Legislação Tributária - o alcance dos decretos

Legislação Tributária - o alcance dos decretos

O âmbito de atuação dos decretos regulamentares.

Introdução

É abarcado pela Constituição Federal o princípio da legalidade em função do Estado de Direito como bem coloca Roque Antonio Carrazza, quando diz que “no Estado de Direito o Legislativo detém a exclusividade de editar normas jurídicas que fazem nascer, para todas as pessoas, deveres e obrigações, que lhes restringem ou condicionam a liberdade” [1].

Portanto, com base em irrefutável fundamentação, não há qualquer obrigação, dever ou direito que seja imposto ou dado aos habitantes deste tipo de Estado, a não ser por força legal (encapsulando os contratos realizados livremente entre as partes contratantes).

Assim, este princípio não é de aplicação estrita ao campo tributário, por simples aferimento dos fatos, vez que as obrigações, deveres e direitos são criados pelo ordenamento jurídico e não uma área ou outra área deste, uma vez que o princípio irradia-se da Carta Magna para todo o ordenamento jurídico brasileiro (art.5º, II).

Baseado neste preâmbulo cumpre agora demonstrar, em caso prático hipotético, a aplicação deste princípio, o qual nem sempre tem sido obedecido.


O decreto

O decreto é atribuição do chefe do executivo nas três esferas federativas, sendo que a Constituição Federal institui em seu artigo 84, IV, que compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.

Assim sendo, frise-se bem a fiel execução, temos que o decreto será executório de uma determinada lei, nunca existindo autonomamente.

O CTN em seu artigo 99 estabelece que o conteúdo e alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta lei.

Luciano Amaro esclarece que “os regulamentos, embora úteis como instrumentos de aplicação da lei, não podem, obviamente, inovar em nenhuma matéria sujeita à reserva da lei”.

Imagine-se que determinado ente federado, através de seu Poder Legislativo, promulgue lei que determine a isenção para determinados produtos, deixando ao P. Executivo regulamentar o modo pelo qual ocorrerá no prazo de trinta dias.

Pois bem, a lei tem determinação do montante a ser isentado, logo o produtor do respectivo bem deve esperar apenas a devida fixação do modus operandi por ato do executivo, conforme dispôs a lei.

Ocorre, entretanto, que findo o prazo fixado, o Executivo permanece inerte, deixando aquela situação jurídica indeterminada.

Como o contribuinte deve proceder em inusitada situação?

Ao meu ver, o contribuinte deve, a partir do momento em que o Executivo não regulamenta devidamente a lei, utilizar-se da isenção conforme estabelece a lei, não podendo ser responsabilizado por proceder de tal forma diversa da que futuramente vier a ser fixada, vez que não agiu contra legem.

Mas por que?

Primeiramente, cumpre somente à lei, em sentido estrito, criar ou extinguir as obrigações tributárias, tanto principais como acessórias, logo, se a lei já desobrigou determinado contribuinte do recolhimento do tributo e tendo nascido perfeita no mundo jurídico, possuindo todos os elementos constitutivos (descrição da hipótese de incidência, sujeito passivo e ativo e o objeto), é válida e eficaz.

Segundo, a dependência do decreto é somente em função da determinação do modo que vai se operar a isenção de tributo devido, e não tendo sido cumprido em seu tempo determinado, não quer dizer que a lei não tem vigência, e mais, não pode prejudicar o contribuinte, pois é um direito atribuído ao mesmo.

Giza-se que, nas palavras de Roque Antonio Carrazza, “ao Chefe do Executivo, sob pena de crime de responsabilidade, é interdito fraudar a execução de uma lei tributária não auto-aplicável, omitindo ou retardando dolosamente sua regulamentação, máxime se ela confere um direito ou uma vantagem ao contribuinte”. [2]

Ocorreria invasão de competência dos Três Poderes se fosse admitido que a lei somente poderia ser aplicada com a regulamentação pelo decreto. É obvio que o decreto se faz necessário e a lei vai respeitar o prazo para que este se apresente no mundo jurídico, produzindo assim seus efeitos.

