Natureza jurídica do noivado - contrato preliminar verbal

Natureza jurídica do noivado - contrato preliminar verbal

Demonstra a necessidade do Direito reconhecer efeitos jurídicos ao noivado, inserindo este instituto na seara da Responsabilidade Civil.

O noivado não é ato, via de regra, revestido de maiores solenidades. Não é comum, por exemplo, que compromissos de noivado sejam tabulados por escrito e torna-se muito mais difícil ainda pensar na possibilidade de um noivado levado a registro público.

Entretanto, isto não retira a necessidade de que o Direito reconheça o noivado como um comportamento gerador de direitos e obrigações para os noivos e que assim, portanto, mereça esmero acadêmico em seu estudo e cautela na confecção de dispositivos legais e jurisprudenciais.

Cada vez mais nossos Tribunais têm sido provocados a se postar quanto aos efeitos de uma extinção ruinosa de noivado, principalmente no que concerne a plausibilidade e extensão de possíveis verbas indenizatórias decorrentes de tal acontecimento.

A contemporânea acepção do Direito Civil, recheada de inovações estabelecida pela Lei 10406/02 (o Novo Código Civil), obriga o sensato jurista a reformular o pensamento civilista, adequando-o, definitivamente, às balizas mestres traçadas no constitucionalismo pátrio. Em bom português: o Direito Civil deve ser estudado à luz da Constituição Federal de 1988, refletindo, por óbvio, seus firmamentos solidaristas, a compulsoriedade de respeito ao princípio da dignidade humana (CF/88, art. 1º, III) e uma sacrossanta obediência aos princípios e garantias fundamentais existentes no caput e incisos do art. 5º da Carta Magna.

Consectário lógico deste desenho é a mitigação de noções no civilismo com cunho individualista, egocêntrico, não calcados no bem comum e no respeito ao próximo.

Matérias vinculadas à Teoria Geral das Obrigações, ao Direito dos Contratos e ao Direito de Família reproduzem estas tendências de forma mais fidedigna ainda. Estes ramos do Direito Civil foram flagrantemente atingidos pelos bons auspícios da concepção do Direito enquanto ciência em busca da Justiça e da felicidade, ou seja, a idéia de direitos inexoravelmente carregados de função social.

Com isto, fica cada vez mais firme uma estóica condenação à visões egoísticas sobre a formação e dissolução do noivado, acentuando-se à ampla ojeriza aos primados estritamente privatistas sobre o tema. Um noivado está longe de ter a mesma imponência e sistemática jurídica de um casamento, mas, na medida em que existe até como compromisso para a existência futura do casamento, também tolhe qualquer dos noivos de atos unilaterais notadamente agressivos à dignidade alheia. Em uma visão mais simplista, é bom dizer que um noivo não pode fazer o que bem entender com seu consorte, havendo liames éticos, morais e jurídicos a serem observados.

Feitas tais considerações, impende traçar a natureza jurídica do noivado.

Na clássica dicotomia quanto à natureza jurídica do casamento (instituição x contrato), a visão do casamento como contrato especial de Direito de Família é a dominante na boa doutrina. Assim sendo, tal paradigma será adotado para maiores elocubrações acerca do tema.

Ora, se o casamento é um contrato e o noivado simboliza compromisso no sentido de firmar futuro casamento, nada mais simples do que dizer que o noivado pode ser reputado como um pré-contrato ou contrato preliminar.

Advirta-se, contudo, que, por óbvio, o noivado, embora enxergado na ótica do pré-contrato, nem sempre redunda obrigatoriamente em casamento. Os noivos firmam uma expectativa de casamento, mas isto não quer dizer que efetivamente irão se casar. Não é razoável pensar em tornar obrigatório tal comportamento, sob pena de grandiosa violação a um dos princípios básicos do casamento, qual seja, a liberdade dos “candidatos a contraentes” de firmar ou não o matrimônio.

Nesta esteira, Silvio Rodrigues diz o seguinte:

Todavia, é óbvio que o casamento só passa a existir e a gerar efeitos a partir do momento da celebração, quando os nubentes, perante o oficial celebrante, afirmam o propósito de casar-se um com o outro, e ouvem daquela autoridade a proclamação de que os declara casados (CC, art. 1535). Até aquele momento qualquer dos noivos é livre para se arrepender, não podendo, de qualquer modo, o arrependido ser compelido a casar. Tal princípio, de grande vetustez, visa a assegurar a liberdade que a pessoa tem de casar-se ou não.

