A admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos justificadas pelo princípio do livre convencimento motivado pelo juiz

A admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos justificadas pelo princípio do livre convencimento motivado pelo juiz

Analisa a admissibilidade das provas ilícitas com base no princípio do livre convencimento do juiz como fundamento nas sentenças quando for em benefício do réu.

I. INTRODUÇÃO

As provas no processo penal são o alicerce utilizado na demonstração da reprodução da verdade dos fatos ocorridos, para que o processo atinja seu verdadeiro fim, ou seja, compor litígios de forma justa. É repudiada a idéia de se punir um inocente.

A importância de tal fato se deve ao valor agregado às provas, principalmente no processo penal em que envolve um alcance social de suas conseqüências e valores individuais a serem protegidos.

Será através delas que o juiz num processo judicial vai formular o seu convencimento acerca da lide. Podendo se utilizar das variedades de formas admitidas no direito como a perícia, a oitiva de testemunhas, o depoimento das partes e da juntada de documentos.

As provas possuem um valor decisivo no processo, não na aplicação da pena, quanto na própria impulsão deste, posto que é através de indícios que assegurem a existência de um fato e a formação de culpa que se inicia um processo.

O criminal tem na prova o elemento determinador de sua atuação. É exigência vital a certeza para agir no campo do direito processual penal. Como define Eugenio Florian: “Prova é todo meio que produz um conhecimento certo ou provável acerca de qualquer coisa”.

Partindo dessa exposição da importância das provas e sua utilidade no processo e já prevendo a impossibilidade de obtê-la sempre por meios permitidos judicialmente, é que o jurista deve também admitir a existência das provas ilícitas no processo como meio de se obter a verdade.


II. AS PROVAS ILÍCITAS: SUA INADMISSIBILIDADE PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Segundo a constituição federal de 1988, as provas ilícitas não devem ser possíveis, pois estariam contrariando o que estabelece a mesma, no art. 5º, LVI, que explicita: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Veda-se a prova colhida com infração a normas ou princípios de direito material, sobretudo de direito constitucional, pois a problemática de prova ilícita se prende sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e garantias atinentes à intimidade, à liberdade, à dignidade humana.

Mas, também, de direito penal, civil, administrativo, onde já se encontram definidos na ordem infra constitucional outros direitos ou cominações legais que podem se contrapor às exigências de segurança social, investigação criminal e acertamento da verdade, tais os de propriedade, inviolabilidade, e outros.


III. O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

Com a influência da Carta Magna de 1988, a jurisprudência passou a adotar a absoluta inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, devendo ser desconsideradas dos autos do processo. Posicionamento encontrado em decisões, como por exemplo:

Ainda no sentido do destranhamento da prova ilícita: STF, RTJ162/3; 164/1010; ED n º 731-9, 9, j.22.5.96, DJU de 7.5.1996, pág. 19.857;STJ, RMS nº 8559 , Rel. Min. Vicente Cernicchiano; j. 12.6.1998, DJU de 3.8.1998, pág.328”

Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’ por ela estabelecida, possa o juiz, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS 21.750, 24.11.93, Velloso); conseqüente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta , nas quais se fundou a condenação do paciente. (HC nº 69912-0/RS, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D. J. 25.03.94, deferido, por maioria”.

Denúncia baseada em prova documental suficiente, além daquela contra a qual se insurge a interpretação (escuta telefônica). Pedido deferido, em parte, para determinar sejam extraídas dos autos as degradações irregularmente obtidas”. (STF-1ª T-HC-j.8.4.1996-Rel. Min. Octavio Gallotti- RTJ162/3660)”.

Então, a controvérsia acerca do assunto diz respeito sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e as garantias relativas à intimidade, à liberdade, à dignidade humana.

Ainda que seja discordante o fato de se considerar o uso das provas ilícitas, devem ser respeitados em primeiro momento os princípios constitucionais e os direitos fundamentais da pessoa, como o direito da intimidade, a efetividade do processo que deve atender a um interesse público de vasta relevância.

Questiona se deveria o juiz criminal absolver um criminoso ou condenar um inocente apenas porque não pode tomar conhecimento de um meio de prova obtido ilicitamente. O que deve ser feito nesse caso é obedecer ao princípio da presunção de inocência, ou seja, na falta de provas concretas em relação ao réu, o mesmo deve ser considerado inocente.

