbice nos efeitos da prescrição.
Ora, se é correto afirmar que os Decretos nºs 20.190/32 e 4.597/42 assinalam o prazo qüinqüenal para a cobrança das dívidas da União, Estados, Municípios e entidades da administração indireta, também não deve haver dúvida que o ajuizamento do mandado de segurança interrompe a prescrição do direito de pleitear a reparação dos danos causados pela ilicitude nele discutida, porquanto desaparece o principal ponto autorizador para o aperfeiçoamento do tal instituto - a inércia.
De fato, o decurso de tempo exerce influência no Direito – sendo o instituto da prescrição indispensável à estabilidade das relações sociais. No entanto, nos termos do artigo 202, I e V, do Código Civil, citado instituto é interrompido pela citação pessoal da parte adversa, bem como pela interposição de qualquer ato judicial que a constitua em mora. Com igual compreensão o artigo 219, do Código de Processo Civil, dispõe “a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa, e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição”.
A Lei que regulamenta o Mandado de Segurança (Lei nº 1.533/51) estabelece, em seu artigo 7º, que a autoridade coatora será notificada para prestar informações. Segundo Hely Lope Meirelles, ainda que a terminologia empregada demonstre-se diversa, o ato de comunicação possui natureza jurídica de citação, possuindo efeitos semelhantes e interrompendo a prescrição:
“Deferindo a inicial, o juiz ordenará a notificação pessoal do impetrado, o que é feito por ofício acompanhado das cópias da inicial e documentos, com a fixação do prazo de dez dias para prestação de informações, e no mesmo despacho determinará a intimação dos interessados que devam integrar a lide e se manifestará sobre a medida liminar, se pedida pelo impetrante. A notificação do impetrado (coator) e a dos interessados (litisconsortes passivos necessários) equivalem à citação, pois delas fluirá o decêndio para as informações e ingresso na causa” (in, Mandado de Segurança. 28ª Edição. Malheiros Editores. São Paulo: 2005, p.77 – os grifos não constam no original).
Tal entendimento ecoa na jurisprudência pátria, valendo citar:
“Processual Civil e Mandado de Segurança. Pedido. Inalterabilidade. Perda de Objeto. 1. A notificação, no mandado de segurança, tem natureza de citação. Assim, prestadas as informações que constituem o modo através do qual a autoridade se defende, a impetrante não podia alterar o pedido ou a causa de pedir. A segurança foi impetrada visando a cassar o ato que suspendeu a magistrada do exercício de suas funções até o julgamento do processo administrativo. Concluído este e aplicada a sanção antes de julgado o mandado de segurança, o pedido perdeu seu objeto. 2. Recurso Desprovido.” (RMS 2591/GO, 5ª Turma, Rel. Min. Jesus Costa Lima, DJU de 1/8/1994)
“Processual Civil. Mandado de Segurança. Inexistência de litisconsórcio passivo necessário entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica de direito público a qual pertence o órgão coator. – A autoridade coatora, como tal indicada na ação de mandado de segurança, faz parte do ente público sujeito passivo do mandamus, por isso, a sua notificação acarreta a citação da pessoa jurídica de direito público a qual pertence. – Precedentes Jurisprudenciais. – Recurso Provido.” (RESP 56205/PE, 1ª Turma. Rel. Min. César Asfor Rocha. DJU 13/2/1995)
Ou seja, diferente do que reiteradamente defende a fazenda pública ao ser instada a oferecer resposta a pleitos indenizatórios, o lesado não tem a necessidade de ajuizar demanda reparatória antes pronunciamento definitivo acerca do ato coator para, tão-somente, evitar a prescrição do direito que nascerá apenas após o trânsito em julgado do mandamus, conforme muito bem retrata a jurisprudência:
“Tendo o aprovado em concurso público ingressado em juízo para desconstituir ato administrativo pelo qual foi preterido em seu direito a nomeação e posse, o trânsito em julgado da sentença de procedência, constitui termo inicial da contagem do prazo dE PRESCRIÇÃO da ação dE INDENIZAÇÃO, e não o próprio ato administrativo em si, pois, na verdade, constitui o pronunciamento jurisdicional, o reconhecimento inequívoco da lesão ao seu direito, causadora dos possíveis danos materiais e morais a serem apurados pelo juízo de 1º grau" (REsp 264.730/MG, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 26.03.2001).
“RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284/STF. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. AÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. NOMEAÇÃO EM CARGO PÚBLICO TORNADA SEM EFEITO EM VIRTUDE DA DEFICIÊNCIA VISUAL DE APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO. RECONHECIMENTO DE SEU DIREITO À POSSE NO CARGO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TERMO A QUO A PRESCRIÇÃO DA DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DO MANDADO DE SEGURANÇA. NÃO-OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO NA ESPÉCIE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO”. (RESP 670363/RS – T2 – 2ªTurma – Min. Franciulli Netto, J. 16/12/2004)
Obviamente que, sobretudo porquanto o ajuizamento de ação ordinária de reparação de danos antes do pronunciamento judicial definitivo acerca da violação ao direito discutido no mandamus constituiria uma grave agressão aos princípios da razoabilidade e da celeridade - que devem orientar a aplicação do direito processual, o termo inicial de contagem do prazo prescricional para a propositura de demanda indenizatória tendo por objeto as conseqüências do ato questionado em writ é o trânsito em julgado da decisão que reconhece sua ilegalidade.