Justiça itinerante

Justiça itinerante

Um meio de levar a justiça aos mais necessitados, possibilitando a ampla prestação jurisdicional pelo Estado.

Introdução

Sabemos que o Poder Judiciário atravessa grave crise devido ao grande volume de processos que lotam todas Comarcas e cartórios do País. Com isso, tem-se a falsa idéia de amplo acesso à prestação jurisdicional por toda população nacional. No entanto, como dito, não passa de uma falsa idéia.

Em um diagnóstico detalhado sobre a atual situação do Poder Judiciário no Brasil, elaborado pelo Ministério da Justiça [1], constatou-se que “(...) o governo é o maior cliente do Poder Judiciário _ algo em torno de 80% dos processos e recursos que tramitam nos tribunais superiores tratam de interesses do governo (...)”. Podemos acrescentar que outra boa parcela dos litígios pendentes é ocasionada por pequena parcela da sociedade, que detém recursos suficientes para arcar com as despesas processuais. Assim, vê-se que a grande maioria da população fica à margem da prestação jurisdicional.

Além do grande número de processos pendentes, a morosidade do sistema judicial também pode ser atribuída às arcaicas leis processuais vigentes. Quando editado, em 1973, o Código de Processo Civil foi reconhecido mundialmente como uma “obra-prima” da técnica processualista. Seus dispositivos de rigor abstracionista levaram o CPC brasileiro ao topo da legislação processual moderna. Contudo, o culto a técnica perfeita fizeram com que o texto processual muito se distanciasse da realidade cotidiana, que, por sua dinâmica, exige normas mais práticas que belas.

Outro problema que pode ser apontado como gerador de inúmeros processos é a exigência do pronunciamento do Poder Judiciário para questões corriqueiras que dispensariam tal providência, como exemplo, podemos citar a necessidade de ajuizamento de ação de divórcio direto consensual, de arrolamento sumário de herdeiros maiores etc. Uma solução, visando o desafogamento das Comarcas, seria de que estas questões fossem apenas registradas no cartório de notas.

Diante de tantos problemas, urgente era a Reforma do Judiciário, que se iniciou com a promulgação da Emenda Constitucional 45/04 e continua com a edição de várias leis que visam a alteração da estrutura infraconstitucional, como as Leis nº 11.187/05 (Nova Lei do Agravo), 11.1232/05 (Nova de Lei de Execução), 11.276/06 (Súmula impeditiva de Recursos) etc.

A EC 45/04, entre outras novidades para melhor funcionamento da Justiça, trouxe as súmulas vinculantes, determinou a distribuição imediata dos processos, proibiu as férias coletivas nos Tribunais e previu a criação da justiça itinerante.

A justiça itinerante visa levar justiça aos mais necessitados, possibilitando a ampla prestação jurisdicional pelo Estado. É sobre esse novo método de distribuição de justiça que passamos a discorrer nos próximos parágrafos. Justiça Itinerante

Como observado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, em palestra ministrada na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), no dia 19 de maio de 2006, sobre a Reforma do Judiciário [2], a grande maioria da população brasileira não tem acesso à Justiça, nem sequer conhece a figura do juiz, promotor ou defensor público.

Foi pensando nisso, que o legislador constituinte instituiu por meio da EC 45/04:

Art. § 2º: Os Tribunais Regionais Federais instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários”.

Art. 115, § 1º: Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários”.

Art. 125, § 7º: O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários”.

Mas afinal, o que seria a “justiça itinerante”?

Justiça itinerante pode ser entendida como a justiça disponibilizada por meio de unidades móveis, geralmente, por meio de ônibus adaptados, para levar a atividade jurisdicional do Estado aos lugares mais longínquos e necessitados. É composta por um juiz, conciliadores e defensores públicos, que visam a solução dos conflitos por meio da conciliação. Não sendo possível a transação ou a decisão, desde logo, pelo magistrado, as partes são encaminhadas ao juízo comum.

A justiça itinerante nada mais é que um “pequeno fórum ambulante”, que percorre as cidades (onde já instalada), levando o Poder Judiciário às pessoas mais carentes.

O projeto já pode ser visto em diversos Estados da Federação como, por exemplo, nos Estados do Amazonas, Mato Grosso do Sul, Amapá, Bahia, São Paulo etc.

