Regularização de gorjetas durante ação não afasta condenação de restaurante

Regularização de gorjetas durante ação não afasta condenação de restaurante

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho restabeleceu sentença que fixara multa de R$ 30 mil caso o GK Restaurante Ltda., de Salvador (BA), volte a praticar irregularidades no pagamento das gorjetas a seus empregados. Embora o estabelecimento tenha, no curso do processo, regularizado a situação, a sanção tem finalidade coercitiva, a fim de evitar a reincidência. 

Sonegação

O restaurante foi autuado pela Receita Federal em julho de 2010 por descumprimento da legislação trabalhista e sonegação do recolhimento das contribuições sociais incidentes sobre as gorjetas dos empregados, que não eram integradas à sua remuneração. Diante da resistência da empresa em firmar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou, em 2014, ação civil pública visando à condenação por danos morais coletivos, além da obrigação de regularizar as gorjetas e da fixação de multa em caso de descumprimento.

Na contestação, o restaurante se declarou “surpreso” com a ação, pois já havia vinha cumprindo integralmente o estabelecido na CLT em relação às gorjetas. Segundo a defesa, o MPT havia acionado “sem necessidade a máquina judiciária”.

Dano moral coletivo

O juízo da 9ª Vara do Trabalho de Salvador acolheu a ação civil pública e condenou a empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 107 mil e fixou multa de R$ 30 mil por trabalhador encontrado em situação irregular, em caso de descumprimento. De acordo com a sentença, a pretensão do MPT ia além da correção do comportamento irregular e visava compelir a empregadora a, “no futuro e sempre”, atuar em conformidade com a lei, e qualquer irregularidade seria prontamente inibida.

O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA), no entanto, afastou as duas condenações. Para o TRT, o fato de as gorjetas não terem sido integradas aos salários não caracteriza dano moral coletivo, porque os empregados foram posteriormente ressarcidos pela quitação das parcelas devidas. Em relação à multa, entendeu que não havia demonstração de que o restaurante viesse a reiterar a conduta.

“Anos a fio”

O relator do recurso de revista do MPT, ministro Agra Belmonte, ao votar pelo restabelecimento da sentença, assinalou que não há dúvida de que a não integração das gorjetas ao salário dos empregados era prática corriqueira antes do ajuizamento da ação civil pública e “atingia frontalmente valores muito caros à unidade dos trabalhadores”. Segundo o ministro, a regularização posterior não legitima a conduta antijurídica, “que deve receber o devido caráter sancionatório e pedagógico”. 

A adequação, no entanto, foi levada em conta na fixação do valor da indenização por dano moral coletivo, reduzido, pela Turma, para R$ 50 mil. Para o relator, o restaurante, empresa de pequeno porte, demonstrou boa vontade em fazer os ajustes.

Multa

Também em relação à multa, o ministro destacou que a mera adequação da GK aos termos impostos na sentença não tem força para afastar a penalidade, de caráter abstrato, cuja finalidade é dissuadir o infrator, pelo poder jurisdicional, para que a situação irregular não volte a ocorrer. 

A decisão foi unânime.

