Vítima de assédio sexual em transporte público pode propor ação contra concessionária
Nos casos de assédio sexual contra usuária de transporte público – praticado por outro usuário no interior do veículo –, a vítima poderá propor ação de indenização contra a concessionária que administra o sistema. Nessas hipóteses, a depender do conjunto de provas e do devido processo legal, poderá ser considerada a conexão entre a atividade do prestador do serviço e o crime sexual.
Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o retorno para o primeiro grau de uma ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por vítima de atos libidinosos praticados por outro passageiro dentro de vagão de metrô da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, as alegações da autora da ação preenchem de forma satisfatória os requisitos de legitimidade e interesse de agir.
“Sem antecipar qualquer juízo de valor entre o caso concreto, ausente ainda qualquer precedente na corte por caso similar, é possível, a meu ver, que o ato libidinoso/obsceno que ofendeu a liberdade sexual da usuária do serviço público de transporte – praticado por outro usuário – possa, sim, após o crivo do contraditório e observado o devido processo legal, ser considerado conexo à atividade empreendida pela transportadora”, observou.
O ministro explicou que, no caso analisado, a legitimidade extrai-se do fato de a demandante ter pleiteado indenização da fornecedora do serviço público imputando-lhe ato omissivo, por não ter adotado todas as medidas possíveis para garantir sua segurança dentro do vagão de metrô. Salomão destacou também que o interesse processual se revela em razão da notória resistência da transportadora em assumir a responsabilidade por atos praticados por usuários em situações similares.
Responsabilidade objetiva
Na petição inicial, a mulher – que na época era menor de idade – sustentou ser indiscutível a responsabilidade objetiva da CPTM, que teria faltado com seu dever de garantir a segurança dos usuários. Ela pediu indenização por dano moral e pagamento de ressarcimento pelo não cumprimento do contrato de transporte, já que, depois de sofrer o assédio, não terminou a viagem.
O magistrado de primeiro grau indeferiu o pedido, julgando extinto o feito sem resolução do mérito. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença por considerar que a prática de infração criminosa por terceiros no interior de trens é fato que extrapola o serviço de transporte prestado pela concessionária, não sendo possível falar em responsabilidade objetiva.
Para Salomão, não é possível duvidar da responsabilidade objetiva da concessionária por quaisquer danos causados aos usuários, desde que atendido o pressuposto do nexo de causalidade, o qual pode ser rompido por razões como fato exclusivo da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior.
“Na espécie, as instâncias ordinárias consideraram que, por ter sido o ato libidinoso (chamado, popularmente, de ‘assédio sexual’) praticado por terceiro usuário, estaria inelutavelmente rompido o nexo causal entre o dano sofrido pela vítima e o alegado descumprimento do dever de segurança/incolumidade atribuído à transportadora”, explicou o ministro.
Salomão citou ainda decisão do Supremo Tribunal Federal segundo a qual a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público ostenta responsabilidade objetiva em relação aos usuários de serviço público.
O relator argumentou que dispositivos do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor também preceituam que o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas, sendo passíveis de reparação os danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.
Prestador de serviço
Luis Felipe Salomão afirmou ainda que, no que diz respeito às empresas de transporte de pessoas, a jurisprudência do STJ tem adotado o entendimento de que o fato de terceiro que apresente vínculo com a organização do negócio caracteriza fortuito interno, o que não exclui a responsabilidade objetiva do prestador do serviço.
“Cumpre, portanto, ao Judiciário aferir se, uma vez ciente do risco da ocorrência de tais condutas inapropriadas no interior dos vagões, a transportadora pode ou não ser eximida de evitar a violência que, de forma rotineira, tem sido perpetrada em face de tantas mulheres”, observou.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL nº 1094649 - SP (2017/0099743-0)
RELATOR : MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO
AGRAVANTE : ARIANE DOS SANTOS LIMA
ADVOGADOS : MARIANA DE CARVALHO SOBRAL - SP162668
: MARCELO RODRIGUES BARRETO JÚNIOR - SP213448
: DENISE FORMITAG LUPPI E OUTRO(S) - SP228850
: RAFAEL HENRIQUE DE SOUZA - SP346085
AGRAVADO : COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SEM000000
DECISÃO
1. Cuida-se de agravo interposto por ARIANE DOS SANTOS LIMA contra
decisão que não admitiu o seu recurso especial, por sua vez manejado em face de
acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, assim
ementado:
Ação de indenização por danos morais Alegação de assédio sexual dentro do
vagão da apelada Ato praticado por terceiro, o que afasta a responsabilidade
objetiva Inexistência de nexo causal - Indeferimento da petição inicial - Aplicação do art. 252 do Regimento Interno do E.
TJSP Sentença ratificada Apelação não provida.
Nas razões do recurso especial, aponta a parte recorrente ofensa ao
disposto nos arts. 186 do CC; 14 do CDC.
Alega, em síntese, que "em decorrência do fato sofrido nas dependências a
Recorrida, a Recorrente sofreu muitos transtornos e abalos, pois houve uma violação à
intimidade e à vida privada, o que dá suporte à indenização pelo dano moral".
E continua:
Em sua exordial, restou claro e evidente que a responsabilidade da Recorrida
está configurada pela falta de segurança nas suas dependências, e pela
desídia da Recorrida pois se houvesse segurança no interior das
composições a Recorrente não teria sido molestada, e não teria sofrido sério
abalo moral em seu íntimo.
As informações prestadas pela Recorrente são verídicas, conforme
depreende-se pelo BO juntado aos autos, bem como documentos juntados
na exordial.
Defende tratar-se de responsabilidade objetiva.
É o relatório.
DECIDO.
2. Em face das circunstâncias que envolvem a controvérsia e para melhor
exame do objeto do recurso, com fundamento no artigo 34, inciso VII, do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça, DOU PROVIMENTO ao presente agravo para
determinar a sua conversão em recurso especial, sem prejuízo de novo exame acerca
de seu cabimento, a ser realizado no momento processual oportuno.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 31 de maio de 2017.