Ética e violência policial

Ética e violência policial

Trata da violência policial, das atrocidades cometidas pela policia brasileira, que remontam a períodos negros da nossa história, como o nazismo e a inquisição, no intuito de desmistificar o mito da não violência incucada na cabeça do povo brasileiro.

Introdução

Este trabalho tem como objetivo, levar os leitores a uma reflexão acerca do quanto o elemento garantidor da segurança do cidadão viola os deveres éticos e legais dentro do ordenamento social, agindo em desacordo com os preceitos constitucionais garantidores da liberdade individual, bem maior hoje considerado e universalmente defendido.

Organismos internacionais embasados nos princípios de ética e humanidade, vêm defendendo com rigor a extirpação de todo e qualquer tipo de violência que parta do sistema penal. Uma política criminal séria, com ênfase na instituição policial, deve buscar a erradicação de condutas anti-sociais ou as reprimir.

Os homens se movem dentro de sistemas de regras para cumprir uma função correta dentro da sociedade que concretamente se organizou. Mayrink da Costa afirma que “a vida em sociedade implica relações sociais e todo grupamento humano abre espaço para o “modus vivendi” através de um conjunto de regras diretivas”.

Assim é que, quanto mais a sociedade cresce, se desenvolve e evolui, mais aumentam os fatores criminógenos e dentre estes a violência policial, objeto do presente estudo.

VALOR MORAL E VALOR ÉTICO

Conforme preleciona Marilena Chauí em artigo publicado em março de 1998, sobre o título Colóquio e Interlocuções por Marilena Chauí “toda moral é normativa, pois cabe-lhe a tarefa de incucar nos indivíduos os padrões de conduta, os costumes e valores da sociedade em que vivem, mas nem toda ética precisa ser normativa”.

Depreendemos assim, que a ética está ligada a moral, que valores éticos derivam de valores morais, e que estes devem embasar o convívio social para uma plena harmonia.

Com efeito. Possuindo o homem um instinto natural, uma consciência crítica e um inconsciente crítico que limita o instinto, deveria o organismo garantidor da segurança e das liberdades individuais, tolir o seu caráter violento como uma conduta comportamental normal, na visão psicológica. Entretanto, tal não ocorre, o policial violento desconhece os valores morais de sua sociedade e institui outros que julga justos. Dai emerge a violência como ato de brutalidade, traduzida em sevícias e abusos físicos ou psíquicos contra elementos da comunidade social que vivem sob opressão, intimidação e medo. É a violência se opondo a ética e indo também de encontro aos pensamentos de iluministas humanitaristas, como Voltaire e Montesquieu.

O PASSADO AINDA PRESENTE

Ainda segundo Marilena Chauí “há no Brasil um mito poderoso, o da não violência, isto é, a imagem de um povo generoso, alegre, sensual, solidário que desconhece o racismo, o sexismo, o machismo, que respeita as diferenças étnicas, religiosas e políticas, não discrimina pessoas por sua escolhas, etc”.

Vemos entretanto que esse mito desmorona facilmente quando, por exemplo, analisamos a conduta de um policial buscando a elucidação de um crime, que prende o indiciado, e o submete a procedimentos cruéis, tais como torturas, representadas por choques nos órgãos genitais, pauladas nos pés, surras com toalhas molhadas que não deixam marcas externas, mas deixam seqüelas internas, perfurações sob as unhas com agulhas, asfixiamento com álcool ou saco plástico, tudo com o único intuito de se obter uma confissão, ainda que sua veracidade possa ser contestada em Juízo.

A partir dessa análise, não dificilmente poderemos rememorar períodos negros da história como o período inquisitivo, onde os acusados de heresia, sob julgamento e torturas, eram obrigados a concordar com as acusações que lhes eram feitas, tornando-se assim, os seus próprios acusadores; e o período do nazismo, um dos piores pesadelos da humanidade, marcado pela violência policial extremada para a implantação da mais cruel ditadura que a humanidade já conhecera, onde policiais prendiam, torturavam e eliminavam os inimigos nazistas, representados por negros, judeus, ciganos e outras minorias; tudo isso nos leva a crer que o nosso passado atroz, ainda se faz presente em nossa realidade.

A PROVA VIVA DA VIOLÊNCIA

Eugênio Zaffaroni, diz que o sistema penal é permissivo de ilegalidades, estabelecendo como práticas rotineiras ou toleradas os esquadrões da morte, por ele referidos como “ejecuciones sin processo”. Não está ele longe da verdade, em passado recente, vimos em repercussão nacional e internacional, a violência policial exercida no Rio de Janeiro; a chamada chacina da candelária, ocorrida em 23 de Julho de 1993.

A chacina da Candelária ocorreu nas proximidades da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, onde cerca de 70 crianças e adolescentes dormiam, quando foram surpreendidas com uma ação de extermínio da polícia carioca. Oito crianças morreram fuziladas, sem ter a menor chance de defesa, e outras dezenas saíram feridas. Um dos sobreviventes ao massacre, em entrevista dada a Adital, declarou que estava indo para a Praça Mauá, quando dois carros, “com quatro ou cinco homens”, pararam ao seu lado na Candelária.”Eles me empurraram para dentro do carro, sentaram em cima de mim e me deram um tiro na cabeça”.

