Intervenção direta do Estado no domínio econômico e discricionariedade administrativa

Intervenção direta do Estado no domínio econômico e discricionariedade administrativa

Analisa a discricionariedade que os conceitos jurídicos indeterminados presentes no art. 173 da CF dão ensejo; o risco que podem representar para o domínio econômico e a falta de uma maior delimitação legal no trato da matéria.

1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos tempos, os incumbidos da elaboração e colocação das leis em vigência vêm buscando alcançar uma legislação em que o processo de adequação das normas aos anseios sociais seja pouco traumático e flua de uma maneira mais dinâmica e natural.

Ao se analisar os pressupostos de intervenção direta do Estado no domínio econômico, é possível se constatar que a utilização de certos conceitos jurídicos indeterminados é benéfica ao sistema pelo fato de proporcionar uma margem mais extensa de adaptação às situações futuras.

Em contrapartida, pode se considerar que o estudo desses conceitos jurídicos indeterminados, no plano do artigo 173 da Constituição de 1988, que tratam das possibilidades do Estado intervir diretamente no domínio econômico, levanta questionamentos interessantes.

Primeiramente, a questão da ampla margem de discricionariedade atribuída pelo legislador constitucional ao gestor público para a apreciação da conveniência e oportunidade em face da matéria. Posteriormente, a questão dos efeitos que essa ampla margem discricionária de apreciação pelo gestor público pode acarretar, como: insegurança no domínio econômico, a maior possibilidade de ocorrência de arbitrariedade por parte do gestor público em relação aos direitos subjetivos de terceiros, uma possível insegurança jurídica ao ordenamento jurídico, dentre outros. Ainda, o porquê da não criação da lei delimitadora da matéria e as possíveis conseqüências que decorrem de tal posicionamento adotado pelo legislador infraconstitucional.

O presente trabalho foi realizado metodologicamente através de uma pesquisa monográfica de cunho bibliográfico, auxiliado pelas obras de vários doutrinadores de renome da área jurídica, da lavra de José Afonso da Silva, Alexandre de Moraes, José dos Santos Carvalho Filho, Eros Roberto Grau, dentre outros, que enobrecem a pesquisa e aperfeiçoam o cotidiano do Direito e sua prática na sociedade.

O método de abordagem utilizado foi o hipotético-dedutivo, fazendo-se uso de uma vertente metodológica qualitativa, e aderindo a livros, artigos e periódicos como instrumentos de pesquisa.

Temos como objeto de estudo – conforme já evidenciado – a análise acerca da intervenção direta do Estado no domínio econômico e discricionariedade administrativa, cuja problemática a ser trabalhada gira em torno da possibilidade do legislador constitucional conferir uma margem de discricionariedade mais delimitada, na forma da lei, ao gestor público no âmbito de intervenção direta do Estado no domínio econômico com intuito de evitar eventuais ingerências administrativas no setor privado. Desta forma, o Estado estaria atuando preventivamente, com vistas ao atendimento das necessidades do meio social, e, ao mesmo tempo, evitando a necessidade de futuras atuações repressivas devido ao fato de uma maior delimitação legal reduzir a margem de atuação discricionária do gestor público no desempenho de suas atribuições, o tornando mais ligado aos limites definidos em lei.


2. POSTULADOS FUNDAMENTAIS DA ORDEM ECONÔMICA

A questão que envolve o Estado – enquanto ente soberano e responsável pela plena convivência harmônica do meio social – e o domínio econômico diz respeito a uma relação bem próxima, intimamente ligada à questão da ordem e do progresso da nação.

A ordem econômica é pautada, basicamente, em dois postulados encontrados no artigo 170 da Carta Magna [1], quais sejam: a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano. De forma implícita, porém não menos importante, tem-se um postulado no âmago do mesmo artigo, que reza pela proteção de algumas categorias sociais contra as leis do mercado capitalista, visando evitar determinadas práticas nocivas à convivência harmônica no meio econômico, que mantém relação direta com o âmbito social.

Ainda no referido artigo, são encontrados alguns princípios norteadores da ordem econômica em nosso país. Dentre eles, o princípio da soberania nacional, o da defesa da propriedade privada, o da busca pelo pleno emprego, o do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, o da redução das desigualdades sociais e regionais, o da livre concorrência, o da defesa do consumidor, e o da defesa do meio ambiente.

