As tendências na regulação dos contratos internacionais
Um elemento destacado da prática negocial recente é a consolidação e o desenvolvimento da arbitragem comercial internacional como alternativa para as jurisdições estatais.
Um elemento destacado da prática negocial recente é a consolidação e o desenvolvimento da arbitragem comercial internacional como alternativa para as jurisdições estatais. O fundamento aqui é valorizar em que medida a contraposição entre a justiça estatal e a justiça arbitral determina a existência de diferenças no regime jurídico dos contratos comerciais transfronteiriços.
Tipicamente destaca-se que as câmaras arbitrais desfrutam de maior liberdade, pois a diferença com o que ocorre nos tribunais estatais é que não estão obrigados a aplicar a norma do foro sobre a determinação da lei escolhida pelas partes.
Este dado reflecte-se no alcance das regras sobre a lei aplicável no fundo contidas nas legislações nacionais sobre a arbitragem, mais avançadas, que se limitam a recolher o princípio da autonomia privada conflitual dos contratantes e a estabelecer que na sua ausência, os árbitros possam aplicar as normas que considerem mais oportunas, inclusivamente os Princípios relativos aos contratos comerciais internacionais, sabendo que os árbitros não ficam vinculados por esse tipo de normas e que a impossibilidade de que os juízes controlem o Direito aplicado pelos árbitros ou o fundamento da sua decisão.
As convenções internacionais, assim como os regulamentos institucionais de arbitragem, também se caracterizam pela sua flexibilidade ao regular o direito aplicável na sua essência, estabelecendo a primazia da autonomia privada, sem, no entanto, fixar critérios que determinem como os árbitros devem precisar as normas a aplicar (art. 17 do Regulamento de Arbitragem da CCI, aprovado em 8 de Abril de 1997). Na prática arbitral, a falta de eleição pelas partes, conhece soluções muito diversas para a resposta a esta questão, com o recurso a um sistema de Direito Internacional Privado, a vários desses sistemas aplicados cumulativamente (fraccionamento ou Dépeçage), ou a determinação directa das normas aplicáveis, identificando ou não o ordenamento estatal como aplicável.
Assim, a diferenciação entre os tribunais estatais e os arbitrais não oculta a existência de notáveis semelhanças no procedimento assim como nos efeitos das decisões, o que corresponde com a natureza na essência judicial da função que desempenham os árbitros e com a constatação de que coincide com a função que cumprem os tribunais estatais ao solucionar litígios equivalentes.
A ideia de que as normas jurídicas a serem aplicadas para a solução de uma controvérsia resulta substancialmente do carácter estatal ou arbitral do órgão decisório não parece ser razoável e não compadece com a ideia de que a verdade jurídica dependa da natureza da autoridade que a formula.
A experiência demonstra que nas suposições em que câmaras arbitrais consideram necessária a determinação da lei aplicável ao contrato, tendem a localizar este no ordenamento estatal, como fazem os magistrados – muito ilustrativos são na prática recente, por exemplo, o laudo parcial sobre a lei aplicável no assunto 5.314 (CCI) (Yearbook C. A. vol. XX, 1995, p. 35-40), com fulcro em critérios utilizados em sistemas de Direito Internacional Privado, se bem que a maior flexibilidade de que dispõe para concretizar as regras aplicáveis conduz a que a localização em um ordenamento nacional não seja um critério geral que imponha nos mesmos termos de que nos tribunais estatais e, inclusive é frequente a referência à lex mercatória como lei aplicável ao contrato (Decisão de 08 de Março de 1996 da Câmara de Arbitragem de Paris, Yearbook C. A. vol. XXII, 1997, p. 28-34), bem como dos Princípios relativos aos contratos comerciais internacionais ("Rassegna Giurisprudenziale sui Principi UNIDROIT dei Contratti Commerciali Internazionali", in DCI, n.º 15.1, Milano, 2001, p. 169-225).
Mesmo assim, a tomada de posição favorável para a convergência do regime normativo aplicado pelos juízes e pelos árbitros é importante ao valorizar a repercussão na regulação dos contratos internacionais de normas elaboradas sem participação estatal directa.
A tendência para se recorrer à arbitragem no âmbito do comercio internacional corresponde, em certa medida aos receios que suscita a prática judicial para localizar sistematicamente os contratos comerciais em um ordenamento nacional. A criação de normas materiais uniformes relativas as diversas transacções comerciais internacionais supõe uma reacção perante a carência atribuídas à própria técnica conflitual, que levam a necessitar a elaboração de normas extra nacionais de direito material privado, superadoras das regras de conflito como uma resposta de qualidade muito superior aos problemas transnacionais.
A partir desta perspectiva, ressalva-se o carácter contraditório e inaceitável da solução que trazem as normas de conflito, que nacionalizam as transacções conectadas a mais de um País e conduzem à sua regulamentação por uma norma nacional, tipicamente idealizada para as transacções puramente internas.
A empregabilidade das técnicas conflituais para a caracterização do regime jurídico das transacções comerciais internacionais apresenta deficiências. Estas divergências destacam-se as relativas à dificuldade em garantir a segurança jurídica, valor sem dúvida fundamental na ordenação do próprio comercio internacional. Por outro lado, como os critérios utilizados pelas regras de conflito para localizar os contratos plurilocalizados variam de um País para outro, somente é possível conhecer as normas que determinam a lei aplicável a um contrato quando não existem dúvidas acerca do Estado cujos os tribunais decidam acerca do litigio, ressalvados os casos onde exista uma unificação das normas de conflito, como ocorre na União Europeia.
Determinada a regra de conflito aplicável, pode não existir certeza acerca do resultado que conduz, em particular como consequência da tendência para elencar os critérios de conexão de alguma flexibilidade que garanta o respeito pelo princípio dos vínculos mais estreitos.
Assim uma vez identificado o ordenamento aplicável não acabam as dificuldades, pois quando a regra de conflito remete para uma lei forense, aparecem os obstáculos inerentes à aplicação judicial do Direito estrangeiro, que podem ocasionar a sua não aplicação, se não se consegue conhecer com certeza e precisão suficientes o conteúdo do ordenamento. Inclusive se a regra de conflito conduz ao ordenamento interno do tribunal que é conhecedor da controvérsia, a previsibilidade do regime jurídico do contrato podem ser escassa tendo em conta as dificuldades presentes nos ordenamentos nacionais respectivos à determinação da admissibilidade, validez e disciplina normativas dos contratos atípicos, tão comuns ao comércio transfronteiriço.
Assim, para que os estudiosos e os usuários do comércio internacional melhor entender e aplicar este Direito impõem-se valorizar as vias de superação dessa situação e a eventual aptidão das alternativas ou complementos disponíveis de maneira a melhor a aplicar as normas de conflito nas relações comerciais transfronteiriças.