Da inconstitucionalidade progressiva e sua aplicação abstrata

Da inconstitucionalidade progressiva e sua aplicação abstrata

Análise do artigo 68 do CPP.

1 – Da análise casuística até uma definição ou teoria geral

Diante do aparente descompasso entre o artigo 68 do Código de Processo Penal e artigos 127 e 134 da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal se manifestou e (prudentemente) não declarou, de imediato, a inconstitucionalidade daquele. Adotou o Colendo Tribunal uma posição intermediaria entre estado de plena constitucionalidade ou de absoluta inconstitucionalidade (RE 341.717-SP), abraçando a chamada teoria da inconstitucionalidade progressiva.

Vejamos:

RE 341.717-SP* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL EX DELICTO. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 68. NORMA AINDA CONSTITUCIONAL. ESTÁGIO INTERMEDIÁRIO, DE CARÁTER TRANSITÓRIO, ENTRE A SITUAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE E O ESTADO DE INCONSTITUCIONALIDADE. A QUESTÃO DAS SITUAÇÕES CONSTITUCIONAIS IMPERFEITAS. SUBSISTÊNCIA, NO ESTADO DE SÃO PAULO, DO ART. 68 DO CPP, ATÉ QUE SEJA INSTITUÍDA E REGULARMENTE ORGANIZADA A DEFENSORIA PÚBLICA LOCAL. PRECEDENTES.

DECISÃO: A controvérsia constitucional objeto deste recurso extraordinário já foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, cujo Plenário, ao julgar o RE 135.328-SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, fixou entendimento no sentido de que, enquanto o Estado de São Paulo não instituir e organizar a Defensoria Pública local, tal como previsto na Constituição da República (art. 134), subsistirá, íntegra, na condição de norma ainda constitucional - que configura um transitório estágio intermediário, situado "entre os estados de plena constitucionalidade ou de absoluta inconstitucionalidade" (GILMAR FERREIRA MENDES, "Controle de Constitucionalidade", p. 21, 1990, Saraiva) -, a regra inscrita no art. 68 do CPP, mesmo que sujeita, em face de modificações supervenientes das circunstâncias de fato, a um processo de progressiva inconstitucionalização, como registra, em lúcida abordagem do tema, a lição de ROGÉRIO FELIPETO ("Reparação do Dano Causado por Crime", p. 58, item n. 4.2.1, 2001, Del Rey).

É que a omissão estatal, no adimplemento de imposições ditadas pela Constituição - à semelhança do que se verifica nas hipóteses em que o legislador comum se abstém, como no caso, de adotar medidas concretizadoras das normas de estruturação orgânica previstas no estatuto fundamental - culmina por fazer instaurar "situações constitucionais imperfeitas" (LENIO LUIZ STRECK, "Jurisdição Constitucional e Hermenêutica", p. 468-469, item n. 11.4.1.3.2, 2002, Livraria do Advogado Editora), cuja ocorrência justifica "um tratamento diferenciado, não necessariamente reconduzível ao regime da nulidade absoluta" (J. J. GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", p. 1.022, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina, Coimbra - grifei), em ordem a obstar o imediato reconhecimento do estado de inconstitucionalidade no qual eventualmente incida o Poder Público, por efeito de violação negativa do texto da Carta Política (RTJ 162/877, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).

É por essa razão que HUGO NIGRO MAZZILLI ("A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo", p. 72, item n. 7, nota de rodapé n. 13, 14ª ed., 2002, Saraiva), ao destacar o caráter residual da aplicabilidade do art. 68 do CPP - que versa hipótese de legitimação ativa do Ministério Público, em sede de ação civil - assinala, em observação compatível com a natureza ainda constitucional da mencionada regra processual penal, que "Essa atuação do Ministério Público, hoje, só se admite em caráter subsidiário, até que se viabilize, em cada Estado, a implementação da defensoria pública, nos termos do art. 134, parágrafo único, da CR (...)" (grifei).