Como se observa, o constituinte, através dos postulados e dos princípios inerentes à matéria em questão, manteve sempre em destaque a questão da manutenção da ordem econômica nos trilhos do fim maior do Estado: busca do bem comum e da justiça social.


3. FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

No que tange as formas de atuação do Estado no domínio econômico, tem-se dois modelos de atuação estatal: o Estado Regulador e o Estado Executor.


3.1 Estado Regulador

O Estado agindo como Regulador, segundo José dos Santos Carvalho Filho [2], atua basicamente elaborando normas, reprimindo o abuso do poder econômico, interferindo na iniciativa privada, regulando preços, controlando abastecimento.

Via de regra, o Estado não deve intervir de forma direta na ordem econômica, o podendo fazer apenas por via de exceção. A própria Carta Constitucional ainda em seu artigo 170, estabelece alguns limites a serem levados em conta pelo Estado no exercício dessa atribuição, para que não venha a ferir princípios como o da liberdade de iniciativa, direcionado aos particulares, em regra.

Segundo preceitua o artigo 174 da nossa Carta Maior [3]:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Desta forma, atuando como regulador, o Estado impõe normas e mecanismos jurídicos de cunho preventivo e repressivo, especialmente aos particulares – responsáveis pela mobilidade do setor econômico –, visando evitar e/ou sanar possíveis condutas abusivas.

Neste contexto, o Estado atua no domínio econômico de forma direta, e, de fato, como regulador; sendo responsável pelo funcionamento de mecanismos de prevenção, e de normas de repressão às práticas que por ventura possam vir a macular a harmonia social.


3.2 Estado Executor

O Estado atuando como Executor, diferentemente de sua atuação reguladora, onde apenas traça ditames a serem seguidos e estabelece normas a serem cumpridas em sede de ordem econômica; atua, de fato, como exercente de atividades econômicas. Destarte, o Estado intervem diretamente na economia, via de regra, na qualidade de Estado Empresário, executando atividades estritamente econômicas ou prestando serviços públicos, comprometendo-se com a atividade produtiva.

No âmbito da atuação do Estado como Executor, podem ocorrer dois tipos de exploração da atividade econômica: a exploração direta e a exploração indireta.

 
3.2.1 Exploração direta

Diretamente, o Estado pode explorar a atividade econômica por intermédio de um de seus órgãos internos. No caso de uma Secretaria Estadual de educação, por exemplo, ela pode vir a estender o quantitativo de vagas oferecidas em instituições públicas para melhor atender as pessoas menos abastadas financeiramente. Como foi o que ocorreu recentemente no estado da Paraíba com a UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), que teve seu campus universitário estendido às cidades de João Pessoa e Patos.


3.2.2 Exploração indireta

A exploração indireta, entretanto, consubstancia-se na prática mais constante. Nela, o Estado cria pessoas jurídicas a ele vinculadas e com atribuições destinadas à execução de atividades mercantis. É o caso das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. São empresas autônomas, com personalidade jurídica própria, que não se confundem com o Estado, mas são por este controladas. Neste caso, o Estado intervém indiretamente no domínio econômico através destas empresas, que atuam de forma direta no mesmo.


4. INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

O legislador constituinte teve o cuidado de prever certas circunstâncias onde o Estado teria legitimação para atuar diretamente numa esfera que compete, à priori, à iniciativa privada. Sua finalidade prática é a de evitar e coibir práticas que derivem ou incidam no abuso de poder econômico, como, por exemplo, práticas que tenham por fim a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência, ou o aumento arbitrário dos lucros.

O caput do artigo 173 da Constituição Federal traça as regras em relação à exploração direta de atividades econômicas pelo Estado, objeto de estudo do presente trabalho. Nesse sentido, o artigo 173 da Constituição [4] reza que:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Desta forma, o artigo retrocitado, interpretado conjuntamente com o 170, traz à tona a regra de que, ressalvados os casos previstos na própria Constituição – competência exclusiva e privativa da União; e competência comum e concorrente –, o Estado não explora atividade econômica, o podendo fazer apenas em via de exceção, através dos pressupostos contidos no caput do referido artigo 173: casos imperativos de segurança nacional; casos onde houver relevante interesse coletivo; e casos onde a Constituição permitir de forma expressa.

