Mantida nulidade de transferência de ações que procurador fez para si mesmo

Mantida nulidade de transferência de ações que procurador fez para si mesmo

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que declarou nula a transferência de mais de 59 mil ações ordinárias nominativas para a esfera patrimonial do filho da titular das ações da empresa, também procurador dela e responsável pela ordem de transferência.

Em consonância com o tribunal gaúcho e com base nas disposições do Código Civil de 1916 – vigente à época dos fatos –, o colegiado concluiu que a procuração não conferia poderes especiais ao filho para realizar a transferência de ações, o que invalida a operação.

“Esta corte tem se posicionado no sentido de que, tratando-se da prática, pelo mandatário, de ato para o qual não lhe foram outorgados poderes específicos, extrapolando, portanto, a vontade declarada pelo mandante – como no particular –, a consequência jurídica aplicável é a declaração de sua nulidade, não versando, ao contrário do que entende a recorrente, sobre hipótese de anulabilidade”, apontou a relatora do recurso especial da empresa, ministra Nancy Andrighi.

De acordo com os autos, a mulher constituiu o filho como procurador, dando-lhe poderes para, entre outras atribuições, representá-la em repartições públicas, prestar declarações e receber valores em seu nome.

Todavia, de acordo com a mulher, o procurador utilizou indevidamente o instrumento de procuração para, em 1993, transferir para si mesmo uma parte das ações da empresa, à época titularizadas por ela. Segundo a autora, a procuração não outorgava ao filho poderes especiais e específicos para essa finalidade.

Mandatário aparente

Em segundo grau, o TJRS concluiu que o negócio jurídico foi realizado de forma contrária às regras do artigo 1.133 do Código Civil de 1916 e, em consequência, declarou a nulidade da transferência de mais de 59 mil ações ordinárias.

Por meio de recurso especial, a empresa alegou que a mulher e seu filho agiram com dolo recíproco e que foi induzida em erro por ambos quanto à legalidade da transferência das ações. A empresa também afirmou que, no momento da transação, estava diante de um mandatário aparente e que se limitou a cumprir de boa-fé o que lhe fora solicitado.

Averbação e conferência

A ministra Nancy Andrighi explicou que, de acordo com o artigo 31 da Lei das Sociedades Anônimas, a transferência de ações nominativas é feita mediante averbação no livro de registro específico da companhia, que somente poderá realizar tal registro à vista de documento hábil.

A relatora também destacou que o artigo 1.295 do Código Civil de 1916 dispunha que o mandato, em termos gerais, só confere ao outorgado poderes de administração, exigindo-se procuração com poderes especiais e expressos para a prática de atos como alienação, hipoteca e outros que “exorbitem da administração ordinária”.

Com base nos elementos juntados aos autos e no julgamento realizado pelo TJRS, a ministra apontou que a transferência de ações da esfera patrimonial da mãe foi requerida pelo seu filho e procurador à sociedade empresarial sem que o instrumento de mandato lhe conferisse poderes especiais. Da mesma forma, afirmou a ministra, a companhia agiu de forma desidiosa, pois nem sequer conferiu a documentação apresentada pelo procurador. 

“Nesse panorama, não se pode inferir, a toda evidência, que o tribunal de origem tenha apresentado solução à controvérsia em desacordo com as normas retrotranscritas. Ao contrário, o julgamento levado a efeito tratou de lhes dar efetividade na exata medida de seu alcance, o que impõe a manutenção do aresto impugnado”, concluiu a ministra ao manter a nulidade da transferência das ações.

