Violência doméstica e a monitoração eletrônica

Violência doméstica e a monitoração eletrônica

O desenvolvimento tecnológico nos trouxe novas formas de controle do cumprimento de pena e de outras medidas cautelares daqueles que transgridem o sistema penal.

A monitoração eletrônica na Lei de Execução Penal é prevista no Artigo 146-B, incluído em 2010, e que define a fiscalização por esse meio quando o Juiz autorizar a saída temporária, no regime semiaberto e quando for determinada a prisão domiciliar. 

No Código de Processo Penal tem sua previsão no Artigo 319, inciso IX, incluído em 2011, localizado no capítulo das medidas cautelares diversas da prisão.

O Artigo 146-C da LEP traz os deveres a serem cumpridos pelo monitorado. E são eles: receber as visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir as suas orientações; e não retirar, violar, modificar, danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou permitir que outra pessoa o faça.

Conforme colacionado no Artigo 146-C da LEP, a violação comprovada dos deveres pelo monitorado, poderá acarretar, a critério do Juiz da Execução, após ouvidos o Ministério Público e a Defesa, a regressão do regime, a revogação da autorização de saída temporária, a revogação da prisão domiciliar e a advertência, por escrito, para todos os casos em que o Juiz decidir não aplicar qualquer das medidas anteriores.

O Artigo 146-D da Lei de Execução Penal determina, ainda, que a monitoração eletrônica poderá ser revogada: I – quando se tornar desnecessária ou inadequada; II – se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave.

Sendo hipótese de revogação da monitoração eletrônica, deverá o juiz, antes de sua decisão, realizar uma audiência de justificação. Nesta audiência o acusado deve estar acompanhado de seu defensor e serão ouvidos. Também o Ministério Público deve manifestar-se.

O desenvolvimento tecnológico nos trouxe novas formas de controle do cumprimento de pena e de outras medidas cautelares daqueles que transgridem o sistema penal. A vigilância eletrônica tem sido percebida como forma eficaz, também, de individualização da pena. E como previsto no Código de Processo Penal, o monitoramento eletrônico é possível como medida cautelar diversa da restrição da liberdade.

Existem situações em que a transgressão ao sistema penal é relacionada ao bem jurídico vida ou integridade física da mulher, como a previsão de crimes de violência doméstica.

A Constituição da República, em seu Artigo 226, parágrafo 8º, assegura a assistência à família, com a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Por essa razão foi publicada a Lei n. 11.340/06, que estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

A lei em comento prevê medidas de proteção de urgência à ofendida e também aquelas que obrigam o agressor. Entre as que obrigam o agressor, o Artigo 22, inciso II, traz o afastamento deste do lar, domicilio ou local de convivência com a ofendida. O mesmo Artigo, em seu parágrafo 1º, dispõe que as medidas referidas no Artigo citado não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem. O parágrafo exige que tal providência, se tomada, deve ser comunicada ao Ministério Público.

O Artigo 24-A, que trata do crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, colaciona, em seu parágrafo 3º, que o disposto no Artigo citado não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

O parágrafo 2º do Artigo 19 dispõe que as medidas protetivas de urgência serão aplicadas de forma isolada ou cumulativa e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos naquela Lei forem ameaçados ou violados.

A medida citada acima, de afastamento do lar do agressor, é medida protetiva que obriga o agressor e é comumente utilizada em situações de violência doméstica. Juntamente com o afastamento também é deferida a proibição de aproximação da ofendida, com limitação mínima de distância, medida esta prevista no Artigo 22, inciso III, alínea “a”. Possui grande aplicabilidade em razão de fazer cessar, de forma imediata, as agressões, posto retirar da convivência da ofendida o agressor e proibi-lo de aproximar-se dela.

Entretanto, alguns agressores, aqueles que não tiveram a liberdade cerceada após a primeira agressão denunciada, continuam aproximando-se, mantendo contato com a vítima, insistindo em um retorno ao relacionamento, descumprindo, portanto, as medidas protetivas que foram deferidas à vítima. Incidem, assim, no crime previsto no Artigo 24-A da lei estudada, com possibilidade de detenção de 03 meses a 02 anos.