O que ocorre, é que os dois primeiros pressupostos – casos imperativos de segurança nacional, e casos onde há relevante interesse coletivo – tratam de conceitos jurídicos indeterminados, que não trazem de forma precisa e determinável a necessária delimitação dos pressupostos para uma plena e eficaz aplicação dos preceitos estabelecidos no caso concreto. Essa indeterminabilidade acaba por deixar uma margem muito grande de discricionariedade para ser trabalhada pelo gestor público em seus aspectos de conveniência e oportunidade, já que tais pressupostos deveriam estar definidos e delimitados em lei.


5. CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS E DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

Os conceitos jurídicos indeterminados presentes na norma em questão, conforme supramencionado, não delimitam com precisão as possíveis situações em que seria possível a exploração direta da atividade econômica pelo Estado. Desta forma, surge a necessidade de se analisar estes conceitos jurídicos indeterminados, e a discricionariedade administrativa que decorre dos mesmos para que seja possível entender melhor a problemática em questão.

Para Lourival Vilanova [5], a vaguidade semântica encontrada em um conceito jurídico indeterminado não significa imperfeição lingüística, mas uma característica necessária em determinadas ocasiões, como explica com clareza:

O conceito jurídico indeterminado é a vaguidade semântica existente em certa norma com a finalidade de que ela, a norma, permaneça, ao ser aplicada, sempre atual e correspondente aos anseios da sociedade nos vários momentos históricos em que a lei é interpretada e aplicada. A vaguidade de um conceito, portanto, não é imperfeição lingüística, mas sim uma característica bastante pertinente em certas situações que fazem com que busque o intérprete maior perfeição na valoração significante−significado, o que gera certa atualização da norma.

É certo que todo conceito, por mais indeterminado que seja, possui um conteúdo determinável. Entretanto, até que ponto essa margem de discricionariedade deixada pelo legislador constitucional na norma em questão pode ser exercida de forma legitima pelo gestor público responsável? Até que ponto é possível o gestor público atuar como o legislador do caso concreto, adequando essas normas carentes de maiores delimitações legais aos casos concretos de forma legitima?

Para Eros Roberto Grau [6], em muitos casos, a discricionariedade é exercida à margem da legalidade, em prejuízo do fim maior da Administração Pública, que é o bem comum social.

De fato, em alguns casos este tipo de prática constitui a regra em nosso ordenamento jurídico. Basta se observar as práticas dos tribunais em relação ao preenchimento dos cargos de direção, chefia e assessoramento – cargos de livre nomeação e exoneração. Em tese, estes cargos deveriam ser ocupados por profissionais altamente capacitados, detentores de ampla experiência e de uma considerável gama de títulos; porém, o que ocorre com mais freqüência, é a ocupação destes cargos por parentes de juizes ou desembargadores, do mesmo ou de outros tribunais, que, na maioria dos casos não são especialistas na área, não são detentores de conhecimento especifico ou de ampla experiência, e, em alguns casos, não possuem qualificação superior ou de espécie alguma para justificar o exercício de tal função.

Tratando das perguntas feitas acima, é possível afirmar que essa margem de discricionariedade deixada pelo legislador pode ser preenchida de forma legitima pelo gestor público responsável até o ponto em que não entre em choque com normas jurídicas ou venha a ferir princípios norteadores do direito. Desta forma, o gestor público pode atuar como agente colmatador das lacunas provenientes da discricionariedade contidas nas normas, com vistas à adequação das mesmas da melhor forma no contexto social, desde que não venha a ultrapassar a margem de conveniência e oportunidade a ele conferida pela análise do mérito administrativo – que será fiscalizado pelo Poder Judiciário em relação ao aspecto da legalidade das normas.

 
6. DISCRICIONARIEDADE E INTERVENÇÃO DIRETA

Trazendo a questão para o âmbito do Direito Constitucional Econômico, é possível suscitar a problemática que se insurge do artigo 173 da Constituição [7] a partir da ampla margem de discricionariedade dedicada pelo legislador constituinte ao gestor público para apreciação da conveniência e oportunidade na intervenção direta do Estado no domínio econômico através da exploração direta de atividade econômica exercida pelo mesmo.

