PEC das Domésticas é aprovada: veja os direitos que passam a valer
O Senado Federal aprovou em segundo turno, por 66 votos a zero, a chamada PEC das Domésticas. Agora, falta apenas a emenda ser promulgada para se tornar lei, o que ocorrerá na próxima terça-feira (2/04/2013), às 18 horas, no Senado. A proposta estende aos domésticos os mesmos direitos dos outros trabalhadores, como carga de trabalho de 44 horas semanais, sendo no máximo oito horas por dia; o pagamento de hora extra; o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) obrigatório (hoje é facultativo), e multa de 40% para demissão sem justa causa. Vários dos direitos previstos ainda precisarão ser regulamentados para entrar em vigor.
Um em cada dez trabalhadores brasileiros é empregado doméstico. São 7,2 milhões de pessoas que trabalham como cozinheiros, governantas, babás, lavadeiras, faxineiros, vigias, motoristas, jardineiros, acompanhantes de idosos e caseiros. Quase 95% são mulheres, que trabalham sem jornada de trabalho regularizada e ganham menos da metade da média dos salários dos trabalhadores em geral.
Demissões
Apesar de ter sido aprovada, a PEC das Domésticas está longe de ser unânime, e organizações de empregadores estimam um aumento no desemprego da classe em até 10%, já que o custo para o empregador manter o doméstico deve aumentar em cerca de 35%. Segundo a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria de Oliveira, com a legislação anterior, 70% das empregadas domésticas e diaristas já não tinham carteira assinada. Na região Norte, esse índice chegava a 90%.
O presidente da ONG Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, defende uma compensação do aumento de custo para os empregadores — uma "desoneração" da folha do patrão, com a redução da alíquota do INSS de 12% para 4%. Sem uma compensação aos empregadores, Avelino alerta para a possibilidade de demissões em massa. "Mais de 800 mil domésticas devem ser mandadas embora em menos de seis meses. Trata-se de um genocídio trabalhista", afirma.
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) concorda: “Mais da metade das empregadas domésticas será demitida, porque quando o patrão vir que a multa [em caso de demissão] vai ser tão grande, ele vai preferir ficar sem empregada e contratar uma diarista”.
Para o sociólogo Joaze Bernardino, estudioso do trabalho doméstico, sempre que se ampliam os direitos desses trabalhadores há ameaça de demissões — desde que a profissão foi regulamentada, em 1972. “Mas o vaticínio nunca se cumpriu, o nível de emprego das domésticas se manteve. Não dá para o Estado brasileiro, do ponto de vista político e moral, tratar um contingente tão grande de trabalhadores de forma diferenciada dos demais”, critica.
A presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria de Oliveira, acrescenta: “Em 1988, quando conquistamos cinco direitos pela Constituição, eram 5 milhões de domésticos no Brasil. Hoje, somos 8 milhões”.
O que vale a partir da promulgação
- Duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais.
- Remuneração da hora extra superior, no mínimo, em 50% à normal.
- Reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
O que ainda precisa ser regulamentado
- Auxílio-creche e pré-escola.
- Fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS).
- Relação de emprego protegida contra despedida arbitrária.
- Remuneração do trabalho noturno superior à do diurno.
- Salário-família.
- Seguro-desemprego.
- Seguro contra acidente de trabalho e indenização.
Direitos que os empregados já tinham
- Aposentadoria.
- Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.
- Férias anuais remuneradas com 1/3 a mais do que o salário normal.
- Licença à gestante de 120 dias.
- Licença-paternidade.
- Irredutibilidade do salário.
- Repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.
- Salário mínimo.
- Seguro contra acidentes de trabalho.
- 13º salário.
Conheça as principais polêmicas
Horas extras
As dúvidas sobre a aplicação das novas regras se acumulam. “E quando a doméstica mora na casa da gente? Como é que vai computar os horários trabalhados?”, pergunta a arquiteta e dona de casa Batta Fajardo, que tem uma mesma empregada há 30 anos.
Estima-se que 250 mil empregadas morem na casa dos patrões. A Justiça do Trabalho considera que a jornada não se refere apenas às horas trabalhadas, mas ao tempo em que o funcionário fica à disposição do trabalhador, em sobreaviso. O juiz Cristiano de Abreu e Lima afirma que as horas eventualmente trabalhadas no meio da noite têm de ser remuneradas de alguma maneira. “O empregador de boa-fé precisa ver uma forma de computar esse trabalho para pagá-lo no fim do mês. Parece que a solução mais adequada é, ao invés de sobreaviso, pagar adicional para empregadas domésticas que residam no próprio local de trabalho.”
A presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria de Oliveira, deseja outra solução. “O que a gente quer é que a trabalhadora vá embora, como qualquer trabalhador. Não tem nenhuma categoria que more no local de trabalho. Isso é um resquício da casa grande e senzala, em que o escravo estava ali, sempre à disposição do senhor.”
Mesmo no caso de empregados que vêm de outros estados e moram na casa dos patrões, Creuza é enfática no pagamento de horas extras: “Hoje as pessoas acham normal a empregada trabalhar mais de 16 horas e não pagar hora extra porque ela mora na casa do patrão. Trazer a empregada de fora também é uma escolha do patrão, ele tem de arcar com os custos”.
Em relação a dormir na casa da patroa, o especialista em contabilidade trabalhista Antonio Albuquerque adverte: “no momento em que a empregada está dormindo ela está de sobreaviso, que deveria ser pago, pois ela pode ser acordada a qualquer momento para trabalhar”.
Para o especialista em contabilidade trabalhista Antonio Albuquerque, hoje a patroa não tem meios seguros para calcular corretamente as horas extras e o adicional noturno.
Fundo de Garantia
Uma das preocupações é estabelecer as regras para a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que representa o principal impacto financeiro imediato para os empregadores, de 8% do valor do salário da empregada. Também passa a ser obrigatória a multa de 40% em caso de demissão sem justa causa.
Como já acontece com todo trabalhador, a empregada doméstica vai ter direito ao fundo de garantia quando se aposentar, ou depois de três anos desempregada, ou ainda em caso de doença grave.
O especialista em contabilidade trabalhista Antonio Albuquerque explica que hoje há uma grande burocracia do governo para o cadastro no FGTS, que, na opinião dele, não está ao alcance das patroas. “É um processo muito complexo”.
“A Caixa Econômica inclusive desestimula o pagamento do FGTS pelas patroas”, diz a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria de Oliveira.
Para a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), principal articuladora da aprovação da PEC na Câmara, a regulamentação deve criar um modelo específico de FGTS para a categoria. "Um modelo tipo o que foi criado para trabalhadores rurais, como um Simples Nacional”.
Este novo fundo, para a Justiça do Trabalho, deve obedecer a regras bem parecidas às aplicadas para os trabalhadores em geral. O juiz Cristiano Siqueira de Abreu e Lima entende que não existe no emprego doméstico nada que justifique um tratamento diferente dos outros trabalhadores.
Embora o FGTS seja um seguro contra demissões imotivadas a partir da multa de 40%, ele não é uma boa poupança, pois rende apenas TR mais 3% ao ano, bem menos que a caderneta. Mas a participação no fundo também dá direito a financiamentos imobiliários mais baratos para quem é de baixa renda, por exemplo.
Seguro-desemprego
Outra dúvida é em relação ao seguro-desemprego, financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) com recursos do PIS — imposto que hoje não é pago pelos empregadores domésticos. O governo poderá, porém, manter a regra atual que vincula a concessão do seguro-desemprego à simples opção do empregador pelo FGTS para o empregado doméstico.
"O seguro desemprego não importará nenhum custo para empregador. Quem paga seguro-desemprego é o governo, no caso do desemprego involuntário. Portanto, não há fundamento para ter receio de aumento do custo do trabalho doméstico em função do seguro desemprego", afirma o juiz do Trabalho Cristiano de Abreu e Lima.
Auxílio-creche
Outro ponto que depende de regulamentação é o direito à creche para filhos menores de seis anos de idade. Para as outras categorias profissionais, um valor de auxílio-creche é definido em convenções coletivas, mas no caso das domésticas não existem sindicatos reconhecidos dos trabalhadores nem dos empregadores, o que seria fundamental para esse tipo de negociação.
Nas empresas, apenas as que têm mais de 30 mulheres em idade fértil precisam garantir creche a seus funcionários. Por isso, também há a dúvida sobre a necessidade de a patroa garantir a creche no caso de ter poucos empregados domésticos.
O direito à creche para toda família brasileira já é previsto pela Constituição, a ser provido pelo Estado. A coordenadora de programas da Secretaria de Autonomia Econômica das Mulheres, Glaucia Fraccaro, explica que garantir creches e pré-escolas públicas para todas as crianças brasileiras é um tema em análise no governo federal - e que ganha força com a necessidade de regulamentação deste direito para as domésticas. "Trata-se de uma política muito importante para garantir a autonomia das mulheres. Seus afazeres devem ser compartilhados não só com a família, mas também com o Estado."