Transexualismo

Transexualismo

Os principais direitos e os problemas enfrentados pelos transexuais.

O transexual muitas vezes é confundido com o travesti e com o intersexual, o que na realidade está totalmente incorreto, uma vez que cada um desses termos se referem a diferentes situações do campo da sexualidade humana.

De acordo com a medicina legal o travesti ou o eonismo é um transtorno sexual onde ocorre a alternância entre o masculino e o feminino, a pessoa não tem aversão a sua genitália e com ela até sente prazer. A intersexualidade ocorre quando a pessoa nasce fisicamente entre o sexo masculino e o feminino, tendo parcial ou completamente desenvolvidos ambos os órgãos sexuais, ou um predominando sobre o outro.

O transexualismo, por seu turno, ocorre quando a pessoa rejeita sua própria identidade sexual e se identifica psicologicamente com o gênero oposto, havendo uma confusão entre a identidade sexual física (o que a pessoa é) com a identidade sexual psíquica (o que ela pensa ser), ocasionando, através de uma neurose racional obsessivo-compulsiva, o desejo de reversão sexual integral. Os transexuais, diferente dos intersexuais, apresentam correlação entre os órgãos genitais externos com os internos.

Vários estudiosos explicam as causas da transexualidade, dentre os quais podemos citar Klotz e Dorina R. G. Epps Quaglia. Para Klotz o transexual sofre uma impregnação hormonal no hipotálamo, pelo hormônio contrário, nos últimos dias de vida fetal ou nas primeiras semanas de vida. Para Dorina R. G. Epps Quaglia o transexualismo pode aparecer a partir da alteração no número ou na estrutura dos cromossomos sexuais, testículo fetal pouco funcionante, estresse inusitado na gestante, ingestão de substâncias antiandrogênicas pela gestante na fase crítica de estampagem cerebral, insensibilidade dos tecidos aos hormônios masculinos e  fatores ambientais adversos, como a identificação da menina com a figura materna.

Os estudiosos constataram ainda que os transexuais apresentam um quociente intelectual (Q.I.) um pouco acima da média, variando entre 106 e 118.

Por fim, o Conselho Federal de Medicina, no artigo 3°, da Resolução n° 1.652/2002 define que o transexualismo deverá obedecer, no mínimo, aos seguintes critérios:

a) desconforto com o sexo anatômico natural;

b) desejo expresso de eliminar genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

c) permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;

d) ausência de outros transtornos mentais.

A cirurgia de mudança de sexo

Pela Organização Mundia de Saúde (O.M.S.) o transexualismo é considerado como sendo uma patologia, classificada pelo CID-10 F64. E, por esse motivo, a cirurgia de transgenitalismo poderá ser realizada, obedecendo os critérios estipulados pela já citada Resolução 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina.

O artigo 4° da Resolução dispõe que para o transexual ser submetido a cirurgia primeiramente deverá ser acompanhado, no período mínimo de dois anos, por uma equipe multidisciplinar formada por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, sendo necessário que o paciente conte com mais de 21 anos de idade e não possua características físicas inapropriadas para a cirurgia.

Assim a cirurgia que converterá a genitália masculina em feminina consistirá:

a) extirpação dos testículos ou seu ocultamento no abdômen, sendo aproveitada uma parte da pele do escroto para a formação dos grandes lábios;

b) amputação do pênis, sendo mantida parte mucosas da glande e do prepúcio para a formação do clitóris e dos pequenos lábios com sensibilidade erógena;

c) formação de vagina;

d) desenvolvimento das mamas, com o uso de próteses de silicone e/ou administração de hormônios femininos.

Já a cirurgia para que converterá a genitália feminina em masculina consistirá:

a) ablação dos lábios da vulva sem eliminação do clitóris;

b) fechamento da vagina;

c) ablação do útero;

d) ablação do ovário a fim de cessar com a menstruação, podendo ser utilizado primeiramente o tratamento com hormônios masculinos;

e) elaboração do escroto, com o uso dos grandes lábios e bolinhas de silicone para simular os testículos;

f) faloneoplastia, ou seja, construção de um pênis, usando retalho abdominal para seu revestimento e prótese de silicone, existindo a transferência de alguns nervos o que garantirá uma espécie de semi-ereção.

Dessa forma, analisando os procedimentos que são realizados nas cirurgias de mudança de sexo constatamos que existe ablação de órgãos sadios  e ainda há a deformidade permanente e a perda da função genética e sexual de forma permanente, porém o Conselho Federal de Medicina  entende que, obedecidos os critérios já citados e entre outros motivos, considerando que trata-se de patologia, a cirurgia não consiste em prática delituosa estando, assim, por ter fins terapêuticos, autorizada.

Em decisão monocrática a Ministra Ellen Gracie, ao se pronunciar sobre o tema em dado julgamento (ST 185), declarou que "não desconheço o sofrimento e a dura realidade dos pacientes portadores de transexualismo (patologia devidamente reconhecida pela Organização Mundial de Saúde: CID-10 F64.0), que se se submetem a programas de transtorno de identidade de gênero em hospitais públicos, a entrevistas individuais e com familiares, a reuniões de grupo e a acompanhamento por equipe multidisciplinar, nos termos da Resolução 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina, com o objetivo de realizar a cirurgia de transgenitalização, pessoas que merecem todo o respeito por parte da sociedade brasileira e do Poder Judiciário".

Em 18 de agosto de 2008, o Ministro da Saúde José Gomes Temporão, através da Portaria n° 1.707, de 18 de agosto de 2008, determinou que a cirurgia de transgenitalização fará parte dos procedimentos médicos que devem estar disponíveis nos hospitais brasileiros atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A alteração do nome e o possível induzimento de terceiro a erro

São inúmeros os casos de pessoas que trocaram de sexo através de cirurgia e buscam adequar essa nova condição em seus documentos, de forma que tenham uma vida digna e normal em sociedade, não mais marginalizada. Como vimos a medicina evoluiu e está apta a realizar a operação de mudança de sexo.