Ao se analisar os preceitos do artigo em estudo – imperativos da segurança nacional, e relevante interesse coletivo –, nota-se que a indeterminabilidade dos conceitos jurídicos contidos na norma é, de certa forma, necessária, pelo fato de se tratar de uma questão que pode envolver uma gama considerável de situações que invoquem tais preceitos como forma de legitimar a ação em seu favor. De fato, a ordem econômica é um setor em que a evolução da sociedade influi diretamente e de forma bastante célere na necessidade de adaptação, produção e modificação de vários preceitos normativos. Daí a necessidade de utilização de certos conceitos jurídicos indeterminados, cuja característica de possuir uma maior flexibilidade e adaptabilidade em face dos anseios sociais confere mais longevidade às normas e uma maior facilidade de intervenção direta do Estado, quando necessário.

Entretanto, o último trecho do artigo em tela: conforme definido em lei; torna a natureza dos preceitos normativos até então indetermináveis, plenamente determináveis, a partir da possibilidade de enumeração das hipóteses de incidência que devem ser definidas em lei, segundo determina o texto constitucional.

O que ocorre é que, até então, o legislador infraconstitucional não produziu a lei que traria as conceituações e hipóteses de incidência dos conceitos jurídicos indeterminados: imperativos da segurança nacional, e relevante interesse coletivo. Tal lei poderia ter o cunho meramente exemplificativo, não tornando as hipóteses de incidência numerus clausus, mas, abertas a possíveis acréscimos, supressões ou modificações futuras, de acordo com as necessidades impostas pelo interesse social.

No ordenamento jurídico pátrio existem outras leis que podem auxiliar o gestor público e o aplicador do direito na tarefa de mensurar quais seriam as hipóteses mais oportunas em que o Estado deveria intervir diretamente no domínio econômico. Como exemplo das mesmas, temos a Lei nº 8.884, de 1994 [8]; que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, além de transformar o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em autarquia e dar outras providências, a Lei Delegada nº 4, de 1962 [9]; que dispõe sobre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo, e a Lei nº 8.176, de 1991 [10], que dispõe os crimes contra a ordem econômica.

De volta ao mérito administrativo, é possível se considerar como ponto bastante delicado do caso em tela, a questão da ampla margem de discricionariedade deixada pelo legislador constitucional ao gestor público a partir da não elaboração da lei delimitadora da matéria.

A partir da analise do artigo em tela, pode se depreender que a intenção do constituinte foi a de utilizar os parâmetros definidos em lei como regra geral que serviria para aparamentar o texto constitucional, tratando-se então de um rol exemplificativo a ser seguido no trato da questão; restando assim ao gestor público, uma margem de discricionariedade mais delimitada, onde o mesmo teria que seguir as delineações dispostas em lei, e não apenas se basear em leis correlatas, em princípios gerais do direito e na analogia.

Trazendo a questão para o caso concreto, é de extrema valia a análise de algumas formas hipotéticas de intervenção direta do Estado no domínio econômico; uma de acordo com o que, em tese, se poderia considerar em conformidade com os preceitos e princípios constitucionais, legais e econômicos; e outra às margens da legalidade.

Supondo que esteja havendo uma crise no mercado financeiro causado pelas instituições bancárias e creditícias, onde as taxas de juros para os mais diversos investimentos e financiamentos estivessem fora da realidade de mercado nacional, e onde fosse possível se detectar um aumento arbitrário dos lucros dessas instituições em face da economia popular.

Nesse caso, o Estado pode intervir diretamente no domínio econômico como Estado Regulador, impondo normas e mecanismos jurídicos de cunho repressivo visando sanar as condutas abusivas. Também pode o Estado intervir como Estado Executor. Desta feita, o Estado interviria diretamente na economia, via de regra, na qualidade de Estado Empresário, executando atividades estritamente econômicas, porém, com fins sociais.

Em conformidade com o caso em análise, é possível o Estado assumir uma postura de Estado Executor, intervindo diretamente no domínio econômico. Só que através de uma forma de exploração indireta, como a que ocorre ao se criar uma Empresa Pública ou uma Sociedade de Economia mista com o intuito de oferecer os mesmos serviços de natureza econômica das instituições bancárias e creditícias no caso hipotético. Surgem então duas possibilidades.

