Prova ilícita: A possibilidade da sua aplicação no Processo Penal

Prova ilícita: A possibilidade da sua aplicação no Processo Penal

Analisa a possibilidade da aplicação de provas ilícitas no processo penal a partir de algumas correntes doutrinárias.

1. INTRODUÇÃO

Na formação do “ente de razão” da autoridade jurisdicional é preponderante o convencimento, que se poderia definir como o entendimento do que constitui prova da ocorrência de um ilícito penal e de quem é a autoria do crime. O convencimento da verdade dos fatos nutrirá a caracterização da existência de responsabilidade criminal que cominará na imposição da sanção penal.

É do conhecimento geral que “na lide” a verdade é sacrificada em prol do interesse, portanto, não se pode levar em consideração a “verdade do autor”, até porque efêmera, logo contraposta pela “verdade do réu”. Assim, a autoridade, eqüidistante das alegações, busca nas provas a veracidade das mesmas, à vista dos elementos pretéritos apresentados. A prova é, portanto, o elemento de convicção do juiz para dirimir a controvérsia da contenda.

As restrições impostas pelo artigo 155 do Código de Processo Penal, parecem conformadas às provas relativas ao estado das pessoas, no mais, estabelece diversas outras formas de se buscar a verdades dos fatos tais como a perícia, os documentos, as testemunhas, as declarações do ofendido, o interrogatório e ou a confissão do réu, indícios os mais diversos e outras formas indiretas de produção probatória.

Todavia, o progresso tecnológico irreversível, nos impõe não apenas a refletir, mas a acatar outros meios de prova não previstas pelo legislador da década de 40. Naquela época, ainda não havia se popularizado a fotografia, as cópias xerográficas, os gravadores, a comunicação telefônica. A admissão dessas provas já foi cogitada pelo constituinte de 1988, entretanto, cercadas de restrições e cautelas de forma a não colidirem direitos e garantias constitucionais.

O legislador constituinte de 1988, deu status constitucional a diversos institutos do processo penal dando-lhes um caráter eminentemente acusatório e albergando-os sob o manto dos princípios da ampla defesa, do contraditório, da legalidade, e, acima de tudo, situando o direito de liberdade de locomoção, liberdade de informação e expressão e o direito à intimidade.

Assim nomeado, o princípio da legalidade torna-se o pilar do edifício jurídico dos preceitos constitucionais elencados no capítulo dos direitos e garantias individuais, consagrando o entendimento da previsão legal como pedra fundamental a qualquer ato capaz de atingir a esfera jurídica alheia.

É no capítulo dos direitos e garantias onde o legislador constitucional estabelece as cláusulas sobre o direito à liberdade em todo seu espectro, e especialmente, no que tange à liberdade de informação, comunicação e expressão, tão caros à nossa inserção na civilização atual.

Ao enfatizar essa garantia elevou à categoria constitucional o direito à intimidade e privacidade. Para tanto reforçou diversas normas do direito processual penal relativo às provas, asseverando a inadmissibilidade daquelas obtidas por meio ilícito.


2. PROVAS ILÍCITAS

O que vem a ser prova ilícita? É aquela que para sua obtenção há violação de norma de direito constitucional e, até mesmo, de direito material, isto é, a prova é ilícita quando obtida com desrespeito a um direito tutelado a determinada pessoa, independentemente do processo.

Importante salientar a distinção feita, pela doutrina, entre a prova ilícita e a ilegítima. Se a ilegítima era expressamente vedada pela legislação processual penal, a exemplo do citado no artigo 233: “as cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo”. Então, todas as demais provas obtidas com violação de princípios constitucionais e normas de direito material, como por exemplo, o depoimento conseguido mediante tortura, a busca domiciliar sem mandado judicial, o detector de mentiras etc., eram, por sua vez, consideradas ilícitas. Atualmente, uma e outra espécie de prova estão abrangidas pela proibição advinda da Carta Magna, valendo a distinção, tão-somente, para fins didáticos, pois, nos dois casos, haverá manifesta ilegalidade.

A atualíssima ilicitude da prova obtida através da interceptação telefônica, também foi motivo de preocupação no âmbito constitucional, como sendo uma das suas espécies e mereceu disposição no artigo 5º, XII: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Nesse sentido, o legislador, prudente na quebra dessa garantia constitucional, condicionou à prévia autorização judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nos termos exatos que dispuser lei ordinária, cuja superveniência tornou-se condição de aplicabilidade do dispositivo constitucional. Adveio, pois, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, estabelecendo as hipóteses de autorização para a interceptação de comunicação telefônica, do fluxo de comunicação em sistemas de informática e telemática, exigindo do juiz uma decisão fundamentada a respeito.