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 591.758 - RS (2014/0257873-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
AGRAVANTE : TARSO GIACOMET
ADVOGADOS : PAULO EINLOFT - RS026797
NECI ROUSSELET - RS030753
AGRAVANTE : MADEIREIRA GIACOMET S/A - INDÚSTRIA E COMÉRCIO
ADVOGADOS : DANILO KNIJNIK E OUTRO(S) - RS034445
SÉRGIO LUÍS WETZEL DE MATTOS - RS040193
AGRAVADO : MYRIAM MARCONDES FESTUGATO
ADVOGADOS : THAÍS SERAFIM ROSSI - RS050418
NATÁLIA DE AZEVEDO REBÉS E OUTRO(S) - RS086945
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
INÉPCIA.
1. O agravo interposto contra decisão denegatória de processamento de recurso
especial, que não impugna, especificamente, os fundamentos por ela utilizados
não deve ser conhecido.
2. Agravo em recurso especial de Tarso Giacomet não conhecido.
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE
AÇÕES. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU
OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. FUNDAMENTAÇÃO. DEFICIÊNCIA.
SÚMULA 284/STF.
1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo agravante em
suas razões recursais, não obstante a interposição de embargos de declaração,
impede o conhecimento do recurso especial.
3. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência implica o não conhecimento
do recurso quanto ao tema.
4. Agravo de Madeireira Giacomet S/A - Indústria e Comércio conhecido.
Recurso especial não conhecido.
DECISÃO
Cuida-se de agravo interposto por TARSO GIACOMET, contra decisão
que negou seguimento ao seu recurso especial fundamentado na alínea "c" do permissivo
constitucional, e de agravo interposto por MADEIREIRA GIACOMET S/A - INDÚSTRIA E COMÉRCIO, contra decisão que negou seguimento ao seu recurso
especial fundamentado na alínea "a" do permissivo constitucional.

AREsp de TARSO GIACOMET interposto em: 28/07/2014.

AREsp de MADEIREIRA GIACOMET S/A - INDÚSTRIA E
COMÉRCIO interposto em: 31/07/2014.
Atribuído ao Gabinete em: 26/08/2016.
Ação: de nulidade de transferência de ações, ajuizada por MYRIAM
MARCONDES FESTUGATO, em desfavor dos agravantes e de JOÃO ARTHUR
FESTUGATO HORTA.
Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para declarar a
nulidade da transferência de 57.708.970 ações feita através de procuração outorgada pela
agravada a JOÃO ARTHUR FESTUGATO HORTA (seu filho), resguardados os direitos
de TARSO GIACOMET, adquirente de boa-fé.
Acórdão: deu provimento à apelação interposta pela agravada, nos termos
da seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE TRANSFERÊNCIA
DAS AÇÕES. MANDATO. LIMITES.
É nula a transferência das ações pertencentes à mandante, para o próprio
mandatário, na forma do art. 1.133, II, do Código Civil de 1916 (vigente à
época da outorga da procuração).
Procuração por instrumento público, que não conferiu poder especial e
expresso de transferência das ações.
Inobservância do art. 1.295, § 1º, do Código Civil de 1916.
Ação julgada integralmente procedente, na Segunda Instância (e-STJ fl.
601).
Embargos de declaração: opostos por ambos os agravantes, foram
rejeitados.
Recurso especial de TARSO GIACOMET: aponta a ocorrência de
dissídio jurisprudencial.
Recurso especial de MADEIREIRA GIACOMET S/A - INDÚSTRIA E
COMÉRCIO: alega violação dos arts. 535, II, do CPC/73; 92, 94, 96, 97, 147, II, 152,
158, 178, § 9º, V, "b", 1.133, II, 1.295, § 1º, 1.296, 1.297, 1.307, 1.318, 1.321 e 1.331 do
CC/16; e 287, II, "a", da Lei 6.404/76. Além de negativa de prestação jurisdicional,
sustenta que:
a) a agravada e seu filho agiram com dolo recíproco, induzindo a agravante

