A Aids e o direito

A Aids e o direito

Breve panorama histórico sobre a doença, suas definições e algumas questões jurídicas que a envolve.

Breve panorama histórico

Entre os anos 1977 e 1978, nos Estados Unidos da América, no Haiti e na África Central surgiram os primeiros casos que foram denominados como Aids e, no ano de 1982, é que se classificou essa nova síndrome. De acordo com registros do Ministério da Saúde, somente no ano de 1980 é que ocorreu o primeiro caso da doença no Brasil, que também assim foi classificado somente no ano de 1982.

Logo no início a doença surgiu cercada de preconceitos, tanto que no ano de 1982 a doença foi denominada como a "Doença dos 5 H - homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuário de heroína injetável) e hookers (designação inglesa para profissionais do sexo)", os chamados grupo de risco, que eram marginalizados pela sociedade.

No ano de 1985 ocorreu a fundação da primeira ONG do Brasil e da América Latina que se preocupava com a luta contra a Aids, o GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids), e passou a ser adotado o termo "comportamentos de risco" no lugar de "grupo de risco", o que mostra um certo avanço no tocante ao preconceito. No ano seguinte, no Brasil, foi criado o Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids.

Em 1988 o Ministro da Saúde assinou uma portaria instituindo o dia 1° de dezembro como sendo o Dia Mundial de Luta Contra a Aids e, no ano de 1991, se iniciou o processo para aquisição e distribuição gratuita de anti-retrovirais, que são os medicamentos que dificultam a multiplicação do vírus HIV.

Estudos recentes apontam que foram achados novos anticorpos que defendem o organismo contra o HIV. A equipe coordenada por Laura Walker, do Instituto de Pesquisas Scripps, na Califórnia (EUA), isolou dois anticorpos anteriormente não conhecidos (PG9 e o PG16) de um portador africano e constatou não só que essas proteínas são “muito potentes” na neutralização do vírus, como também são capazes de bloquear uma grande gama de subtipos do mesmo. Esse estudo está sendo considerado um dos mais promissores dos últimos 20 anos na luta contra a Aids.

A doença

A Aids  (Acquired Immune Deficiency Syndrome), ou em português Sida (Síndrome da Imunodeficência Adquirida), se manifesta no indivíduo após o contágio pelo vírus HIV ( Human Immunodeficiency Virus) que, em português, significa Vírus da Imunodeficiência Humana, o qual destrói as células responsáveis pela defesa do organismo, as quais, com o passar do tempo, passam a funcionar de forma menos eficiente. Agindo com menos eficiência o ser humano tem sua capacidade em combater doenças comuns diminuídas e, com isso, podem surgir diversos tipos de doenças e infecções.

Entre o contágio pelo vírus HIV e o desenvolvimento da doença propriamente dita existe a fase conhecida como assintomática, cujo período varia de pessoa para pessoa, esclarecendo que nesse período o portador do vírus pode infectar terceiros. Assim, a pessoa que se encontra na fase assintomática é considerada portadora do HIV, entretanto os sintomas (febre persistente, calafrios, dor de cabeça, dor de garganta, dores musculares, manchas na pele, gânglios ou ínguas embaixo do braço, no pescoço ou na virilha) podem levar muito tempo para aparecer, o que varia de acordo com a pessoa. Assim que eles começam a se manifestar, a pessoa será considerada portadora da Aids.

Segundo o Ministério da Saúde, se pega Aids através da pratica sexo vaginal, anal e oral sem o uso de preservativo; uso da mesma seringa ou agulha por mais de uma pessoa; transfusão de sangue contaminado; mãe infectada pode passar o HIV para o filho durante a gravidez, o parto e a amamentação; instrumentos que furam ou cortam, não esterilizados. O Ministério esclarece, porém, que o sexo praticado com o uso correto do preservativo; a masturbação a dois; o suor; a lágrima; picadas de insetos; aperto de mão e abraço; talheres, copos; assentos de ônibus; piscina; banheiro; ar; doação de sangue; sabonetes; toalhas e lençóis não transmitem o vírus HIV.

Desde a descoberta da Aids, como fruto de muitas pesquisas e investimentos, surgiram diversos medicamentos e suas respectivas combinações, que fazem com que a multiplicação do vírus HIV no organismo ocorra com dificuldade, mantendo assim as células de defesa em bom funcionamento e com isso adia o aparecimento dos sintomas da Aids, entretanto, como já vimos, não elimina o vírus. Com essas evoluções da medicina o soropositivo (portador do HIV) passa a ter uma vida normal, restando somente que os demais cidadãos os respeitem como pessoa, passando por cima dos preconceitos.

Questões jurídicas ligadas aos portadores do vírus HIV

Muitas vezes para o indivíduo portador do vírus HIV e da Aids é muito mais doloroso o preconceito e a marginalização sofrida em decorrência da doença do que dela propriamente dita, posto que, como já vimos, é crônica e tem tratamento, diferente do preconceito.