À vista disso, mulheres que continuam sofrendo com a violência doméstica mesmo após o deferimento de medidas protetivas, a utilização do monitoramento eletrônico como medida cautelar diversa da restrição da liberdade se faz necessária. Possibilitaria a limitação espacial aos locais predeterminados pela Justiça Penal, o que poderia vir a impedir a perseguição do agressor à vítima.

Consoante Bianca Alves e Isabelle Faria, no artigo “Monitoramento eletrônico de agressores no contexto da Lei Maria da Penha”:

“A utilização da tornozeleira eletrônica como política pública de segurança no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher estimulada pelo CNJ e pelo Fonavid possui três principais fundamentos: (i) a garantia do cumprimento da determinação judicial, tendo em vista a precisão do funcionamento do sistema de fiscalização; (ii) é menor o gasto do Estado com o monitoramento do que com o agressor, caso o mesmo seja preso pelo descumprimento da medida; e (iii) possibilita a redução da superlotação do sistema carcerário.”

Teria cabimento em situações que trazem a necessidade de uma restrição maior à liberdade do agressor, impedindo que ele descumpra as medidas protetivas, e não em toda e qualquer situação de violência doméstica. Segundo as autoras citadas acima, “para avaliar o cabimento da fiscalização por monitoramento eletrônico, o julgador deve levar em consideração o caso específico, analisando o grau de periculosidade do ofensor, seus antecedentes criminais e se o mesmo é reincidente na prática de violência doméstica e familiar.”

O sistema de monitoramento eletrônico é feito através de um sinalizador GPS. Através do GPS é possível saber a nossa localização exata no planeta. Consoante Rogério Greco, no artigo “Monitoramento Eletrônico”:

“O sistema de monitoramento permite que os encarregados da fiscalização do cumprimento da pena do condenado/monitorado tomem conhecimento, exatamente, a respeito dos seus passos, uma vez que o sistema permite saber, com precisão, se a área delimitada está sendo obedecida.”

Com a monitoração eletrônica existe o controle dos passos do agressor. Torna possível saber se o agressor está descumprindo as medidas protetivas que foram deferidas à vítima e, traz a possibilidade de evitar uma nova agressão e até mesmo um homicídio.

O Atlas da Violência 2021, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), pelo Governo do Estado do Espirito Santo, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) informa que:

“A análise dos últimos onze anos indica que, enquanto os homicídios de mulheres nas residências cresceram 10,6% entre 2009 e 2019, os assassinatos fora das residências apresentaram redução de 20,6% no mesmo período, indicando um provável crescimento da violência doméstica.”

Segundo dados de 2020 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, expostos no site Change.org Brasil, ocorre um feminicídio a cada seis horas e meia. Ainda no site citado, segundo a ONU, o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking dos que mais matam mulheres em decorrência da violência doméstica.

O que se percebe, na prática, é a ineficácia da proteção à mulher vítima de violência doméstica. Após o deferimento das medidas protetivas de urgência pelo juiz, após o cumprimento da medida de afastamento do lar do agressor e o cumprimento da intimação das medidas protetivas à vítima e ao agressor, pelo Oficial de Justiça, não há qualquer tipo de fiscalização do cumprimento da medida protetiva pelo agressor. A mulher vítima de violência doméstica resta sozinha em sua residência, à mercê da agressividade daquele que foi afastado, e que não terá óbice nenhum em retornar ao local de moradia da mulher, inclusive logo após o cumprimento do afastamento dele do lar, e agredi-la novamente. Situação essa que poderia ser evitada e, quiçá, impedida, caso o monitoramento eletrônico acontecesse logo após o cumprimento da medida protetiva.

São levadas a efeito pela Polícia Militar, as visitas tranquilizadoras, com previsão no Artigo 3º, parágrafo 1º e no Artigo 8º da lei, que preveem políticas públicas para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Trata-se de um esforço conjunto pela proteção da vítima, entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo, através de sua Secretaria de Segurança.

