A competência para processar e julgar ação de danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho em face do empregador

A competência para processar e julgar ação de danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho em face do empregador

Versa sobre a controvertida competência para apreciar as ações que têm por objeto pedido de dano moral ou patrimonial decorrente de acidente de trabalho em face do empregador.

Atualmente existe um grande embate doutrinário-jurisprudencial acerca da competência para processar e julgar ações que tenham como pretensão a indenização por danos morais em face do empregador, decorrente de acidente de trabalho.

A polêmica está efetivamente instaurada após o advento da Emenda Constitucional n° 45/2004, que tratou da primeira parte da chamada “reforma do judiciário”.

Um dos pontos mais importantes da emenda constitucional refere-se à ampliação da competência da Justiça do Trabalho, através da alteração do artigo 114 da Constituição Federal.

No entanto, antes de adentrar no cerne do presente artigo, entendemos de bom alvitre tecer algumas considerações preliminares.

Primeiramente, acidente de trabalho, nos termos do artigo 19 da Lei. 8213/91 é considerado como as lesões corporais ou perturbações funcionais que cause a morte, perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade de trabalho para os segurados da Previdência Social, decorrentes do exercício do trabalho ou do serviço prestado para a empresa.

Quando o empregado for vitimado por um acidente de trabalho, ele tem a faculdade de buscar indenização de duas maneiras distintas. A primeira refere-se à indenização acidentária, em face da Previdência Social, através da qual o empregado busca o recebimento de benefícios previdenciários, como o auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez.

Por seu turno, a outra via refere-se à indenização civil em face do empregador, na qual busca-se a reparação civil dos danos materiais e/ou morais decorrentes do infortúnio.

A competência para processar e julgar as ações acidentárias em face do instituto de previdência social é da Justiça Comum Estadual, conforme exceção prevista no artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, corroborado pelo artigo 129, inciso II, da Lei n. 8213/91.

O mencionado artigo 129, inciso II, é taxativo ao disciplinar que os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados na via judicial pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal.

Quanto a competência em relação a pedido de indenização em face do INSS a questão encontra-se pacífica por força de lei.

A matéria que vem atormentando o meio jurídico refere-se à competência para processar e julgar as ações intentadas em face do empregador, quando o pedido for de danos materiais e/ou morais decorrentes de acidente de trabalho.

Eis o grande embate, o qual iremos nos reportar a partir deste momento.

Urge ressaltar que existem duas grandes correntes doutrinárias-jurisprudenciais que se digladiam para estabelecer qual órgão do Poder Judiciário teria a aludida competência.

A primeira corrente entende que a Justiça do Trabalho é que detém competência para processar e julgar a matéria, ao passo que a segunda corrente visualiza que a Justiça Comum dos Estados e do Distrito Federal é que detém tal atribuição jurisdicional.

Defendendo a primeira corrente podemos citar a opinião de vários autores.

O ilustre jurista Manoel Antônio Teixeira Filho, em sua lapidar lição, nos ensina que:

“Nossa opinião, portanto, é de que, a contar da EC não 45/2004, compete à Justiça do Trabalho julgar as ações contendo pedido de indenização por dano moral (ou material) proveniente de acidente do trabalho. Em rigor, aliás, o inciso VI, em exame, não faz nenhuma distinção entre o dano moral (ou patrimonial) haver emanado de acidente do trabalho, ou não. O critério exclusivo, fixado pelo texto constitucional, é estar, esse dano, vinculado a uma relação de trabalho – na qual, como se disse, está compreendida a relação de emprego." [1]

O magistrado trabalhista Francisco das Chagas Lima Filho expõe a seguinte opinião:

“Nas ações acidentárias contra o órgão previdenciário, cuja competência, em princípio, seria da Justiça Federal, aí sim, sem sombra de dúvida, fazia-se necessária a exceção para atribuí-la, residualmente, como se pretendeu, à Justiça Estadual. Todavia, no tocando as ações de reparação de danos decorrentes do acidente de trabalho, em que se contrapõem as partes da relação de emprego – empregado e empregador – e que têm por objetivo a reparação de dano material ou moral, ainda que decorrente do acidente, e por isso mesmo da competência da Justiça do Trabalho, era de fato não havia necessidade de qualquer tipo de exceção”. [2]