Entretanto, não passa sem apreciação a questão de eventuais danos causados pelo abrupto e lesivo rompimento de noivado e é este o cerne do debate que aqui se trava. Voltando a trazer à colação os sempre lúcidos ensinamentos de Silvio Rodrigues, tem-se o seguinte:

Todavia, é possível que o rompimento unilateral e injustificável da promessa de casamento venha a trazer dano a um dos noivos. Em face do que foi dito, o arrependido não pode ser forçado a casar-se. Entretanto, a questão a ser encaminhada é a de saber se poderá o arrependido ser compelido a reparar o prejuízo derivado de seu intempestivo e injusto arrependimento”.

Fica cogente a necessidade de conferir efeitos jurídicos ao noivado, que, embora não torne obrigatório o casamento, cria expectativas neste sentido e pode gerar danos a um dos noivos. Nesta perspectiva, Eduardo Cambi assim se posiciona:

(....) o noivado, por ter a finalidade de resguardar o direito de um homem e de uma mulher, absolutamente capazes, de virem a celebrar futuramente seu casamento cria, ao menos, uma justa expectativa para ambas as partes.

Não atribuir a esta justa expectativa nenhum efeito jurídico seria desconsiderar não só a liberdade das partes constituírem um futuro vínculo matrimonial, como também dar margem ao enriquecimento sem causa. No entanto, a conseqüência mais grave de não se proteger essa justa expectativa seria tornar sem efeito o princípio da boa-fé, menosprezando a credibilidade e a confiança mútuas, que são dois elementos imprescindíveis à harmonia das relações afetivas. Deste modo, ficariam os homens condenados ao veredicto hobbesiano (de ser o lobo do homem), empobrecendo e até inviabilizando as relações humanas, já que a não proteção da credibilidade e da confiança mútuas redundaria na falta de solidariedade, na desesperança e na descrença do amor, relegando às pessoas o sofrimento e a mais profunda solidão”.

Importa agora saber a qual ramo do Direito Civil o instituto do noivado pertence.

De cara, é preciso saber que o noivado não está na seara do Direito de Família. A ligação do noivado com o casamento consiste em estabelecer uma família no futuro, ou seja, no instante de seu firmamento o noivado ainda não criou uma família, a não ser, por óbvio, que ocorram hipóteses constitutivas de entes familiares, tais como a transformação de um inicial noivado em união estável ou mesmo o fato da noiva vir, no interregno do noivado, a engravidar de seu noivo.

A palavra “contrato” é a chave para demarcação da geografia jurídica do noivado. Visto, de forma recorrente, que o noivado configura um pré-contrato, nada mais óbvio do que alocar o noivado no campo do Direito das Obrigações, com íntima vinculação à esfera da Responsabilidade Civil.

Reforçando esta idéia, Eduardo Cambi assim se expressa

Entretanto, não se pode perder de vista que o noivado pode gerar conseqüências jurídicas, sobretudo, no campo do Direito Obrigacional. Cabe ressaltar que o objetivo desta tutela não resulta na busca de meios, diretos ou indiretos, para que o casamento seja celebrado; ao contrário, restringe-se àquelas situações em que o rompimento do noivado pode ensejar danos materiais e/ou morais ao nubente prejudicado. Por conseguinte, sua inserção se dá na seara da responsabilidade civil”.

Diante de todo o exposto, é possível concluir que:

O noivado não prescinde de formas solenes para ser pactuado, bastando o assentimento verbal;

O noivado, na medida em que atesta compromisso de casamento, e considerado o casamento como um contrato, revela-se como pré-contrato;

O noivado merece estudos mais acurados na seara do Direito Obrigacional, mais especificamente no campo da Responsabilidade Civil.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMBI, Eduardo. Noivado: natureza e efeitos jurídicos decorrentes de seu rompimento lesivo. Juris Síntese nº 31. São Paulo: setembro/outubro de 2001.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 19º edição. São Paulo: Saraiva, 2002. volume 04. p. 38

Sobre o(a) autor(a)
João Fernando Vieira da Silva
Professor, Advogado, Especialista em Direito Civil pela UNIPAC- Ubá- MG, Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio
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