Do estudo das provas se pode inferir que como limitador ao princípio universal da ampla defesa encontra-se a forma de como as provas da defesa são obtidas. Limita-se, portanto, o processo legal à produção de provas lícitas e legítimas. Não se dará guarida a provas obtidas de forma vil, nem se lucrará da sua própria torpeza.

Haveria de se pensar que em razão da relevância de algumas provas para o deslinde de determinada causa penal elas fossem admitidas, no processo, independente da forma como foram obtidas. Todavia, a doutrina vem, ao longo do tempo, firmando orientação pela inadmissibilidade dessas provas. Sacrifica-se, assim, o princípio da verdade real em favor da vedação absoluta da prova obtida por meio ilícito. Ainda que sob ameaça da impossibilidade da apuração de uma infração penal de maior gravidade, um juiz, não poderá valer-se, sob qualquer pretexto, de prova obtida por meio ilícito para proferir sentença condenatória, mesmo que à sombra daquela prova fique irrefutável o aclaramento da lide e a culpa do acusado.

Assim, deu-se margem, amplitude e abrangência à doutrina e a jurisprudência quando adentrou-se também nos rumos da proibição do que convencionou-se chamar de “prova ilícita por derivação”, que, materializa-se quando se propicia o conhecimento de dados, informações ou outras provas, de maneira lícita, como conseqüência daquelas que se obteve ilicitamente.

Um bom exemplo de prova ilícita por derivação é o da confissão extorquida mediante tortura, na qual o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido. Outro exemplo, o caso da interceptação telefônica clandestina, por intermédio da qual o órgão policial descobre uma testemunha do fato, que acaba por incriminar o suspeito, ou imputado.


3. A PRODUÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL: CORRENTES DOUTRINÁRIAS

Ao longo da história, o que se encontra é um dissenso doutrinário e jurisprudencial a respeito da admissibilidade da prova obtida de maneira ilícita.

Questiona-se: seria possível afastar de um processo prova relevante e eficaz, que pode levar à descoberta da verdade no processo penal, pelo fato de ser ela colhida com infringência à norma material? Ou, ao contrário, essa prova deveria ser produzida e valorada, apenas punindo-se, pelo ilícito penal, civil ou administrativo cometido, quem a tivesse obtido de forma ilícita?

É essa a dúvida existente nos ordenamentos jurídicos, que reflete o dilema de preferir-se que o crime assim apurado permaneça impune, ou de que a prova ilegalmente colhida seja produzida em juízo.


3.1. Pela admissibilidade processual das provas ilícitas

Parte minoritária da doutrina sustenta que a prova ilícita somente pode ser afastada do processo se o próprio ordenamento processual assim o determinar.

Desse modo é que a prova ilícita apenas encontrará sanção processual quando for também ilegítima. Fora daí sua admissibilidade é examinada apenas pelas normais processuais, não se indagando, nessa momento, acerca da ilicitude da qual se originou, e que ensejará a punição de seu autor no plano do direito material violado.

Para os que assim se posicionam, o problema jurídico da admissibilidade da prova não diz respeito à maneira pela qual ela foi obtida: o importante é verificar se sua introdução no processo é consentida, sendo irrelevante a consideração do uso dos meios utilizados para colhê-la.

Assim, como o objetivo do processo é a descoberta da verdade real, acredita-se que, se a prova ilegalmente obtida ostentar essa verdade, seja ela aceita. Nesse caso, haverá de ser instaurada, contra aqueles que obtiveram a prova de forma ilícita, o devido processo penal, de forma a apurar a infração cometida.


3.2. Pela inadmissibilidade processual das provas ilícitas

Parte majoritária da doutrina sustenta que a prova ilícita deve ser rejeitada, mesmo quando inexista norma processual que a considere inadmissível. É o caso, porque a Constituição Federal de 1988 afastou do processo brasileiro a admissibilidade das provas ilícitas, art. 5º, LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Entende-se daí que a Carta Magna brasileira considera a prova materialmente ilícita também processualmente ilícita.

A inadmissibilidade das provas é uma norma assecuratória que se presta a tutelar direitos e garantias individuais, bem como a qualidade do material probatório a ser introduzido e valorado no processo.