Firmando o seu posicionamento, o autor conclui o seguinte:

“Assim, e quando a demanda oriunda da relação de emprego – causa de pedir remota – tiver por objeto a reparação de danos originários de acidente de trabalho – causa de pedir próxima – ajuizada contra o empregador, é inequivocamente o Judiciário Trabalhista competente para o julgamento de acordo com a previsão inserta nos incisos I e VI, do art. 114 da Lex Major.” [3]

Comungando do mesmo entendimento, o advogado Gilson de Albuquerque Júnior preleciona o seguinte:

“Por outro lado, é pacífico o entendimento de que à Justiça do Trabalho compete julgar todos os dissídios entre trabalhadores e empregadores, sendo imperativa a conclusão de que a pretensão de reparação civil, por culpa ou dolo do empregador, na hipótese de infortúnio laboral, é SEM SOMBRA DE DÚVIDA um litígio que decorre da relação de trabalho. Por isso, compete a Justiça do Trabalho apreciá-lo, conforme os incisos I, VI e IX do artigo 114 da Constituição da República, alterado pela Emenda Constitucional 45.” [4]

Seguindo o mesmo entendimento perfilhado nas linhas pretéritas, o juiz do trabalho Mauro Vasni Paroski se manifesta nos seguintes termos:

“Com amparo nos vastos ensinamentos da doutrina e considerando-se o manifesto equivoco dos Tribunais pátrios na interpretação do artigo 109, inciso I, da Constituição (que diz de quem não é, e jamais de quem é), pode se afirmar com elevado grau de certeza e segurança que a competência para conhecer e julgar as demandas relativas à indenização por danos, em face de ocorrência de acidentes de trabalho, é da Justiça do Trabalho, lastreado no artigo 114, caput e inciso VI, da Constituição.” [5]

O principal argumento levantados pelos defensores da competência da justiça do trabalho é que o inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal não faz qualquer distinção entre o dano moral (ou patrimonial) haver decorrido de acidente de trabalho ou não, pois o mencionado inciso dispõe que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho, independente deste dano advir de acidente de trabalho.

Outra tese brandida pelos seguidores da defensores da competência da justiça laboral é que a exceção prevista no parágrafo 3º do artigo 109 da Constituição Federal somente se refere às ações propostas em desfavor do instituto previdenciário e não em relação àquelas intentadas em face do empregador.

Por outro lado, existe outra corrente que defende um posicionamento totalmente contrário, entendendo que a justiça competente para apreciar tal questão seria a Justiça Comum Estadual.

Segundo o advogado Hugo Cruz Maestri “a introdução do novo dispositivo constitucional acerca do dano moral e patrimonial veio, apenas e tão somente, consolidar uma regra que já era adotada naquela esfera especial, ou seja, de que cabe à Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos decorrentes da relação de emprego, porém as ações referentes aos acidentes do trabalho não se confundiam – e ainda não se confundem – com danos emergentes da relação de trabalho, e portanto, são julgadas pela justiça comum por força do artigo 109, inciso I, da Constituição da República [6].”

Seguindo a mesma trilha doutrinária o advogado Carlos Sérgio de Melo Cornwall deixou consignado que “portanto nenhuma dúvida fica, quando se tratar de indenização por acidente de trabalho, os danos serão julgados conforme discrimina a Constituição ou seja pela Justiça Comum Estadual. [7]”

Conforme se pode depreender dos entendimentos acima mencionados, a matéria encontra-se totalmente indefinida no âmbito doutrinário.

Entretanto, da mesma forma, o embate continua na seara jurisprudencial. Aliás, o próprio Colendo Tribunal Superior do Trabalho ainda não formou uma jurisprudência acerca da matéria.

As próprias Turmas da mencionada Corte Trabalhista possuem entendimento diverso, ao apreciar a questão.

A 1ª Turma entende que a competência é da Justiça do Trabalho, ao passo que a 4ª e 5ª Turmas perfilham o entendimento de que a competência é da justiça comum estadual e do distrito federal.

