PEC 29/00 - Reforma do Judiciário: E o fim da morosidade?

PEC 29/00 - Reforma do Judiciário: E o fim da morosidade?

Não será a reforma constitucional do Judiciário que trará fim à morosidade perquirida por todos, mas sim a modificação das legislações, das codificações que, anacronicamente possibilitam uma infinidade de recursos meramente procrastinatórios.

O Congresso Nacional encontra-se em célere discussões acerca da Proposta de Emenda Constitucional-PEC n.º 29/2000, denominada "Reforma do Judiciário", que dentre várias questões almeja a constitucionalização de um controle externo do Poder Judiciário, a súmula vinculante, a redefinição das ações de controle abstrato de constitucionalidade, a redução do recesso do Judiciário, a imposição de idade mínima para ingresso na magistratura e prévio exercício de um lapso laboral na advocacia para a referida admissão, a quarentena, etc.

O Ministro do STJ, Humberto Gomes de Barros (2003:14s) enfatiza que "as diversas entidades interessadas já se atropelam na ânsia de emendarem a Constituição Federal. Cada uma tem sua fórmula para obtenção de um Judiciário 'drive thru'." Ressalta o Ministro que a OAB quer o controle externo e a súmula impeditiva de recursos. Os Tribunais superiores querem a súmula vinculante. As Associações de Magistrados pretendem a extinção do quinto constitucional e a eleição dos presidentes dos tribunais pelos juízes de primeira instância. E todos, no entanto, querem transformar o STF em Corte estritamente constitucional.

Observa-se, contudo, que as discussões estão concentradas em demasia no debate acerca do controle externo do Poder Judiciário, e com um destaque, ainda que em menor proporção, em referência às súmulas vinculante e impeditiva. Audiências públicas estão sendo realizadas semanalmente pela Comissão de Constituição e Justiça-CCJ do Senado, porém, a questão primordial, e que consiste no anseio da população, que é ter um Judiciário forte, independente, mas, sobretudo, ágil, célere em suas decisões e no trâmite dos processos não está sendo sequer alvo de real discussão, embora se esteja empregando tais temáticas como plano de fundo para as retóricas parlamentares.

O então relator da Reforma do Judiciário, Senador José Bernardo Cabral, em entrevista à Revista Jurídica Consulex de dezembro de 2002 já afirmava que a eficácia da Reforma no Judiciário "será reduzida se não for, simultaneamente, providenciada uma reforma na legislação processual."(RJC 142/9). Ainda nesta senda, leciona o Ministro Humberto Gomes de Barros que "os grandes entraves ao bom funcionamento da Justiça estão fora da Constituição Federal e podem ser afastados com simples alteração de leis ordinárias."(RJC 153/16).

Inelutável que não será a reforma constitucional do Judiciário que trará fim à morosidade perquirida por todos, mas sim a modificação das legislações, das codificações que, anacronicamente possibilitam uma infinidade de recursos meramente procrastinatórios, de que a súmula vinculante, ao que nos parece ainda não representaria a solução, mas até mesmo um mal. Lembremos, ainda, as valiosas lições de Konrad Hesse (1991:22) para quem "cada reforma constitucional expressa a idéia de que, efetiva ou aparentemente, atribui-se maior valor às exigências de índole fática do que a ordem normativa vigente", e ressalta com destaque que "a freqüência das reformas constitucionais abala a confiabilidade na sua inquebrantabilidade, debilitando a sua força normativa. A estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da Constituição".

A PEC 29/00 vicia-se por não apresentar soluções ao objetivo maior que é a celeridade da Justiça pátria, servindo, porém, como mais um eficaz instrumento de degeneração e desestabilização dos alicerces da Constituição, assim como outras Emendas no mínimo passível de discussões. Está-se, sim, havendo uma perigosa dirupção da disposição montesquiana do artigo 2º da Lex Fundamentalis. Tal fato se verifica, caracteristicamente, com as discussões em torno do controle externo do Judiciário, da idade mínima e tempo de exercício da advocacia para o ingresso na magistratura e redução do recesso do Judiciário.

