Eutanásia X Direito à vida

Eutanásia X Direito à vida

O artigo questiona se a eutanásia prevista no anteprojeto do Código Penal pode ser considerada uma ameaça ao Direito à vida, consagrado no artigo 5º da Constituição.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O direito à vida é inviolável, ninguém poderá ser privado arbitrariamente de sua vida, sob pena de responsabilização criminal. Esta inviolabilidade está assegurada na Constituição Federal, a qual o consagra como o mais fundamental dos direitos, e, ainda, pelo Código Penal, o qual prevê as sanções para o indivíduo que violar esse direito.

Porém, o Código Penal está prestes a ser modificado, e na redação do seu Anteprojeto essa inviolabilidade está sendo ameaçada, na opinião de alguns doutrinadores, uma vez que prevê a exclusão de ilicitude para o indivíduo que praticar a eutanásia.

A opinião sobre essa prática é instigante, polêmica e antiquíssima, dividindo opiniões de doutrinadores respeitáveis que situam-se em pólos opostos, com fundamentações pró e contra.

Assim esse texto busca elucidar as opiniões acerca da Eutanásia prevista no Anteprojeto do Código Penal e a sua relação com a Constituição Federal, no que tange a respeito dos direitos e garantias fundamentais, em especial o direito à vida.


2. BREVE HISTÓRICO DA EUTANÁSIA

A palavra eutanásia derivada do grego eu (bom) e thanatos (morte), significando a boa morte, morte calma, morte doce, indolor e tranqüila, e teve sua aplicação desde a antigüidade:

Quem nos traz o melhor indicativo histórico da eutanásia é, sem dúvida, Flamínio Favero . Relata o autor que na Índia antiga os doentes incuráveis eram atirados ao rio Ganges, "depois de receberem na boca e no nariz um pouco de lama sagrada"; também, em Esparta, os monstros, os deformados, os cacoplásicos de toda a sorte eram arremessados do alto do monte Taijeto.” [1]

A eutanásia é enquadrada em muitas legislações atuais e éticas médicas mundiais, consistindo na prática da morte, visando atenuar os sofrimentos do enfermo e de seus familiares, haja vista a sua inevitável morte, sua situação incurável do ponto de vista médico.

No Brasil, o atual Código Penal, não especifica o crime da eutanásia, o médico que tira a vida do seu paciente por compaixão comete o homicídio simples tipificado no art. 121, sujeito a pena de 6 a 20 anos de reclusão, ferindo ainda o princípio da inviolabilidade do direito à vida assegurado pela Constituição Federal.


3. A EUTANÁSIA NO ANTEPROJETO

Haja vista o atual Código Penal estar para ser reformado, o seu Anteprojeto apresenta um caso de exclusão de ilicitude para o médico que pratica a eutanásia:

"Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão." [2]

A eutanásia prevista no anteprojeto, não consiste na retirada da vida do paciente pelo médico, nem em qualquer conduta do médico, mas na denominada ortotanásia, isto é, na omissão do prolongamento artificial e desnecessário de uma existência inviável. Ficando proibida a prática da morte piedosa, mesmo que solicitada pelo paciente, se este não apresentar morte iminente e inevitável.

Então o médico ficará livre para deixar de prolongar, por meios artificiais, uma vida que se mostra irrecuperável, intervindo de maneira piedosa para com o seu paciente.


AMEAÇA AO DIREITO À VIDA

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)" [3]

O direito à vida é contemplado na Constituição Federal, no título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo consagrado como o mais fundamental dos direitos, uma vez que, é dele que derivam todos os demais direitos. É regido pelos princípios Constitucionais da inviolabilidade e irrenunciabilidade, ou seja, o direito à vida, não pode ser desrespeitado, sob pena de responsabilização criminal, nem tampouco pode o indivíduo renunciar esse direito e almejar sua morte.

De acordo com Moraes [4]:

“O direito à vida tem um conteúdo de proteção positiva que impede configurá-lo como o direito de liberdade que inclua o direito à própria morte.”

Constitucionalmente o homem tem direito à vida e não sobre a vida.

Cabe ao Estado assegurar o direito à vida, e este não consiste apenas em manter-se vivo, mas se Ter vida digna quanto à subsistência. De acordo com Moraes [5]:

“O Estado deverá garantir esse direito a um nível adequado com a condição humana respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”

O Estado garante o direito à vida, dessa forma proíbe a morte provocada, como a eutanásia.

Porém a eutanásia da qual trata o anteprojeto não deveria ser tratada como uma ameaça ao direito à vida, uma vez que só será aplicada nos indivíduos que apresentem morte iminente e inevitável, como dito anteriormente, ou seja, quando o indivíduo estiver sobrevivendo através de aparelhos, a chamada vida vegetativa.

Como poderia o direito à vida estar ameaçado pela eutanásia, quando o indivíduo não goza do direito à vida em sua plenitude, nem se quer se pode mais alegar que ele apresente vida digna, pois está privado de sua liberdade e do exercício de muitos de seus direitos, não pode usufruir de um nível de vida adequado, como educação, cultura, lazer, nem mesmo as suas funções vitais são autônomas.

No conceito constitucional de vida, um indivíduo nessas condições não apresenta mais vida, a sua “vida” já foi tirada involuntariamente.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto será que a eutanásia prevista no Anteprojeto é realmente uma ameaça a inviolabilidade do direito à vida?

A Constituição consagra, como já vimos o direito à vida para o exercício dos demais, e nesse caso o indivíduo não é mais capaz de exercer mais nenhum de seus direitos por conta própria, nem mesmo pode desfrutar do direito à vida em sua plenitude, pois este consiste em vida digna quanto a subsistência. Logo esse indivíduo já teve parte de seu direito à vida violado, pois como pode-se falar em vida digna para o indivíduo que não pode exercer seus direitos de cidadão e tem sua liberdade tolhida.

Será que pode se falar em violação do direito a vida a eutanásia aplicada em casos desse gênero?

Então será que a Eutanásia nesses casos não estaria ajudando o indivíduo a sentir-se livre e digno, podendo optar pela não continuidade da sua sobrevivência? Pois não seria tirada a sua vida, sendo que não existe mais vida em sua plenitude, e estaria ainda poupando a violação dos seus demais direitos fundamentais, como a liberdade e a dignidade.

É uma questão para se refletir.


Referência Bibliográficas

BRASIL, Constituição da República Federativa1988.
GOLDIM, José Roberto. Breve histórico da eutanásia e eutanásia. Internet: http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg/euthist.htm
MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. 3ªed. São Paulo: Editora Atlas. 2000, 320p.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 9ªed. São Paulo: Editora Atlas. 2001, 804p.



[1] GOLDIM, José Roberto. Breve histórico da eutanásia e eutanásia. Internet:http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg/euthist.htm < http://ww

[2] Anteprojeto do Código Penal, art. I21, § 4º .

[3] Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.

[4] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais.3ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. P.91

[5] Op. Cit. P 87.

Sobre o(a) autor(a)
Glenda Frances Moraes Goetten
Estudante de Direito
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