Dessa forma, se a identidade sexual pertence ao direito à identidade pessoal, o transexual não tem o direito de adequar seu novo sexo ao prenome, sendo-lhe permitida a ratificação do assento de seu nascimento?

A doutrina e a jurisprudência, ao responder esse questionamento, tem entendido, na maioria dos casos, que não é possível tal retificação, com a argumentação de que os registros públicos devem ser precisos, regulares e constituir expressão da verdade.

Ao analisarmos as diversas legislações em vigor sobre o tema vemos, entre muitas, a Lei de Registros Públicos que, em seu artigo 58, aduz que o prenome será definitivo e, com a alteração trazida pela Lei n° 9.708/1998, permite a sua substituição por apelidos públicos notórios, mas não faz nenhuma menção direta aos transexuais;, a Lei de Introdução ao Código Civil, que em seu artigo 4° dispõe que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito" e no artigo 5°, que afirma que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum" e, por fim, a Lei Maior de nosso Estado, primeiramente, em seu artigo 3°, inciso IV, veda o preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e no artigo 5°, inciso X, garante que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas...".

Com a análise desses dispositivos legais podemos concluir que a alteração do nome não é possível, pois não encontra amparo na Lei bem como estará indo contra o princípio de que os registros públicos deverão ser precisos, regulares e expressarem da verdade e, ainda, ao promovermos essa alteração poderá haver o induzimento a erro de terceiros, que poderão estar se envolvendo com uma pessoa que acreditam ser genuinamente, se é podemos assim dizer, de um sexo e na realidade é ou já foi de outro, dependendo do ponto de vista de quem analisa os fatos. Em contrapartida, a não permissão dessa alteração ignora a vedação a qualquer forma de preconceito expressa em nossa Constituição, bem como as garantias dispostas no rol do artigo 5°, e ainda não estaremos atendendo o que dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil, não nos esquecendo que, segundo o Conselho Federal de Medicina, a cirurgia que promoveu a mudança de sexo foi realizada com o fim terapêutico, uma vez que o transexualismo é patologia.

Parece muito difícil achar uma solução justa para este fato, então Rosa Maria de Andrade Nery vem e nos diz que, se constatada a mudança de sexo, o registro deve fazer a acomodação, assim considerando que os documentos devem ser fiéis aos fatos da vida e considerando o dever de segurança dos registros públicos, deverá ser feita a adequação do nome ao novo sexo seguida de uma averbação sigilosa acerca da realização da cirurgia, podendo o eventual cônjuge, na ocasião do casamento, requerer uma certidão que constará tais informações, excluindo assim o induzimento a erro de terceiro e a exposição vexatória do transexual. Já Antônio Chaves afirma que não se pode fazer qualquer menção nos documentos, ainda que sigilosa, posto que a lei só admite a existência de dois sexos (o masculino e o feminino) e a lei veda qualquer discriminação, podendo o transexual, com base no parágrafo único do artigo 58 da Lei de Registros Públicos alterar seu prenome, substituindo-o por seu apelido público notório com que é conhecido no meio em que vive, ou seja, não se pode obrigar o transexual a carregar o estigma da transexualidade ao assumir a sua nova vida. Por fim, Maria Helena Diniz afirma que deve haver a adequação do prenome ao novo sexo sem qualquer espécie de referência discriminatória na carteira de identidade ou qualquer outro documento, pois isso impediria a sua plena integração social e afetiva e obstaria o direito ao esquecimento do estado anterior que lhe causou tanto sofrimento.

A religião e os transexuais

O judaísmo identifica as pessoas através dos órgãos genitais externos, sendo vedada a mutilação do órgão reprodutor, porém se por algum motivo ocorrer a mudança de sexo a pessoa continuará sendo identificada pelos seu sexo de origem, posto que o novo órgão não funciona plenamente.

O catolicismo prega que o ser humano deve conhecer e aceitar a sua condição sexual, pois trata-se da vontade de Deus, e aconselha tratamentos psicoterapêuticos para a solução da transexualidade, aceitando somente a cirurgia para mudança de sexo nos casos de hermafroditismo.

O islamismo, que permite a mutilação da genitália feminina a fim de que a mulher não tenha qualquer prazer sexual, não admite o homossexualismo, o travestismo e a transexualidade.

Curiosidades

Através da história tomamos conhecimento de que, desde muito tempo, já existia a transexualidade. Henrique III, da França, em 1577, chegou a comparecer perante os deputados vestido de mulher.

Charles de Beaumont, Chevalier d´Eon passou 49 anos de sua vida como homem e 34 anos como mulher e, considerado como rival de Madame Pompadour, chegou a ser utilizado por Luíz XV em missões secretas na Rússia e na Inglaterra, devendo nestas ocasiões estar vestido de mulher.

O Abade de Choisy era totalmente feminino, posto ter sido educado como se menina fosse, porém isso não impediu de ser o embaixador de Luiz XV em Sião. 

Referências bibliográficas

Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde - Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt1707_18_08_2008.html, acessado em 05 de abril de 2009.

Conselho Federal de Medicina - Disponível em http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1652_2002.htm, acessado em 05 de abril de 2009.

CROCE, Delton. CROCE JUNIOR, Delton. Manual de medicina legal. 5ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

Sobre o(a) autor(a)
Rafael Henrique Gonçalves Martines
Cursa o 5° ano da Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI). É redator no DireitoNet desde julho de 2007 e visa ingressar na carreira de Delegado de Polícia.
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