STJ define critérios para progressão penal de condenados com reincidência genérica

STJ define critérios para progressão penal de condenados com reincidência genérica

Em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.084), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a aplicação retroativa do patamar estabelecido no artigo 112, V, da Lei de Execução Penal – LEP (Lei 7.210/1984), com a redação dada pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), aos condenados por crime hediondo ou equiparado, sem resultado morte, que não sejam reincidentes em delito da mesma natureza.

O colegiado entendeu que, diante da ausência de previsão, no Pacote Anticrime, de parâmetros para a progressão de regime prisional dos condenados por crime hediondo ou equiparado que sejam reincidentes genéricos, deve ser considerado para eles o mesmo percentual de cumprimento de pena exigido dos sentenciados primários: 40%.

Como esse percentual é inferior ao estabelecido antes da vigência do Pacote Anticrime – portanto, mais benéfico para o réu –, os ministros entenderam também que a regra deve ser aplicada retroativamente aos condenados por crime hediondo, sejam primários ou reincidentes genéricos.

Lacuna legal

No mesmo julgamento, a Terceira Seção definiu que os condenados por crimes praticados com violência contra a pessoa ou grave ameaça, bem como por crimes hediondos ou equiparados com resultado morte, e que sejam reincidentes – mas não em crimes da mesma natureza –, têm direito à progressão de regime prisional a partir do cumprimento dos mesmos percentuais de pena exigidos daqueles que são primários.

Segundo o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, as três situações examinadas no julgamento "evidenciam a inexistência de previsão legal acerca de hipóteses que desafiam cotidianamente o trabalho desenvolvido pelas inúmeras varas de execução penal do país".

Ele explicou que o Pacote Anticrime promoveu profundas alterações nas normas da progressão de regime penal – entre elas, a revogação do artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), segundo o qual os condenados por crime hediondo teriam direito ao benefício só após o cumprimento de dois quintos da pena, se fossem primários, ou de três quintos, no caso de reincidentes genéricos ou específicos.

Novos critérios

Com a mudança – afirmou o magistrado –, os parâmetros da progressão passaram a ser disciplinados exclusivamente pelo artigo 112 da LEP, que, na atual redação, estabelece condições diferentes conforme a natureza do delito (comum ou hediondo), a ocorrência ou não de violência, grave ameaça ou morte, e a primariedade, a reincidência genérica ou a reincidência específica do apenado.

Contudo, o relator ressaltou que a lei não estabeleceu quais seriam os patamares relativos aos reincidentes genéricos nas hipóteses de crime hediondo ou equiparado, de crime hediondo ou equiparado com resultado morte e, ainda, de crime não hediondo praticado com violência contra a pessoa ou grave ameaça.

Schietti observou que o inciso V do artigo 112 da LEP, por exemplo, fixa o patamar de 40% de cumprimento da pena para os condenados por crime hediondo e equiparado que sejam primários, ao passo que o inciso VII prevê que os reincidentes na prática de crime hediondo ou equiparado devem cumprir ao menos 60% da pena para ter direito à progressão – nada dizendo sobre a situação dos reincidentes genéricos.

Analogia

A partir do pressuposto segundo o qual não se admite no direito penal a analogia in malam partem (prejudicial ao réu), o ministro concluiu que devem ser aplicados aos reincidentes genéricos os patamares de progressão referentes aos sentenciados primários, pois, "ainda que não sejam primários, reincidentes específicos também não o são".

Dessa maneira, o colegiado estabeleceu que:

Ao sentenciado que cometeu crime com violência contra a pessoa ou grave ameaça, mas não é reincidente em delito da mesma natureza – portanto, primário ou reincidente genérico –, deve ser aplicado o patamar de 25% de cumprimento da pena, como prevê o inciso III do artigo 112 da LEP.

Do apenado que praticou crime hediondo ou equiparado, mas também não é reincidente em crime de igual natureza, deve ser exigido o cumprimento mínimo de 40% da pena, como estabelecido no inciso V do mesmo dispositivo legal.

