Não cabe execução fiscal contra gerente que deixou a empresa sem dar causa à posterior dissolução irregular

Não cabe execução fiscal contra gerente que deixou a empresa sem dar causa à posterior dissolução irregular

Em julgamento de recursos repetitivos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que o "redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercesse poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme o artigo 135, III, do Código Tributário Nacional (CTN)".

Com esse entendimento, o colegiado negou a pretensão da Fazenda Nacional, que sustentava a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio que exercia a gerência ao tempo do fato gerador do tributo, mas se retirou da empresa antes de sua dissolução irregular.

Para a relatora do Tema 962, ministra Assusete Magalhães, a Súmula 430 do STJ – segundo a qual "o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente" – explicita que a simples falta de pagamento do tributo não acarreta automaticamente a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no artigo 135 do CTN.

Segundo a magistrada, é indispensável, para tanto, que ele tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa (Tema 97 do STJ).

Autonomia patrimonial da pessoa jurídica

A relatora explicou que essa conclusão é consequência da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. "Se, nos termos do artigo 49-A, caput, do Código Civil, 'a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores', decorre que o simples inadimplemento de tributos não pode gerar, por si só, consequências negativas no patrimônio dos sócios", afirmou.

Na sua avaliação, no entanto, a autonomia patrimonial não é um fim em si, um direito absoluto. Por isso mesmo, observou, a legislação – inclusive a civil, comercial, ambiental e tributária – estabelece hipóteses de responsabilização dos sócios e administradores por obrigações da pessoa jurídica.

Assusete Magalhães citou como exemplo o inciso III do artigo  135 do CTN, bem como a previsão jurisprudencial de que "a não localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular", o que torna possível a "responsabilização do sócio-gerente, a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder" (Súmula 435).

Tese reflete entendimento consolidado na jurisprudência

Segundo a ministra, a jurisprudência é firme ao não admitir o redirecionamento da execução baseada em dissolução irregular contra o sócio que, mesmo exercendo a gerência ao tempo do fato gerador, mas sem ter incorrido em excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, afastou-se regularmente da empresa antes de sua dissolução irregular, à qual não deu causa.

Para a magistrada, a responsabilidade pelo débito tributário deve recair sobre aquele que pratica o fato ensejador da responsabilidade, "ou seja, não tendo o ex-sócio concorrido para a dissolução irregular da pessoa jurídica executada, não pode ele ser responsabilizado por esse fato", declarou.