Daí a exata afirmação feita por TEORI ALBINO ZAVASCKI, eminente Magistrado e Professor ("Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional", p. 115/116, item n. 5.5, 2001, RT), cuja lição, a propósito do tema ora em exame, põe em evidência o relevo que podem assumir, em nosso sistema jurídico, as transformações supervenientes do estado de fato:

"Isso explica, também, uma das técnicas de controle de legitimidade intimamente relacionada com a cláusula da manutenção do estado de fato: a da 'lei ainda constitucional'. O Supremo Tribunal Federal a adotou em vários precedentes (...). Com base nessa orientação e considerando o contexto social verificado à época do julgamento, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a argüição de inconstitucionalidade da norma em exame, ficando claro, todavia, que, no futuro, a alteração do status quo poderia ensejar decisão em sentido oposto." (grifei)

Cabe referir, por necessário, que esse entendimento tem sido observado em sucessivas decisões proferidas por esta Suprema Corte (RE 196.857-SP (AgRg), Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE 208.798-SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RE 213.514-SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RE 229.810-SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 295.740-SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), como o demonstra o julgamento do RE 147.776-SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, efetuado pela Colenda Primeira Turma deste Tribunal (RTJ 175/309-310):

"Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328): processo de inconstitucionalização das leis.

1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa, entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc, faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição - ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada - subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.

2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal - constituindo modalidade de assistência judiciária - deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que - na União ou em cada Estado considerado - se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art. 68 C.Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328." (grifei)

Todas essas considerações, indissociáveis do exame da presente causa, evidenciam que o acórdão ora recorrido diverge, frontalmente, da orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte fixou na matéria em análise.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art. 557, § 1º-A), em ordem a reconhecer a plena legitimidade ativa do Ministério Público do Estado de São Paulo para propor a ação civil ex delicto, nos termos do art. 68 do CPP, invalidando, por isso mesmo, a extinção do processo, sem julgamento de mérito, decretada pelo E. Tribunal de Justiça paulista (fls. 287/291) e restaurando, em conseqüência, a decisão que procedeu ao saneamento do processo (fls. 229), operando-se, a partir daí, o regular prosseguimento da causa.

Publique-se.

Da teoria da inconstitucionalidade progressiva se extrai então o entendimento de que uma norma, embora incompatível com a Lei Maior, pode ser considerada constitucional enquanto não sobrevierem circunstâncias que concretizem seu caráter inconstitucional.

Assim, é o artigo 68 do Código de Processo Penal considerado constitucional em todos os seus efeitos até que cada Estado da federação brasileira crie a instituição da Defensoria Pública, passando para ela a defesa das pessoas consideradas hipossuficientes. Desse modo, nos estados onde já existe a Defensoria Pública, o mencionado artigo não possui eficácia, sendo neles parte legítima para a propositura de ação de execução civil da sentença penal condenatória a Defensoria Pública, e não mais o Ministério Público.

Assim, esse dispositivo se encontra em vigor somente nos Estados que não possuem Defensoria Pública. Como se vê, e diante da tendência da institucionalização nacional desta instituição, referido artigo está em progressivo processo de "inconstitucionalização", constituindo-se em uma "lei ainda constitucional".

Referida teoria, em verdade, não é criação original do Brasil. O Supremo Tribunal Federal seguiu orientação da Corte Constitucional Alemã, conforme nos esclarece o professor Zeno Veloso:

Na Alemanha, além da declaração de inconstitucionalidade com efeitos retroativos (ver art. 78 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional [1] Federal) e da interpretação conforme a Constituição, que são técnicas tradicionais, adota-se a sentença de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade e o reconhecimento de que a lei ainda é constitucional, mas, pela evolução dos fatos e do direito, está se tornando ilegítima, convocando-se o legislador para modificar a lei (Appellentscheidung). [2]


1. 2 - Utilidade da inconstitucionalidade progressiva

Inicialmente é interessante que se perceba a nítida intenção do STF em tentar "salvar" o dispositivo acima de eventual inconstitucionalidade, o que demonstra preocupação louvável.