No Estado de São Paulo, por exemplo, o “Juizado Itinerante”, por enquanto, atua apenas na Capital, havendo uma pauta preestabelecida pelo Tribunal de Justiça, que indica o dia, horário e o bairro, onde as pessoas poderão comparecer. A competência do Juizado Itinerante é a mesma do Juizado Especial Cível nas causas que não se exige advogado, ou seja, causas cujo valor não exceda a 20 salários mínimos, tais como: direito do consumidor, planos de saúde, colisão de veículos, cobranças em geral, despejo para uso próprio, execução de títulos (cheques e notas promissórias) [3].

Mesmo antes da previsão constitucional, o Estado da Bahia, em 2002, já havia concebido o Projeto Justiça Itinerante, inspirado em experiências semelhantes realizadas no Amapá (Juizado Volante) e no Distrito Federal (Juizado Cível Itinerante).

De natureza diversa da Justiça Itinerante prevista na EC, mas com propósitos semelhantes, ou seja, conseguir a rápida apuração dos fatos e a solução dos litígios, já em 1996, foi criado, no Estado do Mato Grosso, o Juizado Volante Ambiental (Juvam) para punir judicialmente os causadores de danos ambientais. O Juizado é uma extensão da primeira Vara Judicial especializada em Meio Ambiente, criada no Mato Grosso com o objetivo de processar e julgar apenas as ações judiciais relativas ao meio ambiente [4].

Tendo em vista que a “justiça itinerante” é composta de um juiz, um promotor e um defensor, sua principal meta é a composição amigável entre as partes, possibilitando uma rápida solução do litígio.

No entanto, como todo o aparato da justiça volante é veiculado por meio de um ônibus, tem-se que sua competência é restrita aos casos mais simples e causas cujo valor não supere vinte salários mínimos para facilitar o trabalho das pessoas envolvidas.

Caso não haja transação entre os litigantes ou não seja possível ao juiz proferir uma decisão de mérito, dado a complexidade da causa, que pode exigir complexa dilação probatória, as partes serão remetidas ao Juizado Especial Cível (Comum). Centros Integrados de Cidadania (CICs)

Durante a gestão do Governador Mário Covas, no Estado de São Paulo, foi reunida uma equipe de juristas e pessoas das comunidades da periferia da Capital, a pedido do Governador, para que fosse elaborado um estudo de viabilidade de construção de pequenos “fóruns” nos bairros das cidades, permitindo o acesso à Justiça pela população carente [5].

A idéia é a realização de construções mais simples, que abrigue uma estrutura simplificada do Poder Judiciário, mas que seja de fácil acesso às pessoas, possibilitando a democratização da demanda.

Os CIC são “algo mais” que a justiça itinerante, pois têm caráter permanente e possuem competência mais abrangente, tendo em vista que constituídos de verdadeiros juízos e serventias. Dessa forma, buscam uma prestação jurisdicional mais efetiva à população, abrangendo todas as espécies de litígios possíveis e possibilitando uma rápida solução. São integrados, ainda, por delegacias de polícias, órgão do Procon, e outras instituições do Executivo, visando melhor atender a população local.

No Estado de São Paulo, o Programa CIC [6] conta com oito postos fixos de atendimento, cinco na Capital (Itaim Paulista, Parada de Taipas, Jardim São Luís, Jova Rural e Jabaquara), e três na Grande São Paulo nos municípios de Francisco Morato, Ferraz de Vasconcelos e Capão Redondo.

Com origem no Decreto Estadual 46.000, de 15 de agosto de 2001, que criou e organizou a Coordenadoria de Integração da Cidadania no âmbito da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, os princípios da atuação do programa são:

  • Prevenção de conflitos interpessoais ou de grupos;
  • Implementação de alternativas comunitárias de prevenção e solução de conflitos;
  • Participação de associações e movimentos populares no planejamento, na execução e na avaliação das ações desempenhadas;
  • Localização em regiões carentes e com pouca oferta de serviços públicos;
  • Qualidade na prestação de serviços conforme o Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos do Estado de São Paulo;
  • Integração e colaboração entre os órgãos e entidades estatais para prestação de serviços;
  • Desconcentração do atendimento ao cidadão;
  • Aproximação do Estado e da Comunidade;
  • Estímulo à organização popular.
  • No município de Francisco Morato, o CIC também conta com uma unidade do Juizado Especial Federal, com competência para causas de até 60 salários mínimos.