A relatora ressalvou dessa conclusão os casos de fraude, simulação e ilícitos análogos na dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, bem como as hipóteses em que o sócio-gerente que se retirou tenha praticado, quando do fato gerador, ato com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.377.019 - SP (2013/0013437-2)
RELATORA : MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECORRIDO : MOVÉIS HENRIQUE LTDA
ADVOGADO : NILTON DA ROCHA - SP048201
RECORRIDO : DOMINGOS SAVIO DA ROCHA
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
AGRAVANTE : FAZENDA NACIONAL
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
AGRAVADO : MOVÉIS HENRIQUE LTDA
ADVOGADO : NILTON DA ROCHA E OUTRO(S) - SP048201
AGRAVADO : DOMINGOS SAVIO DA ROCHA
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
INTERES. : LAURINDO DE PAULA SANTOS E OUTRO
INTERES. : ASSOCIACAO BRASILEIRA DO AGRONEGOCIO - "AMICUS
CURIAE"
ADVOGADO : FABIO PALLARETTI CALCINI E OUTRO(S) - SP197072
INTERES. : COLÉGIO NACIONAL DE PROCURADORES GERAIS DOS
ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL - "AMICUS CURIAE"
PROCURADORES : PAOLA AIRES CORRÊA LIMA - DF013907
CARLOS DA COSTA E SILVA FILHO - RJ081889
ULISSES SCHWARZ VIANA E OUTRO(S) - DF030991
DAVID LAERTE VIEIRA - AC002468
HELDER BRAGA ARRUDA JUNIOR - AL011935B
VIVIANE RUFFEIL TEIXEIRA PEREIRA - DF053464
LUDIANA CARLA BRAGA FAÇANHA - CE016003
EMENTA
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA DE NATUREZA REPETITIVA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO
FISCAL, NA HIPÓTESE DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA PESSOA JURÍDICA
EXECUTADA. IMPOSSIBILIDADE DE SER CONSIDERADO COMO RESPONSÁVEL
TRIBUTÁRIO O SÓCIO OU O TERCEIRO NÃO SÓCIO QUE, APESAR DE EXERCER A
GERÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA EXECUTADA, À ÉPOCA DO FATO GERADOR, DELA
REGULARMENTE SE AFASTOU, SEM DAR CAUSA À SUA POSTERIOR DISSOLUÇÃO
IRREGULAR. TEMA 962/STJ. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73,
aplicando-se, no caso, o Enunciado Administrativo 2/2016, do STJ, aprovado na sessão
plenária de 09/03/2016 ("Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/73 (relativos a
decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de
admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça"). Com o advento do CPC/2015, o rito de
processo e julgamento dos recursos especiais repetitivos passou a ser estabelecido nos
arts. 1.036 a 1.041 do referido diploma normativo, aplicáveis ao caso. Em consonância com o
disposto no art. 1.036, § 5º, do CPC/2015 e no art. 256, caput, do RISTJ, previu-se a
necessidade de afetação de dois ou mais recursos representativos da controvérsia, exigência
cumprida, no caso, em razão de também terem sido afetados os Recursos Especiais
1.787.156/RS e 1.776.138/RJ, que cuidam do mesmo tema 962/STJ.
II. No acórdão recorrido, ao manter a decisão monocrática do Relator, em 2º Grau, que, com
fundamento no art. 557, caput, do CPC/73, negara seguimento ao Agravo de Instrumento
interposto pela Fazenda Nacional, o Tribunal de origem confirmou o decisum que, nos autos
da Execução Fiscal, havia indeferido o requerimento de inclusão, no polo passivo do feito
executivo, de sócio que, embora tivesse poder de gerência da pessoa jurídica executada, à
época do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração
à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se afastara, sem dar causa,
portanto, à sua posterior dissolução irregular. O acórdão recorrido não registra e a recorrente
não alega a prática de qualquer ato ilícito, pelo ex-sócio, quando da ocorrência do fato
gerador. No Recurso Especial a Fazenda Nacional sustenta a possibilidade de
redirecionamento da execução fiscal, na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica
executada, contra o sócio que exercia a sua gerência ao tempo do fato gerador e dela
regularmente se retirara, antes da sua dissolução irregular, não lhe dando causa.
III. A controvérsia ora em apreciação, submetida ao rito dos recursos especiais repetitivos,
nos termos dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC/2015, restou assim delimitada: "Possibilidade de
redirecionamento da execução fiscal contra o sócio que, apesar de exercer a gerência da
empresa devedora à época do fato tributário, dela regularmente se afastou, sem dar causa,
portanto, à posterior dissolução irregular da sociedade empresária" (Tema 962/STJ).
IV. A Primeira Seção do STJ, ao julgar, sob o rito dos recursos repetitivos, o Recurso
Especial 1.101.728/SP (Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe de 23/03/2009), fixou a
tese de que "a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese,
circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do
CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei,
ao contrato social ou ao estatuto da empresa" (Tema 97 do STJ). No mesmo sentido dispõe
a Súmula 430/STJ ("O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si
só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente").
V. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, à luz do art. 135, III, do CTN, não se
admite o redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da
pessoa jurídica executada, contra o sócio e o terceiro não sócio que, embora exercessem
poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem a prática de ato com excesso de
poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retiraram
e não deram causa à sua posterior dissolução irregular. Precedentes do STJ: EREsp
100.739/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJU de 28/02/2000; EAg
1.105.993/RJ, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de
01/02/2011; AgRg no Ag 1.346.462/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA
TURMA, DJe de 24/05/2011; REsp 1.463.751/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
SEGUNDA TURMA, DJe de 25/09/2014; AgRg no AREsp 554.798/SC, Rel. Ministro SÉRGIO
KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/09/2014; AgRg no REsp 1.441.047/RS, Rel. Ministro
MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/09/2014.
VI. A própria Fazenda Nacional, embora, a princípio, defendesse a responsabilização do
sócio-gerente à época do fato gerador, curvou-se à tese prevalecente no Superior Tribunal de
Justiça, como se depreende da alteração da Portaria PGFN 180/2010, promovida pela
Portaria PGFN 713/2011.
VII. Tese jurídica firmada: "O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na
dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência,
não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora
exercesse poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de
atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos,
dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular,
conforme art. 135, III, do CTN."
VIII. Caso concreto: Recurso Especial improvido.
IX. Recurso julgado sob a sistemática dos recursos especiais representativos de controvérsia
(art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e art. 256-N e seguintes do RISTJ).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
aprovar a seguinte tese jurídica: "O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na
dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não
pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercesse poderes
de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de
poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e
não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme art. 135, III do CTN." e, no caso
concreto, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra
Relatora.
Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt
(Desembargador convocado do TRF-5ª Região), Francisco Falcão, Herman Benjamin, Og
Fernandes, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com a Sra. Ministra
Relatora.
Dra. MARISE CORREIA DE OLIVEIRA, pela parte RECORRENTE: FAZENDA
NACIONAL, Dr. FABIO PALLARETTI CALCINI, pela parte INTERES.: ASSOCIACAO
BRASILEIRA DO AGRONEGOCIO e Dr. CARLOS DA COSTA E SILVA FILHO, pela parte
INTERES.: COLÉGIO NACIONAL DE PROCURADORES GERAIS DOS ESTADOS E DO
DISTRITO FEDERAL.
Brasília (DF), 24 de novembro de 2021 (data do julgamento).
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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