Diante desse quadro de preconceito, oriundo da ignorância de alguns membros da sociedade, é que o direito tem que se fazer presente e garantir aos portadores do vírus HIV e da Aids o respeito a sua dignidade humana, garantido amplamente pela nossa Lei maior.

- O portador de HIV e Aids e as relações de trabalho

Todos os direitos trabalhistas, previdenciários e acidentários lhes são garantidos sem nenhuma restrição, sendo vedado ao empregador exigir a realização de exame anti-HIV para admissão ou com o fim de impedir a continuidade na relação de trabalho, inclusive o empregado não é obrigado a cientificar o seu empregador acerca de sua doença, ficando terminantemente proibido qualquer tipo de discriminação no ambiente de trabalho.

O empregado poderá ser transferido para alguma função compatível com seu estado de saúde, caso este se agrave, bem como, com fundamento na Lei n° 1.711/1952, terá direito a licença saúde para realizar tratamento médico e se aposentar por invalidez. Poderá, ainda, com fulcro na Lei n° 6.880/1980, ser reformado, caso seja militar.

Apesar de óbvio, vale ressaltar que ninguém poderá ser demitido por ser portador ou haver contraído o vírus HIV ou a Aids.

- O direito ao tratamento médico gratuito

Conforme diversas decisões judiciais e resoluções do Conselho Federal de Medicina, os acometidos pelo vírus ou pela doença tem direito a receber tratamento médico digno, eficiente e gratuito, bem como o fornecimento também gratuito dos medicamentos necessários para seu tratamento. Ao paciente ainda deverá ser apresentado todos os aspectos de seu caso.

- O direito a pensão especial

A Lei n°3.738/1960, que assegura pensão especial à viúva de militar ou funcionário civil atacada de tuberculose ativa, alienação mental, entre outras doenças, pode ser estendida aos portadores de HIV e aos doentes da Aids, nos termos do artigo 1°.

- O direito ao recebimento do auxílio-doença

 A Constituição Federal e outras leis garantem o direito ao recebimento do auxílio-doença e de assistência social,  independente do tempo de contribuição, bem como a liberação do FGTS e o uso do PIS na realização de tratamentos de saúde.

- O direito ao recebimento de alimentos

Ao portador do vírus HIV e da Aids, nos termos do artigo 1.696, do Código Civil, é garantido o recebimento de prestação alimentícia bem como a assistência de seus familiares, sob pena de configurar-se o delito de abandono.

- Outros direitos

Aos portadores do HIV e da Aids, entre outros direitos, são garantidos:

a) o direito de de ir e vir, sendo vedado o isolamento em hospitais ou qualquer tipo de cerceamento a sua locomoção;

b) o direito a educação, não lhes podendo ser negado o direito a se matricularem em escolas de qualquer nível;

c) o direito a privacidade, a intimidade e principalmente ao sigilo sobre seu estado de saúde, ficando a sua escolha as pessoas que saberão de sua condição;

d) o direito ao esporte e ao lazer;

e) o direito de manter uma vida sexual ativa, desde que sejam adotadas medidas de prevenção a fim de evitar o contágio de seus respectivos parceiros ou parceiras, o que poderia caracterizar infração penal.

Como vimos, inúmeros são os direitos que os portadores do vírus HIV e da Aids possuem, ainda que não listamos nem metade deles, mas apenas o mais importante, que é a conscientização. A sociedade deve se conscientizar sobre o que é a Aids e o HIV, principalmente no que se refere as formas de contágio e, de uma vez por todas, esquecer que um dia existiu determinado grupo de risco e se lembrar que na realidade existem comportamentos de risco. Por isso devemos respeitar estas pessoas, fazendo valer seus direitos e as tratando com a dignidade que qualquer ser humano merece.

Referências bibliográficas

Agência de Notícias da Aids - Disponível em http://www.agenciaaids.com.br/site/, acessado em 24 de setembro de 2009.

Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde - Disponível em http://www.aids.gov.br/main.asp?View={CEBD192A-348E-4E7E-8735-B30000865D1C}&BrowserType=IE&LangID=pt-br&Mode=1, acessado em 24 de setembro de 2009.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

G 1 - Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1291554-5603,00-GRUPO+AMERICANO+IDENTIFICA+NOVOS+ANTICORPOS+CONTRA+AIDS.html, acessado em 24 de setembro de 2009.

Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids – UNAIDS -Disponível em http://www.onu-brasil.org.br/agencias_unaids.php,  acessado em 24 de setembro de 2009.

Rede Nacional de Pessoas Vivendo com Aids - Disponível em http://www.rnpvha.org.br/, acessado em 24 de setembro de 2009.

Saber Viver - Disponível em http://www.saberviver.org.br/, acessado em 24 de setembro de 2009.

Sobre o(a) autor(a)
Rafael Henrique Gonçalves Martines
Cursa o 5° ano da Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI). É redator no DireitoNet desde julho de 2007 e visa ingressar na carreira de Delegado de Polícia.
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