Apesar do esforço perpetrado pela Polícia Militar, que no Estado do Espírito Santo realizou, entre janeiro e julho de 2021, 3.384 visitas tranquilizadoras, tal procedimento não cumpre o papel fiscalizador do cumprimento da medida protetiva.

Não há outra forma, além da monitoração eletrônica, que permita a fiscalização do cumprimento, pelo agressor, da manutenção do limite mínimo de distância da vítima e se está deixando de frequentar os lugares estipulados pelo juiz. A monitoração eletrônica deve ser levada a efeito juntamente com a medida protetiva de afastamento do lar, quando cabível tal monitoração.

Apesar do Projeto de Lei 301/21 em tramitação, de autoria da Deputada Federal Celina Leão do PP/DF, que inclui a tornozeleira eletrônica entre as medidas protetivas de urgência, nada existe, ainda, em legislação expressa, que permita a monitoração eletrônica em hipóteses de violência doméstica. Entretanto, o CPP, no Artigo supramencionado prevê como medida cautelar diversa da prisão o uso da tornozeleira eletrônica. Portanto, antes de decretar a prisão preventiva prevista no Artigo 20 da Lei Maria da Penha, pode o juiz possibilitar a utilização da monitoração eletrônica como forma de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas pelo agressor. A própria Lei Maria da Penha traz a possibilidade de outras medidas cabíveis previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem.

Caso tal sistema de monitoramento não surta os efeitos desejados, a solução seria a restrição da liberdade.

BIBLIOGRAFIA

GRECO, Rogério. Monitoramento Eletrônico. JusBrasil, 2012. Disponível em: https://rogeriogreco.jusbrasil.com.br/artigos/121819870/monitoramento-eletronico. Acesso em 21 de outubro de 2021.

MARQUES, Ivan Luís. Monitoração Eletrônica no Brasil – LEP e CPP. JusBrasil, 2011. Disponível em: https://ivanluismarques2.jusbrasil.com.br/artigos/121815204/monitoracao-eletronicano-brasil-lep-e-cpp. Acesso em 21 de outubro de 2021.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. In: Vade Mecum Carreiras Policiais Jus Podium.

BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. In: Vade Mecum Carreiras Policiais Jus Podium.

BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006. In: Vade Mecum Carreiras Policiais Jus Podium.

ALVES e FARIA, Bianca e Isabelle. Monitoramento eletrônico de agressores no contexto da Lei Maria da Penha. Migalhas, 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/346137/monitoramento-eletronico-de-agressoresno-contexto-lei-maria-da-penha. Acesso em 01 de novembro de 2021.

NASCIMENTO, Mainary. 15 anos da Lei Maria da Penha. Change.org Brasil, 2021. Disponível em: https://changebrasil.org/2021/08/09/15-anos-da-lei-maria-dapenha/?gclid=EAIaIQobChMI6c7Yn8X-8wIVBw6RCh04- wr8EAAYAyAAEgIZR_D_BwE. Acesso em 04 de novembro de 2021.

IINSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA; INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES. Atlas da Violência 2021. Ipea 2021. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes. Acesso em 04 de novembro de 2021.

SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL. Agosto Lilás: Polícia Militar realiza mais de três mil visitas tranquilizadoras em 2021. Governo do Estado do Espírito Santo, 2021. Disponível em: https://pm.es.gov.br/Not%C3%ADcia/agosto-lilas-policia-militar-realiza-mais-de-tresmil-visitas-tranquilizadoras-em-2021. Acesso em 10 de novembro de 2021.

OLIVEIRA, Maryanna. Projeto amplia penas para crimes cometidos em contexto de violência doméstica. Agência Câmara de Notícias, 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/727659-projeto-amplia-penas-para-crimescometidos-em-contexto-de-violencia-domestica/. Acesso em 01 de dezembro de 2021

Sobre o(a) autor(a)
Karina Tiradentes Dutra
Karina Tiradentes Dutra, Oficial de Justiça no TJES; especialista em Direito Penal pela Universidade Gama Filho; especialista em Direito Penal e Processual Penal Contemporâneo pela Faculdade de Ciência e Educação do Caparaó; e...
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