Fato semelhante e de farta notoriedade, foi o que ocorreu em Carandiru, em 2 de outubro de 1992, que começou com uma briga de presos no Pavilhão 9 e deveria terminar como mais um tumulto da Casa de Detenção, no complexo do Carandiru, mas tomou outra proporção quando, assumindo o comando da operação, numa tentativa de por fim a rebelião, a polícia militar, armada e com cães, invadiu a penitenciária, o que resultou na morte de 111 detentos. Um dos detentos que sobreviveu a essa ação desastrosa da polícia, disse ter ouvido cerca de trinta minutos depois de ordenada a invasão, nas galerias cheia de fumaça os gritos de “Pára, pelo amor de Deus! Não é para matar! Já chega, acabou!Acabou! Uma depois da outra as metralhadoras silenciaram.” Ouviu então um policial dizer “quem está vivo, levanta, tira a roupa e sai pelado!” (Depoimento relatado pelo Professor Dráuzio Varella em seu livro, Estação Carandiru).

Esse depoimento nos leva a uma reflexão, quem disse que não era matar? Será que não foi o Juízo ético de algum policial diante da atrocidade vista?

Se fossemos hoje a uma Delegacia de Polícia, ficaríamos aterrorizados e estarrecidos com o que ali se passa. Inúmeros presos aglomerados em celas minúsculas, semi-nús, doentes, muitos deles portadores de doenças infecto-contagiosas, lesionados e mal alimentados fisicamente e espiritualmente, tornando-se verdadeiros flagelos humanos, autores de crime, mas também vítimas das condutas amorais e anti-sociais que tiveram.

VIOLÊNCIA POLICIAL, INCENTIVO A DELINQUÊNCIA

Hoje, observamos que a polícia agindo com a violência que lhe é peculiar, constitui um dos elementos dos fatores criminógenos que levam a delinqüência.Ao submeter o indivíduo a tamanha violência, a polícia impede que este seja verdadeiro dentro da consciência de sua ilicitude.

O atual aparato policial, destituído de qualquer respeito à lei e de um pouco de bom sentimento para com o seu semelhante, apenas contribui para a transformação do delinqüente em um animal irracional, ao invés de recuperá-lo para o seu retorno a sociedade, dela o torna inimigo, perigoso, diplomado pelas escolas do crime, revoltados pelo ódio que lhes incute em razão dos maus tratos a que são submetidos.

Assim a violência fardada que acontece no bastidores policiais, embrutece a sua vítima, infundi-lhe o ódio e distorce o seu conceito de ética e moral, por não compreender como a sua integridade física pode ser violada por aquele a quem a cumpre preservar.

A ORIGEM DESSA VIOLÊNCIA

Mas a violência policial não traz a sua origem só nas distorções no conceito de moralidade e ética, deriva de uma deficiência estatal de promover o aculturamento do povo e de fazer a justiça social. O policial que teve uma educação escolar deficiente, que teve uma orientação doméstica insatisfatória, que galgou alcançar com inúmeras dificuldades o posto exercido e mal reconhecido no seu mister pelo próprio Estado empregador, por ele mal remunerado, que se vê afeto a todos os riscos inerentes a sua profissão e desempenhando a sua atividade desestruturadamente, somente pode deixar aflorar o seu instinto sem o freio do seu superego; externando a sua revolta através de atos de violência dirigidos ao seu próprio semelhante, que na maioria das vezes, como ele, também passou por todos estes intempéries.

Aliado a todos os fatores já referidos, está também a falta de severidade por parte da corregedoria e isso gera a impunidade e, depois de ver a violência não ser combatida dentro da própria instituição, o mau policial se sente mais à vontade para usar indevidamente o poder que tem.

CONCLUSÃO

Em verdade, a polícia como um todo, acha que a violência funciona de alguma forma, como resistência forte a uma outra violência que contra a sociedade se projeta. Porém, as violências não se esgotam umas nas outras, e o resultado de uma é sempre multiplicado.

Acreditamos, que se a polícia for humanizada e nela infundida os princípios fundamentais que regem as profissões, as práticas abusivas que hoje vemos estampada em todos os meios de comunicação envolvendo agentes policiais, não reduziriam e com isto, seriam reduzidos também o crescente índice de criminalidade, porque a revolta, o ódio e o rancor de suas vítimas seriam amenizados passando-se a aflorar os freios morais e não mais veríamos como hoje, o marginal matador de policiais, ser recebido no presídio, por seus pares, com aplausos e honrarias de herói.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CHAUÍ, Marilena. Ética e Violência, Colóquio e Interlocuções com Marilena Chauí. Londrina, 1998.

2. VARELLA, Dráuzio. Estação Carandiru.São Paulo: Companhia das letras, 2000.

3. ZAFFARONI, E. Raúl. Manual de derecho penal. B.Aires: Ediar, 1986.

4. ZAFFARONI, E. Raúl. Sistemas penales y derechos humanos em América Latina. B.Aires: Depalma, 1984.

Sobre o(a) autor(a)
Taiane Moradillo Pinto
Estudante de Direito
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