Quando o legislador constituinte estabeleceu como direito e garantia fundamental a inadmissibilidade das provas obtidas de forma ilícita, teve a intenção de limitar o princípio da liberdade da prova, ou seja, o juiz é livre para investigar os fatos – verdade real –, porém esta investigação encontra limites dentro de um processo ético movido por princípios políticos e sociais que tem por objetivo a manutenção de um Estado Democrático de Direito.

A prova ilícita está na categoria da prova vedada, que, se admitida e valorada pelo juiz em sua sentença, acarretará nulidade desse ato processual.


3.3. Teoria da proporcionalidade e prova ilícita “pro reo”

A teoria dominante, a da inadmissibilidade das provas colhidas com infringência às garantias constitucionais, tem sido atenuada por outra tendência, que adota o critério da proporcionalidade ou da razoabilidade, pelo qual, em determinados casos, pode-se admitir a prova obtida de forma ilícita, levando-se em conta a relevância do interesse público a ser protegido e preservado.

Assim, quando há conflito entre princípios constitucionais igualmente relevantes recomenda-se a utilização do critério hermenêutico que se baseia na ponderação de bens. É nesse momento que se fala em proporcionalidade, qual seja, a aplicação da proteção mais adequada possível a um dos direitos em risco, de forma que seja menos gravosa ao outro. Para os defensores dessa corrente, a prova obtida por meio ilícito é inconstitucional, por conseqüência, ineficaz como prova.

Mas, essa proibição é mitigada de maneira a admitir a prova viciada, isso em caráter excepcional e em casos graves, se sua obtenção e admissão puder ser considerada como a única forma, possível e razoável, para proteger outros valores fundamentais considerados mais urgentes na concreta avaliação do caso. Como exemplo, tem-se a prova, aparentemente ilícita, colhida pelo próprio acusado e, nesse caso, a ilicitude é eliminada por causas legais, como a legítima defesa.

A questão da proporcionalidade assume grandes dimensões. A França e a Inglaterra já positivaram norma que admite prova obtida ilicitamente no processo, porém punem os responsáveis pela sua produção. Os EUA, baseando-se no critério da razoabilidade, também admitem as provas ilícitas em caráter excepcional.

Portanto, a teoria da proporcionalidade deve ser vista com reservas, porque grande a margem de subjetividade na apreciação dos valores conflitantes. Ressalte-se que a existência de um critério objetivo estimularia a prática da ilegalidade, quando se conhecesse previamente a possibilidade do aproveitamento da prova.


4. CONCLUSÃO

É relevante o poder de dirimir dúvidas através da determinação de diligências ex-officio, que tem um juiz, na sua procura da verdade e na incessante busca de um “ente de razão” que contemple a satisfação com a verdade formal do processo, como também manter-se adstrito aos princípios do direito, em especial ao princípio da legalidade, carregando a responsabilidade de sentenciar, de forma que não fira sua consciência e não o transforme num inquisidor.

Mas, existem “provas” e provas! Existem aquelas vedadas, dentre as quais, as ilícitas. E, a forma jurídica de se tê-las insuspeitas, é o que afinal será o suporte garantidor do direito dos litigantes, implicando em limitações ao objeto da prova e a maneira utilizada na sua colheita.

Em se tratando de albergar provas ilícitas no processo, não há doutrinariamente um consenso. Existe corrente de entendimento, de que a vedação constitucional à aceitação da prova ilícita, e também da prova ilícita por derivação, deve ceder nos casos em que a sua observância intransigente leve a lesão de um direito fundamental ainda mais valorado.

Excetua-se aí, a interceptação telefônica autorizada por ordem judicial, contemplada pelo legislador constituinte de 1988, no artigo 5º da Carta Magna, que, por sua vez, limita sua hipótese de admissibilidade probante para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Para finalizar, se o provimento jurisdicional definitivo lastrear-se-á nas provas obtidas pela realização do devido processo legal, com respeito a todos os direitos e garantias constitucionais, isto é, nas provas lícitas que não ofendam ao direito material e aos postulados insertos na Carta Política, então, a quem tem a função de julgar, recomenda-se o prudente arbítrio, o “caminho do meio”, pois a ele compete, também, examinar o cabimento da aplicação da teoria da proporcionalidade para, sem dar fuga à inteligência da norma, temperar o rigor da inadmissibilidade da prova ilícita. Mesmo porque, pelo sistema constitucional vigente não há como se falar em garantia absoluta, extremada e isenta de restrição decorrente do respeito que deve ter outras garantias de igual ou superior relevância.


5. REFERÊNCIAS

GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002.

Sobre o(a) autor(a)
Desirée Brandão Muller
Estudante de Direito
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