Indaga-se: de que resultará a inclusão de um controle externo do Judiciário (o qual não rechaçamos) onde a maioria dos membros do conselho responsável por este controle pertencem aos quadros da própria magistratura? E, principalmente, em que agilizará os processos judiciais a existência ou não deste controle externo?

Outra celeuma consiste na idade mínima para o ingresso na magistratura. Aliás, as idades mínimas, mormente a menoridade penal, possuem conflituoso debate no Brasil. O que se pretende nas reformas do Judiciário, em síntese, é absorver somente futuros juízes experientes e prudentes. Porém, salvo melhor juízo, a idade mínima não é e nunca será qualificativo e segurança de se estar admitindo à magistratura um candidato prudente. Muitos jovens com 22, 25 anos são mais responsáveis e prudentes que muitos senhores de 50, 55 anos. Neste sentido o Senador Tião Viana em uma audiência pública com a presença do Vice-Presidente do STJ, Ministro Édson Vidigal, afirmava que em seu Estado, Acre, um jovem de apenas 23 anos foi investido no cargo de juiz e hoje, ainda jovem, já com título doutoral, se destaca em seu mister obtendo reconhecimento da sociedade e de seus pares, como prova de que idade não serve como parâmetro para prudência.

Também a exigência do prévio exercício da advocacia, como ilação de se estar diante de um profissional experiente, não enseja segurança de se afirmar estar defronte de um candidato que será um excelente juiz. Primeiro, diante da possibilidade segundo o Senador Jefferson Péres destacou na mesma audiência acima referida, de que um advogado durante todo o lapso laboral exigido pela Constituição ou edital do concurso, apenas tenha assinado petições sem tê-las efetivamente elaboradas, às vezes sem sequer ter visto o cliente, participado de audiências, etc. Segundo, face a diferença de atividade entre magistratura e advocacia. No fundo está-se impondo uma hierarquia entre magistratura e advocacia, a contrario sensu do disposto no artigo 6º do Estatuto da OAB, posto que se para ser juiz é preciso "treinar" como advogado, então a advocacia é hierarquicamente inferior à magistratura. Correto seria dar extenso treinamento ao juiz recém investido no cargo.

Questões outras hão, como a redução do recesso do Judiciário; no entanto, todas estas discussões não redundam numa melhor análise do verdadeiro cerne que deveria estar sendo alvo de temática e que se espera do Poder Judiciário, que é o fim da morosidade, sem que haja interferências entre os Poderes. Porém, as asserções que ganham ênfase não caminham no sentido de cotejar as modificações incisivas no trato da legislação trabalhista, do Código de Processo Civil, de adequações às exigências hodiernas em todos os setores, que se resolveriam por mudanças não muito complexas e que já se encontram em um estágio de debates bem mais avançados, mas que acabam sendo postergadas de forma tal que não será inconcebível que mais esta reforma no Poder Judiciário não promova os avanços que o sistema judiciário almeja e necessita, e que encontra solução na legislação infraconstitucional.

Ressaltamos, destarte, que não será a permanência de prazos especiais para a Fazenda Pública, o Ministério Público e Defensorias Públicas; a exigência de prévio exercício de atividade jurídica; a quarentena; a modificação ou ampliação de competência dos Tribunais; a criação de um Conselho Nacional de Justiça; etc que fará a Justiça brasileira ser célere como pleiteia todo cidadão dela dependente, mas sim, a consciente, racional e decidida atitude de se modificar a legislação que possibilita infindáveis recursos num mesmo processo e que, principalmente, se presta ao Estado para, servindo-se do Poder Judiciário, postergar o pagamento do que juridicamente deve ao litigante.



Referência Bibliográfica:

BARRO, Humberto G. Entraves do Judiciário: denominador comum. Revista Jurídica Consulex, Brasília, n.º 153, p. 14-16, 31 mai. 2003.

CABRAL, José B. Em discussão: a reforma do Judiciário. Revista Jurídica Consulex, Brasília, n.º 142, p. 8s, 15 dez. 2002.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris. 1991. 34p.

Sobre o(a) autor(a)
Alexandre Sturion de Paula
Mestre em Direito Processual Civil pela UEL.
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