Por fim, para o apenado que cometeu crime hediondo ou equiparado com resultado morte, mas, igualmente, é primário ou reincidente genérico, será observado o requisito do inciso VI, "a", do artigo 112 – ou seja, 50%.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.910.240 - MG (2020/0326002-4)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS
GERAIS
RECORRIDO : ERIVALDO ALMEIDA CAETANO (PRESO)
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS
GERAIS
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO - "AMICUS CURIAE"
INTERES. : GRUPO DE ATUAÇÃO ESTRATÉGICA DAS
DEFENSORIAS PÚBLICAS ESTADUAIS E
DISTRITAL NOS TRIBUNAIS SUPERIORES - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADOS : FERNANDO ANTÔNIO CALMON REIS - DEFENSOR
PÚBLICO - DF008161
DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
DOMINGOS BARROSO DA COSTA - DEFENSOR
PÚBLICO - RS085501
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE
REGIME. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N.
13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). DIFERENCIAÇÃO
ENTRE REINCIDÊNCIA GENÉRICA E ESPECÍFICA.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO DOS LAPSOS RELATIVOS AOS
REINCIDENTES GENÉRICOS. LACUNA LEGAL.
INTEGRAÇÃO DA NORMA. APLICAÇÃO DOS PATAMARES
PREVISTOS PARA OS APENADOS PRIMÁRIOS.
RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA.
PATAMAR HODIERNO INFERIOR À FRAÇÃO
ANTERIORMENTE EXIGIDA AOS REINCIDENTES
GENÉRICOS. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A Lei n. 13.964/2019, intitulada Pacote Anticrime, promoveu
profundas alterações no marco normativo referente aos lapsos
exigidos para o alcance da progressão a regime menos gravoso, tendo
sido expressamente revogadas as disposições do art. 2º, § 2º, da Lei
n. 8.072/1990 e estabelecidos patamares calcados não apenas na
natureza do delito, mas também no caráter da reincidência, seja ela
genérica ou específica.
2. Evidenciada a ausência de previsão dos parâmetros relativos aos
apenados condenados por crime hediondo ou equiparado, mas
reincidentes genéricos, impõe-se ao Juízo da execução penal a
integração da norma sob análise, de modo que, dado o óbice à
analogia in malam partem, é imperiosa a aplicação aos reincidentes
genéricos dos lapsos de progressão referentes aos sentenciados
primários.
3. Ainda que provavelmente não tenha sido essa a intenção do
legislador, é irrefutável que de lege lata, a incidência retroativa do
art. 112, V, da Lei n. 7.210/1984, quanto à hipótese da lacuna legal
relativa aos apenados condenados por crime hediondo ou equiparado
e reincidentes genéricos, instituiu conjuntura mais favorável que o
anterior lapso de 3/5, a permitir, então, a retroatividade da lei penal
mais benigna.
4. Dadas as ponderações acima, a hipótese em análise trata da
incidência de lei penal mais benéfica ao apenado, condenado por
estupro, porém reincidente genérico, de forma que é mister o
reconhecimento de sua retroatividade, dado que o percentual por ela
estabelecido – qual seja, de cumprimento de 40% das reprimendas
impostas –, é inferior à fração de 3/5, anteriormente exigida para a
progressão de condenados por crimes hediondos, fossem reincidentes
genéricos ou específicos.
5. Recurso especial representativo da controvérsia não provido,
assentando-se a seguinte tese: É reconhecida a retroatividade do
patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles
apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem
resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Seção, por unanimidade, negar provimento
ao recurso especial representativo da controvérisa, assentando-se a seguinte
tese: "É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V,
da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime
hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito
de natureza semelhante", nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik,
Laurita Vaz, João Otávio de Noronha e Sebastião Reis Júnior votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer e Olindo
Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região).
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
O Dr. Mário Luiz Sarrubbo (Procurador-Geral de Justiça do
Ministério Público do Estado de São Paulo) sustentou oralmente pela parte
interessada: Ministério Público do Estado de São Paulo.
O Dr. Flávio Wandeck (Defensor Público da Defensoria Pública do
Estado de Minas Gerais) sustentou oralmente pela parte recorrida: Erivaldo
Almeida Caetano.
O Dr. Domingos Barroso Da Costa (Defensor Público da Defensoria
Pública do Estado do Rio Grande do Sul) sustentou oralmente pela parte
interessada: Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais
e Distrital nos Tribunais Superiores.
Brasília, 26 de maio de 2021
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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