Reconhecimento de culpa concorrente por acidente automobilístico não faz coisa julgada extensível a terceiros

Reconhecimento de culpa concorrente por acidente automobilístico não faz coisa julgada extensível a terceiros

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que havia fixado indenização em benefício de filho de motorista falecido em acidente de trânsito sob a fundamentação de que, em processo mais antigo relativo ao mesmo acidente, houve o reconhecimento judicial de culpa concorrente.  

Com base nas disposições do Código de Processo Civil de 1973, a Quarta Turma concluiu que o filho do motorista falecido – autor do pedido de indenização mais recente – tinha a condição de terceiro no processo anterior, de forma que a coisa julgada não poderia ser estendida a ele. Por isso, a turma determinou a devolução dos autos ao TJRS para que julgue novamente a apelação.

“Não se reveste da imutabilidade da coisa julgada a premissa fática (culpa concorrente pelo acidente de trânsito) adotada, na demanda anterior, como fundamento para a condenação do espólio do de cujus (genitor do ora recorrido) ao pagamento de indenização pelos danos materiais causados ao ora recorrente, porquanto dissociada do pedido deduzido naqueles autos”, apontou o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão.

Na ação indenizatória que deu origem ao recurso, o filho do falecido alegou que o veículo do réu colidiu frontalmente com o carro de seu pai, causando-lhe morte instantânea. Segundo o herdeiro, o réu assumiu o risco de provocar o acidente ao dirigir em velocidade superior à permitida na via.

Limites da coisa julgada

Em primeiro grau, o magistrado julgou improcedente o pedido de indenização por considerar que houve culpa exclusiva do pai do autor, que invadiu a pista em que transitava o réu.

Entretanto, em segunda instância, o TJRS reformou a sentença por considerar que, em demanda anterior, foi reconhecida a culpa concorrente, o que impediria a Justiça de discutir novamente a culpa, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica. Com a modificação da decisão, o TJRS fixou indenização no valor de aproximadamente R$ 31 mil.

Em análise do recurso especial do motorista, o ministro Luis Felipe Salomão explicou que a coisa julgada possui limites subjetivos e objetivos. Segundo o ministro, os limites subjetivos estão expressos no artigo 472 do Código de Processo Civil de 1973, que estabelece que a sentença faz coisa julgada para as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros.

Direito próprio do herdeiro

O ministro destacou que a primeira ação de indenização foi ajuizada pelo motorista (réu no segundo processo) contra o espólio do outro condutor, sob a alegação de culpa exclusiva do falecido pelo acidente de trânsito. Já a outra ação – objeto do presente recurso – foi movida pelo filho do falecido contra o motorista, sob a justificativa de culpa exclusiva dele.

De acordo com Salomão, como a controvérsia do último processo envolve direito próprio do herdeiro, a sua posição processual na ação anterior era de terceiro, e não de parte nos autos.

“Logo, nos termos do artigo 472 do CPC de 1973, a coisa julgada formada na ação ajuizada pelo ora recorrente não era extensível ao ora recorrido, nem para prejudicá-lo nem para beneficiá-lo”, apontou o relator.

Segundo o ministro, ainda que o herdeiro fosse reconhecido como parte da primeira demanda, as normas do artigo 469 do CPC/73 inviabilizam o entendimento de que a conclusão adotada na ação anterior o beneficia. De acordo com o texto do artigo, não fazem coisa julgada os motivos, a verdade dos fatos e a apreciação de questão prejudicial decidida de forma incidental.

“Tanto em razão dos limites subjetivos quanto dos objetivos, não é possível reconhecer, na espécie, coisa julgada vinculativa da atividade jurisdicional nos presentes autos”, disse o ministro, considerando que o juízo de primeiro grau agiu corretamente quando analisou as provas do caso e, por entender que a culpa foi exclusivamente do falecido, negou a indenização pedida por seu filho.

Diante disso, a Quarta Turma decidiu devolver o processo ao TJRS para que, procedendo à valoração das provas, reaprecie a apelação para acolher ou rejeitar o pedido indenizatório.

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 367.121 - RS (2013/0199965-2)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
AGRAVANTE : LEANDRO LUIS MIOTTO
ADVOGADA : ANA PAULA DALBOSCO E OUTRO(S)
AGRAVADO : VITOR HUGO BRESSAN
ADVOGADO : ODIMAR EDUARDO IASKIEVICZ
DECISÃO
1. Cuida-se de agravo interposto contra decisão que não admitiu recurso
especial, este manejado contra acórdão assim ementado:
RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. APELAÇÃO
CÍVEL. COISA JULGADA. DANOS MORAIS.
Coisa julgada verificada na espécie, eis que, em demanda anterior, com
trânsito em julgado, a responsabilidade pelo acidente de trânsito em análise
já restou aferida, tendo sido reconhecida a culpa concorrente, o que impede
que se discuta novamente a culpa, sob pena de violação ao princípio da
segurança jurídica.
Indenização pelos danos morais sofridos em razão da e II morte do pai do
autor devida. Quantum indenizatório fixado em valor consonante com os
precedentes deste Colegiado, devido pela metade em razão da concorrência
de culpas.
Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior
ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca (Súmula 326 do
STJ).
Gratuidade judiciária concedida ao réu, vencido.
Ação procedente.
APELAÇÃO PROVIDA.
Nas razões o especial, o recorrente alega ofensa aos artigos 535, I e II, 333,
I e II, 468, 469 e 472, todos do do Código de Processo Civil, além dos arts. 186, 927, 944
e 945 do Código Civil.
É o relatório.
2. No ponto que interessa, noticiam os autos a ocorrência de acidente entre
veículos automotores a envolver o ora recorrente e o pai do recorrido, tendo este falecido
em razão do infortúnio.
Anteriormente, o recorrente fora autor de demanda indenizatória ajuizada
em face do espólio do de cujus, na qual foi reconhecida a culpa concorrente entre o ora
recorrente e o falecido. Agora, quem ajuíza ação indenizatória é o filho do falecido em
face do recorrente - antes, autor daquela demanda cuja decisão está coberta pelo trânsito
em julgado.

Na presente ação, a sentença julgou improcedente o pedido, tendo sido ela
reformada pelo acórdão ora impugnado por recurso especial, para que o pleito
indenizatório fosse parcialmente acolhido. O colegiado estadual fundamentou suas
conclusões exclusivamente no fato de que, anteriormente, na sentença pretérita com
trânsito em julgado, ficou reconhecida a culpa concorrente entre o de cujus e o ora
recorrente, razão pela qual se deveria observar a coisa julgada.
Com efeito, tendo em vista os limites subjetivos - segundo os quais "a
sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem
prejudicando terceiros" (art. 472 do CPC) - e objetivos da coisa julgada - que não
alcançam "os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte
dispositiva da sentença, a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da
sentença, a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo"
(art. 469, incisos I a III, do CPC) -, a controvérsia está a merecer melhor análise por esta
Corte Superior.
3. Diante do exposto, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto, e
para melhor exame da matéria tratada nos autos, dou provimento ao agravo,
convertendo-o em recurso especial.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 30 de outubro de 2013.
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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