As duas faces do terror

As duas faces do terror

Trata da infeliz ação policial que resultou na morte do brasileiro Jean Charles de Meneses na cidade de Londres.

O mundo voltou a se assustar com os recentes ataques terroristas que nos últimos dias mataram centenas de inocentes em Londres e no balneário de Sharm el-Sheik no Egito.

O terrorismo é a forma mais covarde e repugnante de violência, pois ceifa a vida de inocentes sem absolutamente nenhum poder de defesa.

Gostaria de me ater nesse artigo ao assassinato do jovem brasileiro Jean Charles de Menezes, ocorrido no dia 22 de julho na estação do metrô de Stockwell, na cidade de Londres, na Inglaterra.

Não podemos simplesmente aceitar as justificativas de que o destino quis assim ou que foi apenas uma fatalidade, não, isso não é verdade, o que ocorreu foi um assassinato brutal, covarde e injustificável.

Jean Charles de Menezes era mais um jovem brasileiro que saiu do nosso pais para buscar seu sonho de ter uma vida melhor, procurava economizar algumas libras para poder dar uma melhor qualidade de vida para sua família que vive no povoado de Córrego dos Ratos, na zona rural da cidade de Gonzaga no estado de Minas Gerais.

Antes de embarcar esse jovem cheio de esperanças fez um curso técnico de eletricista para que pudesse exercer seu novo ofício na capital britânica, após três anos vivendo em Londres já possuía uma boa clientela e começava a concretizar seus objetivos de guardar algum dinheiro para então poder regressar ao Brasil e seguir a sua vida.

De concreto podemos afirmar que Jean foi executado com oito tiros, sendo sete na cabeça e um no ombro. Importante destacar que os tiros foram dados “a queima roupa” e que nesse momento ele já estava imobilizado, dominado por três policiais e deitado no chão.

A polícia e o governo britânico tentam encontrar uma justificativa razoável ou convincente para esse lamentável episódio, tenho uma única certeza, não encontrarão essa resposta pois ela simplesmente não existe.

Para não ser imparcial transcreverei aqui os argumentos apresentados pela polícia e pelo governo até esse momento.

Segundo o Chefe da Scotland Yard, Ian Blair, os policiais responsáveis pela execução informaram que Jean estava trajando um casaco, apesar do verão londrino, ele também havia saído de uma casa suspeita que já estava sendo monitorada, disseram ainda que após ele sair da casa deu-se uma “espetacular perseguição” e que Jean havia pulado a roleta do metrô, insistem em dizer que ele não atendeu a ordem dada pelos policiais para que ele parasse, então nesse momento o mesmo foi imobilizado, jogado ao chão e executado, o policial afirmou ainda que Jean “tinha o olhar um coelho encurralado”.

Pois bem, os executores são agentes de elite da Tropa SO19 da Scotland Yard e trabalham a paisana.

Na primeira versão, minutos após o assassinato a informação era de que se tratava de um terrorista asiático, provavelmente paquistanês e que poderia ser um homem bomba, ou seja, sendo assim buscava-se o apoio popular para essa medida drástica e equivocada.

Não são verdadeiros os pedidos de desculpas, pois o Ministro de Relações Exteriores do Reino Unido, Jack Straw elogiou a Scotland Yard e simplesmente tentou justificar esse ato de barbárie dizendo que “temos que levar em conta a intensa pressão com que os policiais trabalham”; já o Chefe da Policia Metropolitana afirmou que será mantida a política de atirar para matar.

Essas afirmações mostram toda a insensibilidade do governo britânico e tentam minimizar o ocorrido, ou seja, a morte de Jean Charles de Menezes não serviu nem ao menos para motivar a Scotland Yard a rever seus procedimentos.

A execução será investigada pelo IPCC, ou The Independent Police Complaints Commission, que vem a ser Comissão Independente de Queixas da Polícia, órgão criado a pouco mais de um ano e que terá sua prova de fogo na análise desse episódio.