Trata-se de inegável posição mais flexível, permitindo que a norma figurasse em um estágio intermediário "entre os estados de plena constitucionalidade ou de absolutamente inconstitucional" [3].

Inegavelmente, ao prestigiar a teoria da inconstitucionalidade progressiva, o Judiciário, através de seu órgão de cúpula, preservou o Poder Executivo, pois impediu que fosse declarada qualquer situação de omissão inconstitucional. Os Estados que não instituíram a Defensoria, seja por problemas financeiros ou políticos não podem ser criticados e assinalados como inertes.

Outro ponto positivo desta doutrina é que os eventuais destinatários da norma em análise, quais sejam, os hipossuficientes, continuam sendo atendidos nos estados que não instituíram a Defensoria. Isso demonstra louvável preocupação com os jurisdicionados, uma vez que, se fosse declarada a inconstitucionalidade, ficariam eles a míngua e sem assistência devida. Lembre-se que, nos Estados em que fora a defensoria criada, não há qualquer prejuízo para os necessitados.

Mas talvez o argumento mais louvável sobre a defesa desta teoria seja o fato de que o controle de constitucionalidade no Brasil está experimentando processo de amadurecimento, evolução e aperfeiçoamento de suas técnicas. Na voz de Gilmar Ferreira Mendes:

Fica evidente, pois, que a nossa Corte Suprema deu um passo significativo rumo à flexibilização das técnicas de decisão no juízo de controle de constitucionalidade, introduzindo, ao lado da declaração de inconstitucionalidade, o reconhecimento de um estado imperfeito, insuficiente para justificar a declaração de ilegitimidade da lei. [4]

Com efeito, a declaração de que uma norma se torna inconstitucional a medida que se implementam alterações fenomênicas demonstra um desapego ao controle tradicional e demasiadamente formalista de constitucionalidade.

Isso porque antes uma norma era ou não recepcionada pela nova ordem constitucional. Não se poderia falar em recepção num primeiro momento e depois em inconstitucionalidade dela. Ou era a norma constitucional ou inconstitucional. Não havia meio termo. Não havia "leis ainda constitucionais".

Com esta nova visão pode-se chegar a avanços normativos sem maiores traumas e melhor ainda, passo a passo, com as alterações do mundo fático.

A adoção da teoria da inconstitucionalidade progressiva representa, também, um estreitamento salutar entre os três poderes. Caso contrário, se o Judiciário declarasse inconstitucional a norma, elaborada pelo Legislativo, ou se o Legislativo realmente exigisse dos Estados a instalação da Defensoria Pública, contrariando a decisão do Supremo Tribunal Federal, restaria figurada possível desarmonia entre os Poderes.

Prestigiando a teoria da inconstitucionalidade progressiva, o Judiciário fomenta a harmonia entre os Poderes, cumprindo a vontade do legislador constituinte originário no artigo segundo da Constituição Federal de 1988.


1. 3 - Críticas à teoria da inconstitucionalidade progressiva

A crítica mais ferrenha acerca da aplicabilidade, em alguns estados, do artigo 68 do Código de Processo Penal, sustenta que a manutenção de tal dispositivo estaria afrontando a supremacia da Constituição Federal diante de todas as outras leis.

Se a Constituição de 1988 é considerada a "rainha" das leis não seria congruente permitir que um dispositivo infraconstitucional afrontasse o que ela determinou em flagrante ameaça a sua supremacia.

Argumenta-se, também, que um dispositivo não poderia possuir o caráter de ora ser constitucional e ora inconstitucional. A lei é ou não é constitucional, não existindo essa situação de transição. Essa é a posição mais rígida, tradicional e, portanto, mais segura sobre controle de constitucionalidade.

Tais raciocínios, ao menos teoricamente, evitariam que uma norma fosse tida como constitucional a pretexto de que no futuro, mediante ação dos Estados (no caso a instituição da defensoria) se torne inconstitucional, o que fomentaria a desídia dos Estados que prorrogam suas responsabilidades e não têm suas omissões devidamente punidas ou rechaçadas.