Processo: RR-632-48.2014.5.05.0009

PROCESSO ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA EM FACE DE ACÓRDÃO PUBLICADO NA
VIGÊNCIA DAS LEIS 13.015/2014 E
13.105/2015. DESPACHO DE
ADMISSIBILIDADE PUBLICADO NA VIGÊNCIA
DA INSTRUÇÃO NORMATIVA 40 DO TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO
DESPACHO DENEGATÓRIO POR NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. A efetiva
possibilidade de decisão de mérito
favorável aos interesses do agravante
permite que se ultrapasse eventual
nulidade do despacho denegatório do
recurso de revista - aplicabilidade do
artigo 282, §2º, do CPC de 2015.
DANO MORAL COLETIVO – CARACTERIZAÇÃO -
DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INTEGRAR
GORJETAS À REMUNERAÇÃO DOS EMPREGADOS /
MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
DE FAZER - MANUTENÇÃO DO DECRETO
CONDENATÓRIO, AINDA QUE CONSTATADA A
REGULARIZAÇÃO DA CONDUTA NO CURSO DO
PROCESSO. A razoabilidade das teses de
violação dos artigos 186 e 927 do CCB e
de divergência jurisprudencial torna
recomendável o provimento do agravo de
instrumento para determinar o
processamento do recurso de revista.
Agravo de instrumento conhecido e
provido.
II – RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. TRANSCENDÊNCIA. O artigo 246
do RITST restringe o exame da
transcendência aos recursos
interpostos contra decisões proferidas
na vigência da Lei nº 13.467/2017.
Considerando que o acórdão regional foi
publicado antes de 11/11/2017, a
análise da admissibilidade do apelo
ficará limitada aos pressupostos do
artigo 896 da CLT.
PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO
REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. A efetiva possibilidade
de decisão de mérito favorável aos
interesses do recorrente permite que se
ultrapasse eventual nulidade da decisão
recorrida – aplicabilidade do artigo
282, §2º, do CPC de 2015.
DANO MORAL COLETIVO – CARACTERIZAÇÃO -
DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE INTEGRAR
GORJETAS À REMUNERAÇÃO DOS EMPREGADOS.
O TRT reconheceu que o descumprimento
contratual dos haveres trabalhistas
gera transtornos na vida financeira de
qualquer indivíduo. Nada obstante,
afastou a obrigação da reclamada ao
pagamento de indenização por dano moral
coletivo, ao fundamento de que o mero
fato de as gorjetas não terem sido
integradas aos salários seria incapaz
de caracterizar ofensa
extrapatrimonial à classe dos
trabalhadores, nomeadamente porque os
empregados foram posteriormente
ressarcidos pela quitação das parcelas
devidas. De início, é importante
ressaltar que não remanesce qualquer
discussão nos autos de que a não
integração das gorjetas à remuneração
dos empregados era prática corriqueira
da reclamada antes do ajuizamento da
ação civil pública. Assentada essa
circunstância, há de se recordar que o
dever de indenizar a coletividade
pressupõe a existência de ato
antijurídico, de lesão injusta e
intolerável aos valores fundamentais da
sociedade e de relação de causa e efeito
entre a conduta do ofensor e o prejuízo
suportado de forma transindividual
pelos ofendidos. Tais pressupostos são
plenamente identificáveis na espécie. O
artigo 457 da CLT dispõe que as gorjetas
compõem a remuneração dos empregados
para todos os efeitos legais. Desta
feita, tal modalidade de pagamento
caracteriza-se como salário em sentido
estrito, devendo ser integrado na base
de cálculo do 13º, das férias, do FGTS
e das contribuições previdenciárias. O
descumprimento do referido comando
legal repercute de forma negativa nos
valores finais auferidos pelo
trabalhador ou recolhidos ao INSS,
configurando apropriação indébita e
sonegação fiscal sobre parte do
montante que deveria ser adimplido pelo
empregador. Examinando a questão pelo
viés da prova efetiva do prejuízo
psíquico suportado por cada um dos
trabalhadores de maneira individual,
cabe sublinhar e repisar amiúde a
natureza alimentar das verbas
salariais. Há de se pontuar que
normalmente é a remuneração auferida em
razão do dispêndio da força de trabalho
que propicia às famílias o acesso aos
insumos básicos para a sua
subsistência. Imagine-se, pois, o que
pode significar para qualquer
trabalhador, costumeiramente provedor
de sua prole, ter uma parcela nada
desprezível de seus rendimentos
comprometidos de forma unilateral pelo
seu empregador. É notória a percepção de
que o alijamento do fruto do trabalho –
mesmo que seja de parte dele – possui
carga suficiente para afrontar a honra
e a dignidade de qualquer indivíduo, que
dirá quando isso ocorre de forma
arbitrária e ilegal, como no caso dos
autos. Aliás, o Tribunal Superior do
Trabalho possui entendimento pacífico
de que o inadimplemento do salário – ou
seu atraso contumaz – acarreta prejuízo
extrapatrimonial manifesto e que fala
por si próprio (damnum in re ipsa),
sendo, portanto, desnecessária sua
comprovação em juízo. Nessa linha,
precedentes da SBDI-1 e de todas as
Turmas desta Corte. Evidentemente, a
caracterização do dano coletivo depende
de que o incômodo infligido ao
patrimônio moral particular desborde
para um sentimento universal de repulsa
contra a violação dos interesses ou
direitos pertencentes a toda a
coletividade. Ora, a ideia de que
empregados possam ser cerceados no seu
direito de receber integralmente pela
energia espargida no labor depõe contra
o que ordinariamente se espera de uma
conduta empresarial atenta e respeitosa
às garantias mínimas previstas no
artigo 7º, X, da CF, na legislação
protetiva e nos princípios basilares do
Direito do Trabalho. Não parece
razoável, na espécie, subestimar a
percepção geral de que a conduta da
reclamada, voltada ao descumprimento de
normas de indisponibilidade absoluta,
atingiu frontalmente valores muito
caros à unidade dos trabalhadores. Por
tais razões, conclui-se que a conduta
ilícita da empresa demandada, que por
anos a fio deixou de integrar as
gorjetas à remuneração de seus
empregados, extrapolou os interesses
individualmente considerados na
situação para atingir o patrimônio
imaterial de toda a sociedade. E nem se
requeira juízo diverso em virtude de que
a ré corrigiu sua conduta no curso do
presente processo. Isso porque referido
expediente não é capaz de, por si só,
compensar o sentimento comum de
violação da ordem jurídica, que
perdurou por lapso temporal
significativo. De mais a mais, devem
remanescer os objetivos punitivo e
pedagógico da medida, os quais
funcionam de maneira dissuasória à
futura replicação dos ilícitos. Assim,
a conduta da ré em regularizar a
situação das gorjetas apenas após o
ajuizamento da ação, não legitima a
conduta antijurídica que deve receber o
devido caráter sancionatório e
pedagógico. Tal medida deve ser levada
em consideração apenas para fixação do
valor da indenização por dano moral
coletivo, que ora se arbitra em R$
50.000,00 (cinquenta mil reais).
Recurso de revista conhecido por
violação dos artigos 186 e 927 do CCB e
provido.
MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
DE FAZER - MANUTENÇÃO DO DECRETO
CONDENATÓRIO, AINDA QUE CONSTATADA A
REGULARIZAÇÃO DA CONDUTA NO CURSO DO
PROCESSO. A ação civil pública,
disciplinada pela Lei nº 7.347/1985,
prevê a responsabilidade patrimonial
pelos danos morais e materiais causados
aos interesses difusos ou coletivos da
sociedade. Uma das principais inovações
trazidas pelo referido diploma foi a
possibilidade de que a parte legitimada
pelo artigo 5º propusesse ao Poder
Judiciário que o decreto jurisdicional
por ela perseguido assumisse uma
natureza dúplice, abraçando, além da
condenação em pecúnia, a obrigação de
fazer ou de não fazer, conforme a
disciplina específica de seu artigo 3º.
Observa-se, pois, que, mesmo antes da
reforma que culminou no artigo 461 do
CPC de 1973 (497 do CPC de 2015) e da
vigência do artigo 84 do CDC, a LACP já
prestigiava a tutela específica como a
espécie de satisfação estatal mais
importante tanto para a efetividade do
provimento obrigacional quanto para a
compensação do ilícito já efetivado ou
a para cessação daquele ato ofensivo
ainda em curso. Nessa linha, o artigo 11
da lei conferiu ao magistrado a
prerrogativa de lançar mão, ex officio,
de execução específica ou de cominação
de multa diária, como forma de ampliar
a força coercitiva do mandamento
reparatório ou inibitório por ele
proferido. De fato, a par da espécie de
tutela específica que se busca atingir,
a efetividade e a autoridade da decisão
que a concedem depende da utilização de
instrumentos coativos que obriguem o
réu ao seu cumprimento. No caso dos
autos, o Ministério Público do Trabalho
requereu, além da condenação da
reclamada ao pagamento de indenização
por dano moral coletivo, a imposição de
execução específica, consistente em
multa no importe de R$ 30.000,00, em
termos específicos, pelo eventual
descumprimento das obrigações
constantes dos pedidos de letras "a" a
"e" da petição inicial. A constatação,
pelo magistrado de primeira instância,
de que a demandada realmente deixava de
integrar as gorjetas à remuneração dos
empregados forneceu subsídios para que
o juízo acolhesse integralmente as
pretensões. Ao revés do que afirma o
Tribunal Regional, a mera adequação da
reclamada aos termos impostos pelo
decreto condenatório – comportamento
que não se revelou espontâneo, mas
consequência do ajuizamento da ação
coletiva – não possui o condão de
afastar a penalidade abstratamente
imposta, simplesmente por não se
coadunar com a finalidade essencial do
instrumento assecuratório da tutela
específica. É de fácil constatação que
o ajustamento da empresa, mediante o
cumprimento das obrigações de fazer,
converteu a tutela específica
reparatória em inibitória, ou seja, em
constrangimento imposto pelo poder
jurisdicional para que a situação
irregular não volte a ocorrer. Nesse
sentido, não deixam de ser curiosos os
argumentos contra a cominação da
penalidade, tendo em conta que basta à
empregadora não reiterar os atos
antijurídicos para que o comando
dissuasório permaneça em sua feição
abstrata e não se concretize. Portanto,
andou mal o TRT ao entender que a mera
regularização da situação dos
funcionários no curso do presente
processo seria suficiente para afastar
a penalidade por eventual
descumprimento da obrigação de fazer
imposta pela sentença. Precedentes
unânimes da SBDI-1. Recurso de revista
conhecido por divergência
jurisprudencial e provido.
CONCLUSÃO: Recurso de revista conhecido
e provido para restabelecer a sentença.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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