O Brasil engata marcha a ré com o aumento do IPI de automóveis

O Brasil engata marcha a ré com o aumento do IPI de automóveis

O Decreto 7.567/11, que regulamenta os artigos 5º e 6º da Medida Provisória nº 540, de 2 de agosto, aumentando em trinta pontos percentuais a alíquota do Imposto Sobre Produtos Industrializados-IPI do setor automotivo, é inconstitucional.

O sucesso no cenário internacional que o Brasil tem experimentado nos últimos anos só pode ser explicado pela conjunção de diversos fatores. Dois deles, porém, são preponderantes: as altas taxas de juros e a estabilidade na condução da política econômica. O investidor busca ganho e segurança. É a velha história: quanto menor a segurança, maior tem que ser o ganho para compensar o risco inerente.

Em ritmo lento e constante, não sem algumas derrapadas, mas seguindo uma direção segura a partir da Constituição Federal de 1988, o País vem demonstrando evolução, chegando a convencer diversos especialistas de que atingiu um grau de maturidade tal que certas palavras-pesadelo, como moratória, calote, parecem coisa definitivamente do passado. Isso é lá com a Venezuela, agora! O Brasil não mais!

Várias crises mundiais foram atravessadas de braçada nos últimos anos, deixando a imagem brasileira fortalecida. Nada mais de pacotes econômicos indigestos e arbitrariedades. A segurança jurídica parece inquestionável.

Parecia!

Com uma única assinatura, semana passada, o Governo Federal tratou de deixar de orelha em pé todos aqueles que estavam se habituando a acreditar na seriedade do País. O Decreto 7.567, publicado no último dia 16, veio regulamentar os artigos 5º e 6º da Medida Provisória nº 540, de 2 de agosto, aumentando em trinta pontos percentuais a alíquota do Imposto Sobre Produtos Industrializados-IPI do setor automotivo. E, ao mesmo tempo, concedendo redução de - claro! - trinta pontos percentuais às montadoras nacionais e empresas enquadradas num rol bastante criativo de particularidades.

Ocorre que o aumento, com vigência imediata à publicação, é inconstitucional.

Primeiramente, porque o IPI, embora sendo um imposto de caráter extrafiscal, portanto regulador de mercado, está sujeito à anterioridade nonagesimal prevista no artigo 150, III, "c", da Carta Magna, ou seja, precisa respeitar um prazo de noventa dias entre a data de sua publicação e a efetiva majoração da alíquota. Medida natural, totalmente em sintonia com o que o mundo espera de uma Nação séria, visa evitar aquela desagradável surpresa com a qual foram brindados vários contribuintes no café da manhã da última sexta-feira: a descoberta de que os automóveis embarcados ou mesmo já armazenados nos portos brasileiros, mas ainda sem registro de Declaração de Importação, estavam imediatamente mais caros. MUITO mais caros!

Para piorar, o referido Decreto regulamenta uma Medida Provisória ainda não convertida em lei, o que confunde ainda mais a cabeça do empresário, que além de não ver respeitados os noventa dias da anterioridade constitucional, se pergunta o que fazer, ante a possibilidade da MP não ser aprovada no Congresso Nacional no prazo legal de sessenta dias prorrogáveis uma única vez por igual período. O que fazer? Pagar o IPI mais alto e honrar os compromissos, com enorme prejuízo, ou aguardar a intervenção do Poder Legislativo - ou mesmo do Judiciário -, deixando as mercadorias nos portos, também com enorme prejuízo? É perder ou perder!

Até então, a medida já dava claras indicações de trazer resquícios de tempos que o mundo aprendeu a esquecer sobre a política econômica brasileira.

Mas não é só.

Esse subsídio disfarçado às montadoras nacionais, essa isenção mal resolvida - afinal, para diversos veículos, reduz o IPI de 30% para 0% -, fere ainda o que dispõe o artigo 150, §6º, da Constituição Federal, que exige lei específica para tal. Lei específica! Não Medida Provisória, que, como o nome diz, provisoriamente tem força de lei. 

E não para por aí.

Ao resgatar o arcaico Decreto-Lei nº 1.199/71, embolorado dispositivo dos tempos nada memoráveis da ditadura - de onde mais seria? - que em seu artigo 4º, a nosso ver não recepcionado pela CF/88, prevê a possibilidade de um aumento de trinta pontos percentuais nas alíquotas do IPI "quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental", o Governo se viu obrigado a adequá-lo a seus reais interesses, quais sejam, ferir apenas os importadores independentes e as montadoras sem fábrica no País, e lançou mão de um recurso temerário, o ataque à tão almejada isonomia tributária.

Para tanto, deixou para trás outra regra Constitucional, o inciso II do referido artigo 150, que proíbe a União de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Situação equivalente como, por exemplo, a dos importadores de automóveis.

A MP 540 e o Decreto 7.567/11 não merecem prosperar, acreditamos que não terão vida longa.

Só que o estrago já foi feito!

A imagem de País sério e compromissado com a segurança jurídica, que o Brasil vinha conseguindo lentamente emplacar no cenário internacional, está abalada.

O Governo engatou marcha a ré!

Sobre o(a) autor(a)
João M. R. R. S. G. Affonso
Bacharelando em Direito pela FADITU, especialista em Comércio Exterior há mais de 20 anos.
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