Agindo assim, segundo os críticos, o Judiciário se mantém a espera da vontade dos Estados em instituir a Defensoria Pública, agindo de forma omissiva e contrária ao controle de constitucionalidade tradicional, desprestigiando a hegemonia da Constituição Federal e deixando sensação de insegurança na eficácia das leis.

Como se vê, todavia, todos os supostos argumentos contrários a adoção desta teoria encontram paradoxo nas vantagens acima aludidas, não havendo razões para não a contemplarmos.

Criada uma teoria geral para a sua definição, passemos a sua aplicação a alguns outros dispositivos infraconstitucionais que vivem situação análoga.


2. Outras aplicações da teoria

2.1 Lei n. 8.560/92 – Lei de Investigação de Paternidade

A Lei n. 8.560/92 disciplina a possibilidade de investigação de paternidade de filhos havidos fora do casamento. Seu artigo 2º, § 4º, determina que:

"se o suposto pai não atender no prazo de 30 (trinta) dias a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remetera os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade".

Da leitura do dispositivo conclui-se que mais uma vez é repassada ao Ministério Público a legitimidade extraordinária para atuar em defesa do menor, como substituto processual em interesse individual, em flagrante ingerência à atribuição eminente da Defensoria Pública.

Chamado a analisar o dispositivo, o STJ praticamente reproduziu os fundamentos da inconstitucionalidade Progressiva, visando resguardar a defesa dos necessitados e fazer valer o que diz a Constituição Federal.

Nesse sentido foi a opinião do Ministro Sepúlveda Pertence no RE nº 248.869-SP, tendo como relator o Ministro Maurício Corrêa, na data de 07/08/2003 (RE-248869), retirado do site https://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_51/normas.htm, acessado no dia 18/08/2004:

Considerando que o direito ao reconhecimento do estado de filiação tem conteúdo indisponível, revelando questão de ordem pública, o Tribunal, assentando a compatibilidade da defesa desse direito com as finalidades institucionais do Ministério Público na proteção do interesse social e individual indisponível (CF, arts. 127 e 129, IX), e, tendo em conta, ainda, o fato de que a natureza personalíssima do direito em causa, no caso concreto, restou resguardada pela iniciativa materna, por maioria, conheceu e deu provimento a recurso extraordinário, para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negara legitimidade ao Parquet estadual para promover ação de investigação de paternidade. Entendeu-se que o direito à filiação, que se insere na proteção constitucional conferida à entidade familiar e à criança, apesar de guardar natureza de direito pessoal, caracteriza-se como direito público, justificando, assim, a capacidade postulatória do Ministério Público para a ação de investigação de paternidade, no caso concreto, ante a provocação pela parte interessada. O Min. Maurício Corrêa afastou, no caso, também, a alegação de ofensa ao direito à intimidade, uma vez que tal direito encontra limite no próprio direito da criança e do Estado em ver reconhecida a paternidade, bem como a alegação de inconstitucionalidade do § 4º do art. 2º da Lei 8.560/92. Salientou-se, ademais, na espécie, a ausência de defensoria pública instalada no Estado de São Paulo e o fato de que houve recusa da seccional da OAB para o patrocínio da causa. O Min. Sepúlveda Pertence também conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário, mas por fundamento diverso, qual seja, por entender legítima a atuação do Ministério Público até que se viabilize a implementação da defensoria pública em cada Estado, nos termos do parágrafo único do art. 134 da CF. Vencido o Min. Marco Aurélio, que também conhecia do recurso, mas o desprovia.

Note-se que os argumentos utilizados nesse julgado são os mesmo utilizados pelo STF quando analisou-se o artigo 68 do Código de Processo Penal. Há verdadeira identidade de razão!!! Há verdadeiramente a mesma teoria.


2.2 Artigo 225, § 2º, do Código Penal

Nos casos de crime contra a liberdade sexual, sendo a vítima ou seus pais pessoas pobres nos termos da lei, dispõe o artigo 225, § 2 º, do Código Penal, que a ação do Ministério Público depende de representação.