No âmbito da 1ª Turma entendo por bem transcrever um trecho do acórdão do AIRR 2574/2000-015-05-41 da lavra do Eminente Ministro Lélio Bentes Correa:

“A Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar ação de indenização por dano moral e material resultante de acidente de trabalho, nos termos do artigo 114 da Constituição Federal. Quando o artigo 109, I, da Magna Carta exclui da competência da Justiça do Trabalho as causas de acidente de trabalho, logicamente está a se referir àquelas ações acidentárias dirigidas em desfavor da entidade previdenciária e não às ações indenizatórias de dano moral e material decorrentes de acidente de trabalho.”

De outra feita, eis o entendimento da 4ª Turma, proferido no Processo n° TST-RR-1104/2002-099-03-00-8, cujo relator foi o Exmo Ministro Barros Levenhagen:

“Quer isso dizer que o Judiciário do Trabalho não tem competência para as ações previdenciárias nem para as ações acidentárias, sendo incontrastável no entanto sua competência para julgamento das ações reparatórias dos multicitados danos moral e material provenientes de acidentes de trabalho ou moléstias profissionais, conforme se infere do confronto entre o artigo 7º, inciso XXVIII e o artigo 114, ambos da Constituição. Em que pese tais considerações, o STF já consolidou a jurisprudência, mesmo após a promulgação da EC nº 45/2004, de a competência material, para julgamento de indenização quer por dano material quer por dano moral, provenientes de infortúnio do trabalho, ser da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e não da Justiça do Trabalho.”

Tendo em vista a divergência entre as turmas do Tribunal Superior Trabalho, caberá à Seção de Dissídios Individuais pacificar o entendimento no âmbito do Tribunal.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal tem fixado reiteradamente que a competência in casu é da justiça comum estadual. A título de exemplo entendemos de bom alvitre transcrever a fundamentação esposada pelo Exmo Ministro Cezar Peluso no agravo de instrumento n° 527105/SP:

“No tema de competência, cumpre distinguir. De um lado, é já velha e aturada a orientação da Corte no sentido de que compete à Justiça do Trabalho, como princípio ou regra geral, processar e julgar ação de indenização de danos, morais e materiais, decorrentes de relação de trabalho, pouco se dando, para esse fim, deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil ou doutra província normativa (...) De outro, porém, excetua-se tal competência, quando o fato ou fatos causadores dos danos materiais e morais configurem também acidente ou doença do trabalho, caso em que a competência, assim para a ação de indenização por ato ilícito absoluto, como a de indenização especificamente acidentária, é da Justiça Comum, a que a Constituição atribui competência para as ações de acidente e doença do trabalho, qualquer que seja a qualidade da parte passiva legítima para a causa, nos termos da súmula 501, que se apóia hoje no art. 109, I, da Constituição (...). E, como sustentei num desses precedentes (RE nº 403.832), creio haver um segundo fundamento para tal interpretação da Casa a respeito do caput do art. 114, e que é a unidade de convicção, razão última de todas as causas de fixação e prorrogação de competência, de reunião de processos para desenvolvimento e julgamento conjuntos ou pelo mesmo juízo. É que, na segunda hipótese, em que se excepciona a competência da Justiça do Trabalho, as causas se fundam num mesmo fato ou fatos considerados do ponto de vista histórico, como suporte de qualificações normativas diversas e pretensões distintas. Mas o reconhecimento dessas qualificações jurídicas, ainda que classificadas em ramos normativos diferentes, deve ser dado por um mesmo órgão jurisdicional.”

De acordo com tal orientação jurisprudencial, deve-se observar o “princípio da unidade de convicção” para apreciar as lides referentes à indenização decorrentes de acidente de trabalho, pois o mesmo órgão jurisdicional (justiça comum estadual) que é competente para apreciar as lides acidentárias em face de instituição previdenciária deve também apreciar aquelas propostas em face do empregador, pois a causa jurídica advém do mesmo fato gerador.