    Na unidade de Capão Redondo (Feitiço da Vila), o CIC é formado pela atuação das Secretarias da Habitação, Assistência e Desenvolvimento Social, Justiça, Cultura, Infocentro, Segurança Pública, Poder Judiciário e pelo Poupatempo, que emite carteiras de identidades.

    Num estudo feito pelo Governo do Estado de São Paulo, estima-se que, em 2005, foram atendidas 1.221.631 pessoas pelos CICs.

    Em outros Estados, também já podemos encontrar algumas unidades dos CICs instaladas, como é o caso do Acre, onde já existem 7 CICs espalhados pelo interior do Estado. Nessa Unidade da Federação o objetivo dos CICs é levar a Justiça aos municípios que ainda são desprovidos de fóruns. Dessa forma, cada unidade instalada atende o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Púbica.

    No Estado do Espírito Santo, há um CIC instalado na cidade de Vitória, que disponibiliza à população mais de 30 serviços reunidos em um mesmo espaço, tais como: Posto de atendimento da Justiça do Trabalho; Sistema de protocolo Integrado do TRT 17ª Região; Delegacia Regional do Trabalho/ES Carteira de Trabalho (1ª e 2ª vias); DETRAN Carteira Nacional de Habilitação (1ª e 2ª vias); Espaço Administração CIC; Cartório Sarlo (certidões de nascimento, casamento e atestado de óbito) ; Correios (pedidos de CPF e Serviço de Postagem); Polícia Federal com Emissão de Passaporte; Assistência Jurídica Gratuita; Procon; Espaço Juizado Especial Civil; Espaço Juizado Especial Federal; Espaço Juizado Especial Criminal; Tribunal Regional Eleitoral/ES Título de Eleitor (1ª e 2ª vias); Polícia Civil: emissão de Atestado de Bons Antecedentes etc. Conclusão

    Sabemos que inúmeras são as dificuldades encontradas pelos operadores do direito e por aqueles que necessitam da prestação jurisdicional do Estado: morosidade, difícil acesso, onerosidade etc.

    A Reforma do Judiciário, iniciada em 2004, procura trazer o processo civil e os meios de sua concretização para a realidade do País.

    As EC 45/04 foi a propulsora das alterações na estrutura do Poder Judiciário, que visam dar-lhe maior efetividade e rapidez. Em suas previsões, está a criação da justiça itinerante, que levará a figura do juiz e o acesso à prestação jurisdicional às mais diversas camadas sociais da população.

    A realização dos CICs pelos Estados também pode ser encarado como um avanço na democratização da justiça, pois distribui o Poder Judiciário pelo território nacional de forma mais racionalizada.

    As idéias de mudança para a construção de uma justiça melhor são muito boas e parecem que realmente ajudam na socialização do acesso da prestação jurisdicional e no desafogamento do Poder Judiciário; agora, resta-nos saber se integrantes das esferas dos Poderes terão o mesmo empenho de concretizá-las.

    [1] Diagnóstico, na íntegra, disponível em: http://www.mj.gov.br/reforma/index.htm

    [2] Palestra ministrada pelo Ministro do STF Cezar Peluso, no dia 19 de maio de 2006, no evento "Reforma do Judiciário – Aspectos relevantes e perspectivas", realizado na Faculdade de Direito da USP pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

    [3] Pauta do Juizado Itinerante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo disponível em: http://portal.tj.sp.gov.br/wps/portal/tj.noticia.visualizar

    [4] Juizado Volante Ambiental (Juvan), disponível em: http://www.tj.mt.gov.br/Juizados/Apresentacao.aspx

    [5] Informações fornecidas pelo Ministro do STF, Cezar Peluso, no dia 19 de maio de 2006, no evento "Reforma do Judiciário – Aspectos relevantes e perspectivas", realizado na Faculdade de Direito da USP pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

    [6] Informações sobre os CICs do Estado de São Paulo disponível em: http://www.justica.sp.gov.br/Noticia.asp?Noticia=2037

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    Luciana Andrade Maia
    Luciana Andrade Maia
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