Mais uma vez se percebe que a aplicação da teoria da inconstitucionalidade progressiva. Ora, o Código Penal, que é anterior a Constituição Federal de 1988, atribuiu a função de orientação e defesa dos hipossuficientes ao Ministério Público. Porém, a Constituição de 1988 atribuiu essa função a Defensoria Pública, como visto, dando ensejo a uma verdadeira confusão de funções.

A solução adotada para o impasse destarte é permitir ao Ministério Público a defesa da vítima considerada pobre, nos moldes do art. 225, § 2º, do Estatuto Repressivo até que tenha se materializado a instituição da Defensoria Pública nos Estados. 2.3 Artigo 5º, § 5º, da Lei 1060/50

A Lei nº 1060/50 trata da concessão da assistência judiciária gratuita aos necessitados e em seu artigo 5º, § 5º, atribui prazo em dobro ao Defensor Público para manifestar-se nos autos. Surgiu então discussão sobre a justiça dessa diferenciação.

Convocado para resolver a celeuma, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do mencionado artigo, até que a Defensoria Pública não esteja devidamente habilitada ou estruturada:

EMENTA: - Direito Constitucional e Processual Penal. Defensores Públicos: prazo em dobro para interposição de recursos (§ 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989). Constitucionalidade. "Habeas Corpus". Nulidades. Intimação pessoal dos Defensores Públicos e prazo em dobro para interposição de recursos. 1. Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública. 2. Deve ser anulado, pelo Supremo Tribunal Federal, acórdão de Tribunal que não conhece de apelação interposta por Defensor Público, por considerá-la intempestiva, sem levar em conta o prazo em dobro para recurso, de que trata o § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989. 3. A anulação também se justifica, se, apesar do disposto no mesmo parágrafo, o julgamento do recurso se realiza, sem intimação pessoal do Defensor Público e resulta desfavorável ao réu, seja, quanto a sua própria apelação, seja quanto à interposta pelo Ministério Público. 4. A anulação deve beneficiar também o co-réu, defendido pelo mesmo Defensor Público, ainda que não tenha apelado, se o julgamento do recurso interposto pelo Ministério Público, realizado nas referidas circunstâncias, lhe é igualmente desfavorável. "Habeas Corpus" deferido para tais fins, devendo o novo julgamento se realizar com prévia intimação pessoal do Defensor Público, afastada a questão da tempestividade da apelação do réu, interposto dentro do prazo em dobro. (HC 70.514, julgado em 23/03/1994).

Vê-se, portanto, em outra oportunidade, a adoção, em nosso ordenamento jurídico, da teoria da inconstitucionalidade progressiva.

Outros tantos pontos da farta legislação brasileira poderiam ser enfrentados pela teoria da inconstitucionalidade progressiva, como por exemplo, ações de alimentos, execução de alimentos, guarda, adoção, interdição, etc propostas pelo Ministério Público em casos em que poderia (e deveria) estar sendo utilizada a Defensoria.


3. Conclusão

A utilização dessa teoria pelo Supremo Tribunal Federal na interpretação dada ao artigo 68 do Código de Processo Penal revela que os (aparentes) conflitos institucionais entre Ministério Público e Defensoria podem (e devem) ser resolvidos de forma correlata e gradativa à criação desta última nos Estados Brasileiros.

A timidez e a demora na implementação sólida e definitiva da Defensoria deve ser contornada pela atuação do Ministério Público. De outro lado, a implementação daquela enseja readequação funcional deste, de modo a proporcionar uma especialização mais precisa de sua função. Deste modo, cada uma delas terá sua órbita de atuação justamente delimitada em prol do desenvolvimento de nossa justiça, o que nos força concluir que o avanço do Estado Democrático de Direito Brasileiro está diretamente ligado ao avanço da correta repartição das funções destes dois órgãos.



[1] MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 229.

[2] VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, 3ª. Ed., Belo Horizonte: DelRey, 2003, p. 376.

[3] MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit., p. 21.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit., p. 35.

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Renee Souza
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