Feitas todas estas considerações, pode-se dessumir que, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência está oscilante no tocante à delimitação da competência do órgão jurisdicional para apreciar lides acidentárias em face do empregador.

Todavia, sem embargo das respeitosas opiniões em contrário, comungamos o entendimento de que compete à justiça do trabalho apreciar tais questões.

Isso se deve ao fato de que o novel artigo 114, inciso VI, da Constituição da República dispõe expressamente que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.

Além do mais, tal inciso não traz qualquer exceção acerca do dano moral ou patrimonial ser decorrente de um acidente de trabalho. Por mais razão, o infortúnio trabalhista ocorre no âmbito da prestação de serviços subordinada, razão pela qual não é razoável afastar a competência da Justiça do Trabalho neste caso.

Cumpre salientar que quando o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal exclui da competência da Justiça do Trabalho as causas de acidente do trabalho, está a se referir somente àquelas ações acidentárias intentadas em face da instituição previdenciária e não às ações acidentárias que pleiteiam indenização por dano moral ou material decorrente de acidente de trabalho.

Entrementes, para que se chegue à uma solução definitiva acerca desta grande divergência, cabe ao Excelso Supremo Tribunal Federal, no uso de suas atribuições constitucionais, editar uma súmula sobre a matéria, conforme autorizado pelo artigo 103-A, sendo que a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

BIBLIOGRAFIA

Teixeira Filho, Manoel Antônio. A Justiça do Trabalho e a Emenda Constitucional 45/2004. In: Revista LTr. São Paulo: Ano 69, n° 01, jan/2005. p. 19/20

Lima Filho, Francisco das Chagas. Competência da Justiça do Trabalho para julgar ações decorrentes de acidente do trabalho ajuizadas contra o empregador. Disponível em <http:www.jus.com.br>. Acesso em 27 de maio de 2005.

Albuquerque Júnior, Gilson de. A Emenda Constitucional n° 45 e a competência para apreciar lides em face do empregador decorrentes de acidentes de trabalho. Disponível em <http:www.jus.com.br>. Acesso em 27 de maio de 2005

Paroski, Mauro Vasni. Indenização por dano moral e dano material decorrente de acidente de trabalho: matéria de competência da Justiça do Trabalho. Disponível em <http:www.jus.com.br>. Acesso em 25 de maio de 2005

Maestri, Hugo Cruz. Considerações pontuais acerca da competência para julgamento das ações acidentárias. Disponível em <http:www.jus.com.br>. Acesso em 30 de maio de 2005.

Cornwall, Carlos Sérgio de Melo. A constitucionalidade da competência da Justiça Comum Estadual para julgar as ações de acidente de trabalho. Disponível em <http:www.jus.com.br> Acesso em 30 de maio de 2005.

[1] A Justiça do Trabalho e a Emenda Constitucional 45/2004. In: Revista LTr. São Paulo: Ano 69, n° 01, jan/2005. p. 19/20

[2] Competência da Justiça do Trabalho para julgar ações decorrentes de acidente do trabalho ajuizadas contra o empregador. Disponível em <http:www.jus.com.br>. Acesso em 27 de maio de 2005.

[3] Op. cit.

[4] A Emenda Constitucional n° 45 e a competência para apreciar lides em face do empregador decorrentes de acidentes de trabalho. Disponível em <http:www.jus.com.br>. Acesso em 27 de maio de 2005

[5] Indenização por dano moral e dano material decorrente de acidente de trabalho: matéria de competência da Justiça do Trabalho. Disponível em <http:www.jus.com.br>. Acesso em 25 de maio de 2005

[6] Considerações pontuais acerca da competência para julgamento das ações acidentárias. Disponível em <http:www.jus.com.br>. Acesso em 30 de maio de 2005.

[7] A constitucionalidade da competência da Justiça Comum Estadual para julgar as ações de acidente de trabalho. Disponível em <http:www.jus.com.br> Acesso em 30 de maio de 2005

Sobre o(a) autor(a)
William de Almeida Brito Júnior
Procurador do Estado de Goiás. Membro do Conselho de Procuradores da PGE/GO. Pós-graduando em Direito Constitucional e Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás.
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