Mas, este não ocorrendo por falta do Chefe do Executivo, a lei não deve ficar adstrita, ainda mais por beneficiar o contribuinte, a esta vontade unilateral que está sendo postergada.


Lei auto-executável X não auto-executável

Faz-se necessário diferenciar uma lei auto-executável de uma não auto-executável.

A primeira é aquela que, por conseqüência, não precisa ser regulamentada; enquanto a segunda, por raciocínio lógico, necessita de regulamentação para que o procedimento descrito na lei seja cumprido de forma induvidosa e correta.

Mas e o caso apresentado? Estamos diante de qual destas hipóteses?

Mais uma vez, parece lógico que estamos diante de uma lei não auto-executável, porém, em face dos termos do exemplo, infringir um direito que foi atribuído pelo Legislativo ao contribuinte, a sua não execução resultaria em afronta ao princípio da legalidade e independência dos poderes.

Através da analogia, talvez, possamos trazer uma outra solução àquela já indicada, vamos a ela.

Existe na Constituição dispositivos que remetem seu cumprimento através de lei complementar, ocorre que não vindo esta a ser produzida o disposto na Carta Magna fica sem cumprimento? Não, em face da eficácia limitada da disposição constitucional, adstrita a lei complementar, esta irá produzir efeitos como se tivesse eficácia plena, pois não pode haver prejuízo ao destinatário da mesma, permanecendo até que lei complementar venha regular tal situação.

Desta forma, podemos ver que o direito do contribuinte deve ser assegurado, o princípio da legalidade não pode ser violado e a harmonia e independência dos três poderes mantida.


Conclusão

O princípio da legalidade é o paradigma a ser seguido no momento em que qualquer situação nova for atingir o contribuinte.

O decreto não é instrumento hábil para instituir qualquer tipo de obrigação, seja principal ou acessória, ele deve circunscrever-se na norma que foi formalmente expedida pelo Legislativo, regulamentando, dentro da mesma, o que foi autorizado pelo legislador, sob pena de estar o Chefe do executivo ultrapassando sua competência, que na linguagem processual chamaríamos de apreciação ultrapetita.

Não resta dúvida de que o decreto é necessário conforme as atribuições que lhe são características, entretanto, não pode estar acima da vontade do legislador (mens legis) ou mesmo ignorá-la, conforme tratado aqui.

Afinal, como sobreviveria um Estado de Direito se a vontade unilateral de qualquer de seus poderes fosse determinante ao cumprimento das normas de seu ordenamento? O descrédito e a insegurança social estariam estabelecidos.

Defendendo o primado da lei, Platão já afirmara: “De fato, onde a lei está submetida aos governantes e privada de autoridade, vejo pronta a ruína da cidade; onde, ao contrário, a lei é senhora dos governantes e os governantes seus escravos, vejo a salvação da cidade e a cumulação nela de todos os bens que os deuses costumam dar às cidades”. (Leis, 715d)


Bibliografia

Amaro, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 5ªed. Saraiva. S. Paulo, 2000.

Carrazza, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16ªed. Malheiros. S. Paulo, 2001.

Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 9ªed. Saraiva S. Paulo, 1997.

Fabretti, Láudio Camargo. Código Tributário Nacional comentado. 3ª ed. revista e atualizada com as alterações da LC nº104/2001. Atlas. São Paulo, 2001.

Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª ed. Malheiros. São Paulo, 1998.



[1] Carrazza, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário.16ªed. Malheiros. S. Paulo, 2001.

[2] Carrazza, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário.16ªed. Malheiros. S. Paulo, 2001. p.317 (nota de rodapé).

Sobre o(a) autor(a)
Nilton Severiano de Oliveira Junior
Advogado. Especializado em Direito Tributário pela PUC-SP.
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