Apesar da grande massa da jurisprudência negar a viabilidade da prova ilícita, acredita-se que, baseado no princípio do livre convencimento motivado do juiz, se dar credibilidade a execução dessas provas, como afirma Tourinho Filho, quando considera possível a prova ilícita quando vier para beneficiar o réu ou seja para a defesa e ainda acha um não-senso sua inadmissibilidade.


IV. O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ

Esse princípio vai servir de base da análise desse artigo como pressuposto de admissibilidade das provas proferidas por meios ilícitos.

O princípio exposto, desde da época da Escola clássica do processo penal formou a exigência de uma tutela de liberdade individual, tendo no processo o caminho voltado a garantir o direito do acusado.

Os sistemas probatórios modernos utilizam esse princípio como um ponto de partida para o julgador expor o seu convencimento. Pacelli assim também se posiciona: “O livre convencimento motivado é regra de julgamento , a ser utilizada por ocasião da decisão final, quando se fará a valoração de todo o material probatório levado nos autos”.

O juiz deve tomar sua decisão baseada no seu convencimento desde que fundamente, explique o que decidiu. Deve declinar as razões que o levaram a optar por tal ou qual prova, fazendo-o com base em argumentação racional.

Já Mirabete, coloca em sua obra que a busca pela verdade real e o sistema do livre convencimento do juiz, que conduzem ao princípio da liberdade probatória levam também a doutrina a concluir que não se esgotam nos art. 158 a 250 do CPP os meios de provas permitidos na nossa legislação .

Mirabete tem um posicionamento menos radical, acreditando no entendimento tido pela doutrina nacional e estrangeira que é possível a utilização de prova favorável ao acusado ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, quando indispensáveis, e, quando produzida pelo próprio interessado (como a de gravação de conversação telefônica, em caso de extorsão, por exemplo), dar a idéia de legítima defesa, que exclui a ilicitude.

Hoje já se aplica o princípio da proporcionalidade e da ponderação quanto à inadmissibilidade da prova ilícita quando forem a única forma de defesa do réu, a doutrina já admite sua aplicação.

Nem o código de processo penal trata no seu capítulo referente às provas, desse tipo objeto da questão debatida.

E também se questionada as provas fruto de meios lícitos que obtidas através de meios ilícitos deveriam valer ou não pelo convencimento do juiz e se os elementos de prova que não devem ser admitidos no processo são aqueles e somente aqueles que decorram diretamente de uma fonte proibida.

O próximo ponto se destina a essa análise e outras direções que o poder que o juiz possui e às vezes não pode aplicá-lo baseado no seu direito relacionado ao seu livre convencimento.


V. A DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ NO JULGAMENTO

Se perguntasse o por quê de não se permitir que o julgador possa usar das provas ilícitas para compor o seu convencimento.

O juiz tem poder discricionário ao finalizar uma decisão, desde que toda a sua argumentação seja devidamente fundamentada. Não se pretende ir contra normas constitucionalizadas, mas ir a favor de quem pode ter apenas nas provas ilícitas a sua absolvição.

Apesar de que já existe doutrina a respeito do assunto tendendo a essa vertente. Muito raramente se acha uma jurisprudência a esse respeito como foi mostrado anteriormente. O que os juízes em sua maioria decidem é em favor do desentranhamento dessas provas dos autos processuais.

Se passasse a admiti-la, mesmo que em casos específicos, já poderia se tomar como uma vitória, desde que não ultrapassasse o Princípio da Dignidade Humana.

Sabe-se que essa posição é muito debatida, buscando a proteção dos direitos humanos, e o que os juristas alegam é que optando por essa flexibilidade poderia estar dando abertura para que sejam aceitas outras ilegalidades.

Mas poderia ser dado ao direito processual penal essa possibilidade como meio de se chegar a tão buscada verdade real.

Claro que a aceitação das provas ilícitas deveria ser condicionada ao réu como meio de causar-lhe benefício.

Pois, como o ônus da prova recai sobre o acusado, às vezes fica complicado apenas por meios lícitos conseguir provar que realmente não cometeu tal delito. Como se trata de fato passado, às vezes não existem testemunhas, nem documentos, como na calúnia, na defamação, por exemplo.

Assim, questiona o por quê de não poder se utilizar, por exemplo, de uma gravação feita anteriormente que o acusado de certa forma exclui a sua culpabilidade do caso em processo judicial.

