Taxas: um novo imposto

Taxas: um novo imposto

Como as taxas têm sido mal empregadas no sistema tributário brasileiro.

A o ver este título, logo vem à mente a impropriedade que o autor cometeu por descurar dos termos empregados. Ledo engano, infelizmente é uma realidade de nossos dias cada vez mais latente atribuída à falta de ponderação das autoridades legislativas, principalmente municipais, que criam da noite para o dia taxas que violam, materialmente, o Direito. Mas, iniciemos com a devida cadência esta rápida reflexão.

O Código Tributário Nacional em seu artigo 5º declara que os tributos são taxas, impostos e contribuições de melhoria. Deixando de lado a divergência doutrinária a respeito do número de tributos, vemos elencados taxas e impostos como tipos autônomos de tributo.

Mais à frente, no artigo 16 do mesmo diploma legal, está disposta a definição de imposto como sendo o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Em seguida, no artigo 77 do mesmo código, designa que as taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Os impostos estão definidos na Constituição Federal dos artigos 153 ao 156, bem como no CTN dos artigos 16 ao 76, com a atribuição de competência para cada ente federado cobrá-los. A competência tributária residual foi atribuída somente à União, sendo que o artigo 154 da CF assim o declara, requisitando que novos impostos sejam instituídos somente por lei complementar, não tendo fato gerador ou base de cálculo dos demais discriminados na constituição e sejam não-cumulativos. Sendo assim, não cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios criar qualquer outro tipo de imposto.

Por sua vez, as taxas podem ser criadas por todos os entes federados em suas esferas de competência, sendo que uma determinada taxa estadual somente vai incidir no Estado em que foi criada, da mesma forma em relação aos municípios. Existe, porém, no artigo 145, § 2º a restrição quanto à base de cálculo das taxas, não podendo ser própria de impostos.

Assim, feita a distinção, constatamos que não há qualquer interferência material entre taxas e impostos, logo, onde estaria a discrepância?

Imagine uma pessoa que compra um automóvel, não existe atividade estatal presente neste ato, mas ao adquirir o automóvel estará pagando, pelo menos, o IPI e o ICMS, sem mencionar que irá anualmente pagar o IPVA, tudo em decorrência de ter adquirido um veículo, encaixando-se na perfeita definição de imposto.

Ocorre que a cobrança de taxas muitas vezes vem sendo feita ilegalmente, tornando-se incoerente a definição legal com o que é praticado. Recentemente, vimos na cidade de São Paulo a instituição da cobrança de taxa sobre o lixo. Isto acarretou revolta na população daquela cidade, sendo que os indivíduos que já estão carregados de pesados tributos, ainda suportam uma forma ilegal de cobrança.

Sob este aspecto, vamos analisar a definição dada pelo artigo 145, II da Constituição Federal no que tange aos serviços, excluindo a cobrança de taxa em razão do poder de polícia, por ser assunto menos controverso.

Vejamos: As taxas são cobradas em virtude de utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.

A utilização efetiva refere-se aos serviços que o contribuinte usufruiu, recebeu proveito da prestação do serviço público; a potencial utilização deve ser entendida como sendo uma prestação estatal de determinado serviço em funcionamento, cuja utilização é compulsória, como frisa o eminente professor Luciano Amaro. A compulsoriedade, de acordo com o mesmo autor, deve ser entendida no sentido de pagamento obrigatório, pois alguns serviços como a Justiça são compulsórios, vez que a autotutela é proibida em nosso ordenamento, mas somente cobrados de quem os utiliza, por outro lado, o serviço de esgoto fornecido a determinado bairro é cobrado sendo utilizado ou não, pois se o Estado se aparelhou para a prestação de determinado serviço e o colocou à disposição do contribuinte, deve ser cobrado.

O serviço público será específico quando o Estado se aparelhar para prestá-lo, utilizando-se de pessoal e material determinados para atender o que se propõe. Divisível é o serviço quando suscetível de uso, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários, segundo o artigo 79, III do CTN.

No caso em tela, a taxa sobre o lixo na cidade de São Paulo, cumpre todos os requisitos, porém, tornou-se, como outras taxas, uma atividade, sob a ótica da coletividade, indivisível, sendo que é prestada a todos os seus moradores, pois não seria possível uma pessoa gerir seu próprio lixo com as devidas providências sanitárias. É, deste modo, um serviço básico de saúde, necessário em prol do bem comum, sem distinção de grupo qualquer.

Não bastassem os pesados impostos, que poderiam ser utilizados com estas finalidades, criam-se taxas sob o rótulo da letra fria da lei, ferindo a grande massa de assalariados.

Agravando o quadro, ocorre que muitas vezes o serviço cobrado não é prestado, nem mesmo de forma satisfatória, denunciando uma situação de completo desrespeito para com o contribuinte, o qual muito antes de receber esta qualificação deve ser visto como pessoa.

Não vemos a igualdade assegurada pela Constituição, a realidade é que o bairro onde moram as autoridades administrativas tudo se cumpre na forma da lei, porém, na região onde residem os menos abastados e poderosos, o descaso e o desrespeito imperam, violando, acima de tudo, o princípio da isonomia.

Será que os menos afortunados não arcam com uma carga tributária correspondente a 1/3 do PIB nacional e que passou até mesmo a da Suíça? Não só suportam esta carga como são os mais penalizados, vez que a mesma alíquota que pesa sobre R$1.000 também pesa sobre R$100, o que nos leva a mais um questionamento: não está o princípio da capacidade contributiva garantido na Constituição?

Com o exemplo do lixo, fato recente, verificamos que o título proposto nunca fez tanto sentido como nos dias atuais. Figuram as taxas, nas mãos dos gananciosos, como um novo imposto, pois em sua maciça maioria o Estado cobra por serviços independente de qualquer atividade específica relativa ao contribuinte, bastando para isso que o mesmo viva em sociedade.

A nomenclatura “taxa” tem vestido o terno da legalidade, porém, encontra-se eivada de inconstitucionalidade.



BIBLIOGRAFIA

Fabretti, Láudio de Camargo. Código Tributário Nacional comentado. 3ª Ed. revista e atualizada. S.Paulo: Atlas, 2001.

Amaro, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 5ªEd. S.Paulo: Saraiva, 2000.

Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20ªEd. revista, atualizada e ampliada. S.Paulo: Malheiros, 2002.

Oliveira, Régis Fernandes e outro. Manual de Direito Financeiro. 5ªEd. revista. S.Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Sobre o(a) autor(a)
Nilton Severiano de Oliveira Junior
Advogado. Especializado em Direito Tributário pela PUC-SP.
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