De acordo com os preceitos e princípios constitucionais e econômicos, o Estado Executor poderia atuar oferecendo taxas de juros consideradas razoáveis para que a população tivesse condições de usufruir, de forma justa, os benefícios oferecidos pelas instituições financeiras. Desta forma, o Estado estaria fomentando o surgimento de uma concorrência saudável para o mercado, levando as demais instituições a baixar suas taxas de juros sob pena de perder os investidores para a nova instituição estatal, restabelecendo assim, a normalidade jurídico/social do setor através da existência de uma concorrência leal e benéfica à ordem econômica.

Atuando às margens da legalidade, o Estado Executor poderia simplesmente fazer uso de taxas de juros muito baixas, impossíveis das demais instituições acompanhar, o que levaria à quebra das mesmas e à dominação do mercado. Seria uma forma arbitrária de intervenção estatal no domínio econômico. Seria um posicionamento extremamente maléfico, embora plenamente possível.

Vale-se ressaltar que o Estado, ao intervir no domínio econômico, deve respeitar as leis do mercado privado. Também deve se igualar – de certa forma – às instituições que compõem tal setor.

Outro ponto interessante a se ressaltar é o de que o Estado, que, via de regra, não atua no domínio econômico, de igual forma, não tem intenção de ser um Estado Empresário somente no sentido de visar o lucro, mas, fundamentalmente, no sentido de regrar determinados setores e/ou sanar possíveis distorções, de acordo com o que seja mais benéfico para o interesse coletivo. Outrossim, o Estado Empresário seria um Estado Fracassado, justamente pela necessidade de concretização do fim maior da administração pública, que não é gerar lucros, mas sim, buscar sempre o bem comum social.

Diante do exposto, é possível afirmar que os conceitos jurídicos indeterminados são importantes para garantir uma certa maleabilidade ao sistema. Em contrapartida, corre-se um risco muito alto ao se delegar muito poder discricionário aos gestores públicos. Assim sendo, quanto mais delineada pela lei for o mérito administrativo atribuído ao gestor público, menos riscos corre o ordenamento jurídico, o domínio econômico e o meio social.

Desta feita, ao se definir os imperativos de segurança nacional e de relevante interesse coletivo mediante lei, estabelecer-se-iam parâmetros capazes de, ao mesmo tempo, garantir a eficácia da aplicação do princípio da livre iniciativa e reduzir a margem de discricionariedade conferida à Administração Pública.

Com efeito, a atuação do gestor público estaria calcada em fundamentos previamente fixados pela lei, prevenindo, portanto, possíveis arbitrariedades estatais no âmbito da intervenção direta no domínio econômico, e promovendo, por sua vez, a segurança jurídica necessária aos particulares e a salvaguarda do interesse coletivo.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A problemática em torno da discricionariedade administrativa que envolve a intervenção direta do Estado no domínio econômico, especialmente no que tange a controvérsia acerca da liberdade de intervenção estatal em decorrência dos conceitos jurídicos indeterminados: imperativo de segurança nacional e relevante interesse coletivo, previstos no artigo 173 da Lex Legum como pressupostos de intervenção do Estado, constitui-se, inicialmente, pelo fato de que tamanha margem de discricionariedade atribuída pelo legislador constitucional ao gestor público pode se tornar consideravelmente perigosa ao alcance do fim maior da Administração Pública: a promoção do bem comum social.

Na mesma linha de raciocínio, tem-se que a ordem econômica deve ser gerenciada pela iniciativa privada. Desta forma, o Estado apenas pode intervir na mesma supletivamente – com exceção dos casos em que a própria Carta Constitucional delimita a competência do Estado – e apenas para regular condutas e sanar eventuais anormalidades que possam afetar o interesse coletivo.

Assim sendo, o legislador constitucional, ao disciplinar que os imperativos de segurança nacional e de relevante interesse coletivo seriam definidos em lei, demonstrou sua intenção em aparamentar, delimitar a margem de discricionariedade atribuída ao gestor público, nos limites da lei, e até mesmo vincular a ação do mesmo a certos ditames preestabelecidos como forma de conferir uma maior segurança à iniciativa privada no caso de intervenção do Poder Público no domínio econômico.