em erro quanto à legalidade da transferência de ações, fazendo com que esta tivesse falsa
representação da realidade, não havendo que se falar, portanto, em anulação do negócio
jurídico, tampouco em pagamento de lucros cessantes e dividendos;
b) ainda que se exclua o dolo recíproco, não se pode afastar o dolo principal
de João Arthur, filho e mandatário da agravada, sendo hipótese, não de nulidade, mas de
anulabilidade do negócio jurídico;
c) a agravante estava diante de um mandatário aparente, limitando-se a
cumprir de boa-fé o que lhe fora solicitado;
d) ocorreu a prescrição;
e) por ser hipótese de anulabilidade do negócio jurídico, a decretação
judicial da invalidade produz apenas efeitos ex nunc, não havendo que se falar em
pagamento de lucros cessantes e dividendos, desde a data da transferência;
f) está configurada a responsabilidade exclusiva do mandatário (João
Arthur), porque a agravante é terceira de boa-fé;
g) se a hipótese é de restituição das partes ao estado em que se achavam
antes da anulação do ato, ou João Arthur e Tarso devem devolver à agravante os valores
recebidos a título de lucros cessantes e dividendos para que esta repasse à agravada, ou
João Arthur e Tarso devem devolver diretamente à agravada os valores percebidos a este
título; e
h) o direito de haver dividendos submete-se ao prazo prescricional de três
anos.
Relatado o processo, decide-se. - Julgamento: CPC/73
- DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR TARSO
GIACOMET
Cuida-se de agravo em recurso especial interposto contra decisão que

inadmitiu recurso especial, fundamentado no art. 105, inciso III, da Constituição Federal.
Da análise dos autos, constata-se que a decisão agravada inadmitiu o
recurso especial com base nestes fundamentos:
i) erro na indicação de alínea a que se funda o recurso especial;
ii) incidência da Súmula 211/STJ; e
iii) incidência das Súmulas 283 e 284/STF.
Entretanto, a parte agravante não demonstrou, de maneira consistente, a
inaplicabilidade dos seguintes óbices: incidência das Súmulas 283 e 284/STF.
O agravo que não impugna, especificamente, todos os fundamentos da
decisão recorrida não deve ser conhecido, conforme disposto na Súmula 182/STJ. - DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR
MADEIREIRA GIACOMET S/A - INDÚSTRIA E COMÉRCIO
- Da violação do art. 535, II, do CPC/73
No acórdão recorrido não há omissão, contradição ou obscuridade. Dessa
maneira, o art. 535, II, do CPC/73 não foi violado.
Ressalte-se que os embargos de declaração interpostos pela agravante não
apontam a ocorrência de prescrição da pretensão autoral. No mais, não há que se falar em
omissão quanto ao resultado de prova produzida em audiência — que supostamente
elidiria as conclusões a respeito da desídia da agravante —, porquanto o Tribunal de
origem apresentou seus argumentos quanto à responsabilização da agravante e nulidade
do negócio jurídico de transferência de ações. - Da ausência de prequestionamento
O acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, não
decidiu acerca dos argumentos invocados pela agravante em seu recurso especial quanto
aos arts. 92, 94, 96, 97, 147, II, 152, 158, 178, § 9º, V, "b", 1.296, 1.297, 1.307, 1.318,
1.321 e 1.331 do CC/16; e 287, II, "a", da Lei 6.404/76, o que inviabiliza o seu

julgamento. Aplica-se, neste caso, a Súmula 211/STJ. - Da fundamentação deficiente
Os argumentos invocados pela agravante não demonstram como o acórdão
recorrido violou os arts. 1.133, II, e 1.295, § 1º, do CC/16.
Isso porque o TJ/RS determinou exatamente a observância do disposto nos
mencionados dispositivos legais.
Forte nessas razões, NÃO CONHEÇO do agravo em recurso especial de
TARSO GIACOMET, com fundamento no art. 253, parágrafo único, I, do RISTJ; e
CONHEÇO do agravo em recurso especial de MADEIREIRA GIACOMET S/A - INDÚSTRIA E COMÉRCIO para NÃO CONHECER de seu recurso especial, com
fundamento no art. 253, parágrafo único, II, "a", do RISTJ.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 07 de dezembro de 2016.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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