Mas algumas melhorias nesse sentido já estão ocorrendo quando a atual jurisprudência, na vigência da lei nº 9296/96 tem decidido que não é ilícita a prova resultante de gravação de conversa telefônica realizada por um dos seus interlocutores, se a ela, são anexados outros elementos probatórios.

Essa é uma prova que ao juiz criminal é restituído à sua própria consciência. Apesar de juizes ainda concordarem que se não está nos autos não estão no mundo (quod non est in actis non est in mundo), ou seja, mesmo acreditando na veracidade de uma prova sendo ela formulada sem ser pelos meios legitimados, deve o juiz retirar dos autos e dar prosseguimento ao processo.

Até porque, se admite a quebra do sigilo telefônico e a interceptação telefônica, quando autorizada pelo juiz anteriormente a sua execução. Essa prova até então negada não poderia compor os autos, mas quando sofreu o aval, a liberação pelo juiz, passou a ter validade.

Leva-se também a uma nova análise sobre o real papel do juiz, que tem de julgar com as suas convicções, mas não pode utilizá-la da maneira que julga ser a melhor. Não se trata de utilizar as provas ilícitas para condenar, mas para absolver inocentes, pois na dúvida, não deve haver condenação penal do réu.

Não se quer com isso que sejam aceitas qualquer tido dessas provas, que por exemplo, viole domicílio.

Mas uma prova ilícita desentranhada dos autos não poderá compor o rol das provas que serão a base para o julgamento. E será que também de certa forma não permite que o juiz passe a olhar o processo por outro ângulo após a apresentação da mesma, mesmo que não possa ser objeto do seu fundamento? São questões em aberto e que não podem ultrapassar os limites do convencimento do juiz, da sua interpretação do caso, do que seria justo ou injusto, certo ou errado, mesmo que futuramente tenha, devido a inconstitucionalidade desse tipo de provas, não poder expressar, mas não deixará de formulá-lo dentro de si.


VI. CONCLUSÃO

O sistema probatório brasileiro não admite pela Carta Magna vigente, a utilização das provas ilícitas. São poucas as mudanças no sentido contrário, adotadas pela jurisprudência, mas que já trazem algum benefício ao réu, por exemplo, quando é o único meio de prova que o réu possui para se defender .

Mas, existe uma doutrina, que baseado no princípio do livre convencimento motivado do juiz, o julgador poderia utilizá-la como meio para poder proferir a sua sentença, para fundamentar a sua decisão.

Esses mesmos juristas acreditam, que as provas ilícitas não feririam o princípio da dignidade da pessoa humana desde que não violasse a sua individualidade. O livre convencimento motivado do juiz é um princípio que permite ao juiz julgar baseado na valoração que ele irá atribuir a todo material probatório levado aos autos.

Uma prova ilícita, geralmente, é desentranhada dos autos, mas se questiona até que ponto, racionalmente, essa prova, poderia influenciar no convencimento do juiz, mesmo que não possa colocá-la como fundamento do seu julgamento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1995.

DUCLERC, Elmir. Prova Penal e Garantismo: Uma investigação crítica sobre a verdade fática construída através do processo. Rio de Janeiro : Editora Lumen Júris, 2004.

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal, 5ªed. São Paulo: Editora Saraiva,2003.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as Provas Ilicitamente Obtidas. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 13, p. 216-226, jan./mar. 1996.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 

PARIZATTO, João Roberto. Comentários À Lei nº 9.296, de 24-07-96. Interceptação de Comunicações Telefônicas. São Paulo: LED de Direito, 1996.

RANGEL, Ricardo Melchior de Barros. A prova ilícita e a interceptação telefônica no direito processual penal brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

VASCONCELOS, Anamaria Campos Torres de. Prova no Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1992.

Sobre o(a) autor(a)
Ana Paula Guimaraes Borges
Estudante de Direito
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Artigos relacionados

Leia mais artigos sobre o tema publicados no DN

Notícias relacionadas

Veja novidades e decisões judiciais sobre este tema

Resumos relacionados Exclusivo para assinantes

Mantenha-se atualizado com os resumos sobre este tema

Testes relacionados Exclusivo para assinantes

Responda questões de múltipla escolha e veja o gabarito comentado

Guias de Estudo relacionados Exclusivo para assinantes

Organize seus estudos jurídicos e avalie seus conhecimentos

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.430 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos