Inversão da ordem de oitiva de testemunhas inquiridas por precatória não gera nulidade

Inversão da ordem de oitiva de testemunhas inquiridas por precatória não gera nulidade

Não há nulidade quando as testemunhas de defesa são ouvidas antes das de acusação, na hipótese em que a inquirição é feita por precatória. Reafirmando esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Sebastião Reis Júnior negou provimento a recurso em habeas corpus no qual se alegava constrangimento ilegal decorrente da inversão da prova testemunhal.

Os três recorrentes foram denunciados pelo Ministério Público de São Paulo por fraudes em licitações praticadas contra o município de Pitangueiras (SP), com base no artigo 90 da Lei 8.666/93 e nos artigos 288 e 312 do Código Penal.

Após a citação, os acusados apresentaram defesa prévia, e a audiência de instrução para a oitiva das testemunhas foi marcada para 13 de junho. Em seguida, o juízo determinou a expedição de carta precatória para a inquirição de testemunha de acusação, na comarca de Guariba (SP), em 28 de junho. A defesa, então, requereu a mudança na ordem das datas, o que foi indeferido.

Os acusados impetraram habeas corpus alegando vício processual, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que não houve prejuízo às partes e negou o pedido.

Em recurso ao STJ, a defesa argumentou que a decisão feriu o artigo 400 do Código de Processo Penal (CPP), uma vez que o dispositivo prevê que as testemunhas de acusação devem ser ouvidas antes das de defesa, para assegurar o devido processo legal e a ordem lógica do contraditório penal.

Pediu ainda, em liminar, o sobrestamento da ação até o julgamento final do recurso no STJ, o que foi indeferido.

Jurisprudência

Para os recorrentes, a inversão da ordem foi ainda mais prejudicial pelo fato de a testemunha de acusação possuir acordo de colaboração premiada. Dessa forma, pediram que a audiência das testemunhas de defesa fosse anulada, assegurando-se a ordem legal da instrução.

No entanto, o ministro Sebastiao Reis Júnior negou provimento ao recurso, pois, “a teor do disposto no artigo 222 do CPP e da jurisprudência do STJ, a inversão da oitiva de testemunhas de acusação e defesa não configura nulidade quando a inquirição é feita por meio de carta precatória, cuja expedição não suspende a instrução criminal”. Ele ressaltou ainda que o devido processo legal foi resguardado, na medida em que as partes foram intimadas das audiências designadas nas cartas precatórias.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 105.154 - SP (2018/0296951-6)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
RECORRENTE : MAURO AUGUSTO BOCCARDO
RECORRENTE : ADRIANA DA LUZ OLIVEIRA
RECORRENTE : MATEUS EDUARDO BOCCARDO
ADVOGADO : MARIA CLAUDIA DE SEIXAS - SP088552
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.
NULIDADE DO PROCESSO EM FUNÇÃO DA INVERSÃO DA
ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS. ART. 400 DO CPP.
AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. OITIVA EFETUADA POR CARTA
PRECATÓRIA. EXCEÇÃO. ART. 222 DO CPP. PRECEDENTES.
Recurso improvido.
DECISÃO
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido de
liminar, interposto por Mauro Augusto Boccardo, Adriana da Luz Oliveira e
Mateus Eduardo Boccardo, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
de São Paulo (HC n. 2133337-27.2018.8.26.0000 – fls. 236/243).
Tem-se dos autos que os recorrentes foram denunciados, nos autos da
Ação Penal n° 1000943-88.2017.8.26.0459, por prática dos crimes previstos no
art. 90 da Lei n° 8.666/93, nos arts. 288 e 312, c.c. o art. 327, § 2°, todos do
Código Penal, na forma do artigo 69, do Código Penal (fls. 14/59).
Tem-se ainda que, devidamente citados, os recorrentes apresentaram
defesa prévia; designada audiência de instrução (datada 13/06/2018), para
colheita de testemunhos de acusação e de defesa. Ato contínuo, foi determinada a
expedição de carta precatória para inquirição de testemunha de acusação na
comarca de Guariba, sendo designada a data de 28/06/2018 para cumprimento.
Para evitar nulidade processual, a defesa dos pacientes requereu que a oitiva das
testemunhas de defesa fosse realizada após o cumprimento da referida
precatória. O pedido foi indeferido e a audiência realizada.
Em face do indeferimento do requerimento defensivo para inquirição de

testemunha de defesa em data posterior à testemunha de acusação, a defesa
impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça que, por sua vez, denegou a
ordem, nos termos da seguinte ementa (fl. 239):
PENAL. "HABEAS CORPUS". ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CRIME
CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INVERSÃO DA OITIVA DAS
TESTEMUNHAS.
Pretendida anulação da decisão e da audiência que inquiriu testemunhas
de defesa antes da acusação. Descabimento. Ausência de prejuízo (artigo
563, do Código de Processo Penal). Expedição de carta precatória que não
suspende a instrução criminal (artigo 222 e 400, do Código de Processo
Penal).
Precedentes do C. STJ.
Ordem denegada.
Daí o presente recurso ordinário, no qual o recorrente alega que a
decisão feriu gravemente o que dispõe o artigo 400, do Código de Processo
Penal, pois, com a reforma processual ocorrida em 2008, mencionado artigo
passou a prever a ordem de inquirição das testemunhas, devendo ser as de
acusação ouvidas antes das de defesa, justamente para assegurar o devido
processo legal e a ordem lógica do contraditório penal, em que a defesa, em
todas as suas manifestações, deverá se pronunciar por último (fl. 251).
Continua, pontuando que, no presente caso tal inversão se demonstrou
ainda mais prejudicial à defesa, uma vez que, conforme dito alhures, a
testemunha de acusação (CARLOS ROBERTO QUINTILIANO) não pode ser
considerada uma testemunha qualquer. Isso, Excelências, porque em acordo de
colaboração premiada firmado nos autos de um processo que correu na
Comarca de Ribeirão Preto/SP, além de delatar uma das partes do processo
gênese desta impetração, também mencionou a empresa dos pacientes
MATHEUS e ADRIANA (fls. 174/196) (fl. 253).
Requer a concessão liminar da ordem, determinando o sobrestamento
da ação penal na qual se aponta o constrangimento ilegal até o julgamento final
deste recurso e, no mérito, aguarda-se a reforma do v.acórdão para que a
audiência realizada no dia 13 de junho de 2018, que inquiriu as testemunhas de

defesa anteriormente a inquirição da testemunha de acusação, seja anulada,
assegurando-se a ordem legal da instrução (fls. 257/258).
O pedido de liminar foi indeferido (fls. 302/304).
Prestadas as informações (fls. 308/313), o Ministério Público Federal,
em parecer exarado pelo Subprocurador-Geral da República Hindemburgo
Chateaubriand Filho, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 317/320).
É o relatório.
Como visto, alega-se que os recorrentes são vítimas de
constrangimento ilegal decorrente de inversão na coleta da prova testemunhal
ocorrida entre audiência de instrução e precatória (testemunha de acusação).
Acerca da arguida nulidade, o Tribunal a quo decidiu (fls. 18/19 – grifo
nosso):
A ordem deve ser denegada.
A decisão impugnada surgiu assim motivada:
"Em consulta processual realizada no site do Egrégio Superior Tribunal de
Justiça verifica-se que efetivamente nos termos do art. 400 do CPP não há
que se falar em inversão da ordem das oitivas das testemunhas quando
pendente carta precatória. Considerando que a carta precatória não
suspende a instrução criminal e também considerando a grande quantidade
de testemunhas de defesa arroladas, bem como para realização do ato foi
necessária a disponibilização e utilização do Salão do Júri, em razão da
grande quantidade de procuradores e partes participantes deste ato. Indefiro
o requerimento de oitiva das testemunhas de defesa após a devolução da
carta precatória para oitiva de testemunha de acusação Carlos Roberto
Quintiliano (...)" - fls. 204/205.
Insurgem os impetrantes contra eventual vício processual, alegando que
foi indeferido requerimento defensivo para inquirição das testemunhas de
defesa em data posterior à inquirição da testemunha de acusação,
contrariando o artigo 400, do Código de Processo Penal, gerando prejuízo a
defesa, haja vista o fato de que a testemunha a ser ouvida firmara acordo de
delação premiada em um processo na Comarca de Ribeirão Preto.
Não obstante, no próprio dispositivo legal (art. 400, do CPP), existe
exceção à ordem prevista, admitindo-se inversão na ordem da colheita da
prova na hipótese de oitiva por precatória, sem se cogitar, portanto, de
nulidade no proceder.
Ademais, que pesem os argumentos defensivos, para que se declare
nulidade, necessário se faz a demonstração clara de prejuízo (artigo 563, do
CPP), o que não se verifica na espécie, ressaltando que não há como

vaticinar prejuízos ou nulidades processuais, haja vista que o ato processual
sequer foi finalizado.
Ainda, de acordo com o artigo 222, parágrafo 1° do Código de Processo
Penal, a expedição de carta precatória não suspende a instrução criminal, de
forma que o processo seguirá normalmente com a colheita das demais
provas, podendo inclusive, o Juiz "a quo", sentenciar o processo. O Superior
Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que "a inversão da
oitiva das testemunhas de acusação e defesa não configura nulidade
quando a inquirição é feita por meio de carta precatória, cuja
expedição não suspende a instrução criminal. Inteligência do artigo
222, do Código de Processo Penal. Mostra-se inviável anular o
processo, por ofensa ao artigo 212 do Código de Processo Penal,
quando verificado que a Corte de origem, em momento nenhum,
atestou a existência de eventuais prejuízos concretos advindos da
forma com que foi realizada a inquirição das testemunhas, sendo certo
que, segundo entendimento consolidado neste Superior Tribunal, o
simples advento de sentença condenatória não tem o condão, per si,
de cristalizar o prejuízo indispensável para o reconhecimento da
aventada nulidade" (STJ, RHC 34.435/SP, 6a T,m rel. Min. Rogério
Schietti, j. 6.5.2014, Dje de 15.5.2014). No mesmo sentido: (STJ "Habeas
Corpus" n° 277.376, Quinta Turma, rel. Min. Jorge Mussi, j. 08/04/2014,
v.u.). Pendente que está a ação de julgamento, até a devolução da precatória,
não se verifica, em absoluto, qualquer lesão a ampla defesa ou ao
contraditório. Inexistente qualquer constrangimento ilegal, não há como
acolher o pleito.
Ora, como bem explicitou as instâncias ordinárias, a teor do disposto no
art. 222 do Código de Processo Penal e da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, a inversão da oitiva de testemunhas de acusação e defesa não configura
nulidade quando a inquirição é feita por meio de carta precatória, cuja expedição
não suspende a instrução criminal.
No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.443.183/PR, Ministro Reynaldo
Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 1º/8/2018; AgRg no AREsp
1.047.668/BA, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, DJe de 26/3/2018.
Ademais, consoante informou o magistrado da 2ª Vara da comarca de
Pitangueiras, as partes foram intimadas das audiências designadas nas cartas
precatórias expedidas (fl. 311), resguardando, assim, o devido processo legal.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
Publique-se.
Brasília, 23 de novembro de 2018.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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