Tal fato, além de conferir uma maior margem de segurança aos particulares que gerenciam a iniciativa privada, reduziria consideravelmente a possibilidade de eventuais ingerências cometidas pelo Estado no exercício das atribuições interventivas, que passaria, por sua vez, a agir de forma mais direcionada, se pautando em mandamentos sólidos e com uma menor margem de atuação pessoal do gestor quando no desempenho da apreciação do mérito administrativo.

Em suma, os conceitos jurídicos indeterminados são necessários e úteis ao mandamento constitucional em estudo pelo fato de conferirem uma maior possibilidade de oxigenação do sistema. Entretanto, como o legislador constituinte previu que a matéria seria definida em lei – que provavelmente conceituaria tais pressupostos e elencaria um rol exemplificativo de situações – é possível se entender que o mesmo teve a intenção de limitar a margem de atuação discricionária do gestor público em prol de uma maior segurança jurídica que seria proporcionada ao ordenamento jurídico e à ordem econômica.

Com efeito, o objetivo almejado através da realização deste trabalho não é o de tentar esgotar o vasto horizonte que abarca a questão em análise, nem tampouco propor soluções que visem dirimir de forma definitiva a problemática existente em relação à margem ideal de discricionariedade conferida pelo legislador constitucional ao gestor público em face dos conceitos jurídicos indeterminados e a sua possível delimitação por lei.

A nossa tentativa de contribuição constitui-se em sinalizar acerca da importância do tema para o desenvolvimento e aprimoramento dos mecanismos constitucionais de adaptação da Lei Maior à freqüente evolução social, especialmente em relação à intervenção direta do Estado no domínio econômico em sua faceta de discricionariedade, objetivando desta forma, proporcionar uma maior fluidez ao sistema com a finalidade precípua de proporcionar uma maior segurança ao domínio econômico, buscar a justiça social, além de tornar possível o alcance e/ou restabelecimento do bem comum social.

8. REFERÊNCIAS

BRASIL.Constituição de 1988: Promulgada em 5 de outubro de 1988: Atualizada pela emenda constitucional n° 45, de 08-12-2004. Coletânea de Legislação Administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

_______. Lei nº 8.884, de 11 de Junho de 1994. Dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE em autarquia e dá outras providencias. Vade Mecum Acadêmico de Direito. São Paulo: Rideel, 2006.

_______. Lei Delegada nº 4, de 26 de Setembro de 1962. Dispõe sobre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Vade Mecum Acadêmico de Direito. São Paulo: Rideel, 2006.

_______. Lei nº 8.176, de 11 de Junho de 1994. Dispõe sobre os crimes contra a ordem econômica. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2006.

CAMPOS, Alinaldo. Discricionariedade administrativa: Limites e controle jurisdicional. <http://www.direitonet.com.br/textos/x/83/55/835/>. Acesso em 27 set. 2006.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13° ed., São Paulo: Atlas, 2001.

GRAU, Eros Roberto. Direito, Conceitos e Normas Jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Método, 2004.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo:

Malheiros, 2001.

VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4ª ed. São Paulo: RT, 2000.


[1] BRASIL.Constituição de 1988: Promulgada em 5 de outubro de 1988: Atualizada pela emenda constitucional n° 45, de 08-12-2004. Coletânea de Legislação Administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pg 89.


[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, pg. 731.


[3] BRASIL, Constituição Federal da República Federativa do. op. cit., p 89, nota 1.


[4] Idem, ibidem, p. 89, nota 1.


[5] VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4ª ed. São Paulo: RT, 2000, pg 178.


[6] GRAU, Eros Roberto. Direito, Conceitos e Normas Jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.


[7] Idem, ibidem, p. 89, nota 1.


[8] BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de Junho de 1994. Dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE em autarquia e dá outras providencias. Vade Mecum Acadêmico de Direito. São Paulo: Rideel, 2006.


[9] BRASIL. Lei Delegada nº 4, de 26 de Setembro de 1962. Dispõe sobre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Vade Mecum Acadêmico de Direito. São Paulo: Rideel, 2006.


[10] BRASIL. Lei nº 8.176, de 11 de Junho de 1994. Dispõe sobre os crimes contra a ordem econômica. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2006.

Sobre o(a) autor(a)
Edvanil Albuquerque Duarte Júnior
Advogado e Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pela UNP em convênio com o Ministério da Defesa Nacional.
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