É lamentável que tal episódio tenha ocorrido com integrantes da Scotland Yard, tida por muitos como uma das melhores polícias do mundo e que sempre utilizou a inteligência policial como principal instrumento de trabalho, tanto que também é conhecida como a polícia desarmada, pois são poucos os policiais que portam armas, isso só é necessário em casos realmente excepcionais.

Não vejo como a Scotland Yard pode pensar em continuar com esses procedimentos, é importante frisar que Londres possuí atualmente cerca de 7,7 milhões de habitantes, desses, aproximadamente 1,6 milhões são muçulmanos, não há de se tratar todos como suspeitos.

O curioso é que ainda não foram divulgadas as imagens da perseguição e da execução, mais estranho ainda é o fato da família e dos amigos que residiam com Jean terem sido colocados, pela polícia, num hotel com a justificativa de se sentiriam mais confortáveis e teriam mais segurança, quando o único e real motivo para isso é manter essas pessoas afastadas dos jornalistas para que não haja direito ao contraditório nas versões oficiais divulgadas na imprensa.

Por certo que devemos repudiar o terrorismo, é correto afirmar que o atentado ocorrido no dia 7 de julho em Londres que resultou na morte de 56 pessoas e causou ferimento em mais de 700 colocou a Grã-Bretanha em alerta máximo; entretanto as forças de Defesa Nacional e de Segurança Pública já deveriam estar preparadas para isso, pois todo o mundo já sabia que mais dia ou menos dia isso infelizmente viria a ocorrer, esse é o preço a ser pago pela sociedade do Reino Unido como consequência desse país ser o principal aliado dos Estados Unidos na ocupação, ou invasão do Iraque.

Também devemos frisar que ao longo de décadas a Scotland Yard tem convivido com ataques e atentados seletivos promovidos pelo IRA, o Exército Republicano Irlandês, com isso é razoável acreditar que essa força já possuí treinamento para atuar em situações dessa natureza envolvendo suspeitos de terrorismo.

O assassinato, ou execução de Jean Charles de Menezes nos mostra que não podemos aceitar que o combate ao terror seja feito através do terror, nesse caso específico o terror ganha uma cara oficial uma vez que o próprio governo tenta de todas as formas minimizar a importância dessa morte.

Um inocente é inocente em qualquer lugar do planeta, independente de sua nacionalidade, religião, cultura ou nível social, Jean Charles era inocente como inocentes eram as 56 vítimas do atentado de 7 de julho, exatamente como tmabém são inocentes os mais de 25.000 iraquianos civis que perderam suas vidas no curto período de 2003 a 2005 em razão da ocupação, ou invasão do Iraque, isso corresponde a aproximadamente 34 mortes por dia, os dados são do Grupo de Pesquisa Oxford, de Londres.

Lamentavelmente esse é o caro preço cobrado quando se opta por um estado policial, é absolutamente verdadeira a afirmativa da OAB que afirma que quando suspendem-se os direitos e garantias individuas cria-se um ambiente de pânico e insegurança coletivos, resultando por agredir o estado democrático de direito.

Não se pode combater o terror promovendo o terror, o estado deve agir com inteligência e principalmente discrição pois o terror infelizmente é um inimigo invisível que pode agir a qualquer momento e em qualquer lugar, não existe racionalidade numa ação terrorista, todas as pessoas e todos os lugares são alvos em potencial, não tenho a menor dúvida de que a morte acidental, ou a execução, de Jean Charles não amedrontou de nenhuma maneira qualquer terrorista, ao contrário, mostrou o total despreparo das forças britânicas para o enfrentamento desse inimigo.

Nesse momento não há como deixar de recordar o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

Espero que esse lamentável episódio motive uma profunda reflexão quanto aos procedimentos adotados não só pela Scotland Yard como por todas as polícias e órgãos de segurança pública e de defesa nacional do planeta, com isso milhares de vidas de inocentes serão poupadas todos os anos.

Sobre o(a) autor(a)
Wlamir Leandro Motta Campos
Consultor Legislativo, Especialista em Gestão de Políticas Públicas nas áreas de Segurança Pública e Defesa Nacional.
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