Portador de HIV garante proteção contra discriminação
Um cobrador de ônibus, portador do vírus HIV, assegurou no Tribunal Superior do Trabalho proteção contra prática discriminatória por parte do empregador. A Seção de Dissídios Individuais 1 (SDI 1) do TST manteve decisão da Terceira Turma que determinou à empresa São Paulo Transporte S.A. a reintegração do trabalhador e o pagamento retroativo de salários e todas as vantagens que receberia se estivesse trabalhando, ou, na impossibilidade de reintegração, o pagamento dessas vantagens até a data em que ele tenha começado a receber os benefícios da Previdência Social.
O cobrador havia ganho na primeira instância o direito à reintegração, porém o Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região (São Paulo) absolveu a empresa. Embora tenha reconhecido que o empregador tinha conhecimento do estado de saúde do empregado, o TRT concluiu que na época da demissão, em agosto de 1993, não havia dispositivo legal que desse ao portador do vírus da aids a garantia no emprego. Assim, o cobrador teria direito apenas ao auxílio-doença, à aposentadoria pela Previdência Social e ao levantamento dos depósitos de FGTS.
A Terceira Turma do TST reformou essa decisão por considerar que, mesmo sem uma normal legal para garantir a reintegração, o respeito à dignidade da pessoa sobrepunha-se à eventual omissão legislativa. Ao argumentar contra essa decisão, a empresa sustentou que a dignidade da pessoa humana não é fundamento legal e constitucional para a estabilidade no emprego do portador do vírus HIV por se tratar de um princípio por demais genérico. Para o empregador, assim como a aids, outras doenças de idêntico impacto social existem sem que a seus portadores seja garantida a reintegração no emprego.
O relator do processo na SDI 1, ministro João Oreste Dalazen, diz que a decisão da Terceira Turma fundamentou-se no artigo 1º da Constituição por entender que "a singularidade da matéria posta em debate impunha, antes de tudo, o respeito aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, sobretudo no que se referia à dignidade da pessoa humana".
O cobrador foi demitido por "motivos técnicos" decorrentes da privatização da empresa, na época denominada Companhia Nacional de Transportes Coletivos. Em tais casos, afirmou Dalazen, a identificação do caráter discriminatório da demissão "exige um altíssimo grau de sensibilidade do Poder Judiciário, visto que o empregador jamais irá admitir que assim procedeu em face da contaminação do empregado pelo vírus da aids".
O relator destacou que a Constituição tem diversos dispositivos que vedam a prática discriminatória, "figurando, inclusive, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil". Dalazen citou também a adoção, em 1998, da Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho, na qual se reafirmou o compromisso dos países membros de respeitar, promover e aplicar princípios como a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.
"Diante desse cenário, em que se denota a preocupação mundial em erradicar práticas discriminatórias, não sobra espaço para que o Poder Judiciário possa deixar ao desamparo o empregado portador do vírus HIV, apenas em face da ausência de previsão legal", afirmou.
O relator disse que, no caso do cobrador, a dispensa não foi apenas arbitrária, "mas, acima de tudo, discriminatória, considerando-se que o empregador, à época, tinha plena ciência do estado de saúde em que se encontrava o autor". Segundo ele, não se trata de "criar" uma espécie de estabilidade ao portador de doença grave, mas, apenas, "em consonância com o cenário mundial, repreender condutas discriminatórias".