Due Process Of Law: Influências Anglo-saxônicas no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Due Process Of Law: Influências Anglo-saxônicas no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Analise histórica do devido processo legal e exemplificação da presença deste princípio utilizando-se do artigo 243 da Constituição Federal.

I – INTRODUÇÃO. ASPECTOS HISTÓRICOS

Antes mesmo de adentrarmos no mérito do correspondente assunto, primordial se faz a necessidade de entendermos um pouco do aspecto histórico na qual fez surgir tal princípio constitucional de imensurável valor, com a posterior finalidade de tornar possível um breve entendimento da interpretação acerca da contradição jurídica que circunda o artigo 243 da Constituição Federal, no que diz respeito à perda do patrimônio do indivíduo ou especificamente ao uso dos termos “imediatamente expropriada (...) sem qualquer indenização ao proprietário”.

A denominada “law of the land” (per legem terrae), teve como importante marco histórico o ano de 1215, precisamente na Inglaterra. Inicialmente, era uma forma de proteção dos direitos patrimoniais dos barões que ali eram expulsos de suas propriedades (de suas terras, daí a origem do termo law of the land ou, “Lei da Terra”) e de limitação ao poder real representado pelo magnânimo King John (rei João), comumente conhecido como magnânimo João “sem terra”. Destarte, do termo “magnânimo João”, surgiu a presente denominação “carta magna”.

A carta magna de 1215, até então escrita em latim para que o povo não tivesse conhecimento do seu conteúdo, dispunha em seu capítulo 39 a seguinte norma: “Ne corpus liberi hominis capiatur nec imprisonetur nec disseisiatur nec autlagetur nec exuleter, nec aliquo modo destruatur, nec rex eat vel mittat super eum vi, nisi per judicium parium suorum, vel per legem terrae”, ou seja, “nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão ou privado de seus bens ou colocado fora da lei ou exilado ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele, senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com as leis da terra”.

Após a morte de João em 1216 e as conseqüentes ratificações da carta, em 1354 durante o reinado do Rei Eduardo III, a magna carta foi reduzida (sem prejuízos da futura due process clause), traduzida para a língua inglesa e por algum legislador desconhecido foi criado e então mencionado pela primeira vez o termo “due process of law” no lugar do enunciado em latim “per legem terrae” (law of the land ou em português, lei da terra).

 
II – O DEVIDO PROCESSO LEGAL

Exerceram grandes influências na mente do constituinte, o teor provindo do direito inglês e norte-americano. Como já nos demonstra Nelson Nery Júnior, o trinômio “vida-liberdade-propriedade” parece-nos ser um código base para o entendimento do princípio em questão. Em geral, tudo aquilo que viola a vida, a liberdade e a propriedade do indivíduo, está direta ou indiretamente ligado à interpretação do princípio. No ordenamento jurídico brasileiro parece-nos então bastante oportuno e presumível, associá-lo ao Direito Penal e ao Direito Processual Civil.

No direito brasileiro, é aparente a sua influência em todo o ordenamento jurídico e traduze-se de forma explícita através da Constituição Federal/88 em seu artigo 5, LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

A fim de nos satisfazer a necessidade de entender as vertentes do devido processo legal consagrados na Constituição Federal/88, são oportunas as seguintes palavras do Supremo Tribunal Federal:

"Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV, do art. 5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo — substantive due process — constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual — procedural due process — garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa." (ADI 1.511-MC, voto do Min. Carlos Velloso, DJ 06/06/03).


III – ART 243 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88

Partindo do fato de que o devido processo legal - o direito a um julgamento de acordo com as leis da terra - surgiu a partir da escassez, da falta de uma norma, da arbitrariedade do estado em retirar as propriedades (palavra-chave para a lógica desta interpretação) que aos barões pertenciam, temos então a possibilidade de concluir sistematicamente que o termo “expropriar”, ou seja, desapossar alguém de sua ‘propriedade’ segundo as formas legais e mediante justa indenização, exerce uma inegável influência para a concretização deste princípio.

Etimologicamente, “propriedade” do latim proprietate, é o direito de usar, gozar, dispor de bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente o possua. A palavra expropriar, (como supra mencionado, “retirar alguém de sua propriedade”) é o verbo que também se utiliza o caput do artigo 243 da nossa Constituição Federal. A utilização deste termo gera atenção especial, pois, torna-se dúbia a sua interpretação a partir do momento em que vem precedida pela palavra “imediatamente” e precede então os termos “sem qualquer indenização ao proprietário”, como bem nos demonstra a transcrição do caput abaixo:

“Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.

Inicialmente, para efeito deste artigo, vale-se ressaltar o significado da palavra “gleba” (1. solo cultivável; 2. torrão; 3. terreno onde se encontra mineral; 4. terreno feudal a que os servos estavam adstritos [1]), na qual, nos ateremos a utilizá-la no sentido de propriedade, solo cultivável.

Não devemos interpretar o mencionado dispositivo de uma forma direta e objetiva, haja vista que, a própria Constituição Federal também protege os direitos e garantias fundamentais do indivíduo (vida – liberdade – propriedade) como bem nos demonstra o caput do art 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Ainda explicita o princípio em questão no seu inciso LIV que diz: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Assegura-nos os mesmos preceitos de proteção à propriedade do indivíduo, outros dispositivos como os artigos 170, II, III; 182, § 2º do mesmo título.

Por um lado, a propriedade deve obedecer a sua função social (como preceitua os artigos mencionados) e a lei em conjunto com a sociedade deve punir exemplarmente aqueles que utilizam bens econômicos com finalidades ilícitas como o tráfico de entorpecentes e drogas afins. Por outro lado, é dever do Estado incentivar e beneficiar “instituições e pessoal especializado no tratamento e recuperação de viciados (...)”, fiscalizar, controlar e reprimir este tipo de crime e fazer jus a todos os outros termos descritos: assentamento de colonos e o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos.

Porém, não obstante aos termos do artigo, deve-se ressaltar que, em decorrência do devido processo legal, ninguém deverá ser expropriado ou retirado de suas propriedades sem que haja o devido processo judicial, onde se possam manifestar os valores da democracia e da liberdade, através dos direitos e garantias processuais. A exemplo destas garantias processuais temos: o direito ao juiz imparcial; o direito de não ser privado de sua liberdade sem um procedimento formal; o direito ao contraditório e à ampla defesa; a não utilização de provas ilícitas no processo e o direito de “processar e ser processado de acordo com normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas que também, devem respeitar aquele principio” como bem nos define Fredie Didier Jr.

Para que tal expropriação mencionada no artigo possa ter validade e fazer jus a um estado democrático de direito, mister se faz ressaltar a presença do art. 6º da Lei n. 8.257/91 que ratifica e complementa a interpretação da norma constitucional em questão: “a ação expropriatória seguirá o procedimento judicial estabelecido nesta Lei”, pois, como bem nos demonstra Maria Rosynete Oliveira Lima: “deve ser oferecido ao proprietário uma sucessão de atos intermediários, ordely proceedings (raiz do devido processo legal procedimental nos Estados Unidos), estabelecido pelo Estado, como uma medida suficiente para minimizar o risco de decisões que provoquem a restrição indevida de algum dos bens tutelados pela cláusula”.


[1] Nota de rodapé: página 3. CD-ROM. Novo dicionário da Língua portuguesa. Editora Rideel.

Sobre o(a) autor(a)
André Albuquerque
Estudante de Direito
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