Análise da remissão concedida pela Medida Provisória nº 449 de 03/12/2008
Trata-se de tema muito recente e de interesse de várias empresas, tendo em vista o reflexo que pode causar na diminuição de eventual passivo fiscal.
Editada
no final de 2008, a Medida Provisória nº. 449, criada pelo Governo
e, desde então, tramitando no Congresso Nacional, trouxe entre suas
“benesses” a concessão de remissão para determinadas dívidas
existentes junto à Fazenda Nacional.
JOSÉ
EDUARDO SOARES DE MELO [1]
conceitua o instituto em comento, nos seguintes termos:
Remissão é perdão
fazendário a débito tributário, como forma de extinção do
respectivo crédito (art. 156, IV do CTN), evidenciada a
discricionaridade da Administração Pública, excepcionando-se o
princípio da indisponibilidade do crédito tributário e, conquanto
decorra de situações objetivas específicas, compreenderia certa
dose de objetividade.
Noutras
palavras, a remissão seria uma espécie de indulto (dispensa) do
pagamento dos créditos fiscais já devidamente constituídos (não
aplicável a débitos não lançados pela fiscalização),
aplicando-se tanto à obrigação principal quanto à obrigação
acessória (que pela sua inobservância, converte-se em obrigação
principal – art. 113, §3º do CTN).
Nestes
termos, o primeiro e principal efeito decorrente da concessão de
remissão pela União é a extinção do crédito tributário nas
hipóteses disciplinadas pela lei regente da matéria.
Extinção do crédito tributário corresponde ao desaparecimento do mesmo, ou seja, determina que aquele, em regra, pare de surtir efeitos no mundo jurídico. Tal disciplina encontra-se plasmada no art. 156, inciso IV do CTN [2].
Desde
já, é importante ressaltar que, a validade de concessão de
remissão, encontra-se umbilicalmente vinculada ao respeito ao
princípio da legalidade. Tal assertiva decorre tanto de previsão
constitucional (art. 150, § 6º da Constituição da República
Federativa de 1988 [3]),
quanto legal (art. 172 do Código Tributário Nacional [4]).
Pois
bem, analisando o art. 14 [5]
da Medida Provisória 449/2008 (dispositivo legal que concede a
remissão), verifica-se em que hipóteses o mesmo é concedido, bem
como, quais são os requisitos de preenchimento necessário para a
sua fruição.
O
primeiro elemento a ser analisado é a titularidade do tributo
sujeito a remissão. A previsão legal identifica que os débitos
objeto da dispensa legal de recolhimentos, são os devidos à Fazenda
Nacional.
O
segundo requisito a ser verificado é o temporal. Conforme disposto
no “caput”
do art. 14 da MP nº 449/2008, serão considerados, para efeito da
concessão da remissão os débitos que “em
31 de dezembro de 2007, estejam vencidos há cinco anos ou mais”.
Destarte,
nestes
termos, créditos da Fazenda Nacional, constituidos em período
anterior à 31/12/2002, encontram-se sujeitos à essa remissão.
Consequentemente
estão excluídos da benesse legal, os débitos lavrados que sejam
posteriores à competência 12/2002.
Outro
requisito a ser preenchido é referente ao limite de valor do crédito
tributário a ser perdoado. No presente caso, tal qual delineado pela
Medida Provisória, encontram-se inseridos na hipótese legal de
concessão de remissão, os débitos “cujo
valor total consolidado, nessa mesma data, seja igual ou inferior a
R$ 10.000,00 (dez mil reais).”
Em
outras palavras, o valor a ser considerado como “teto” para a
aplicação da remissão é de R$ 10.000,00 (dez mil reais) (pois
valores acima deste montante estão excluídos). Ocorre que, este
contexto valorativo corresponde ao total consolidado, ou seja, a
somatória da dívida originária (ressalvado a hipótese de
descumprimento de obrigação acessória) com as respectivas
penalidades (juros e multa). Nada obstante, para a correta
caracterização, mister se faz conjugar este dado valorativo (R$
10.000,00) com o critério temporal, pois, deve ser considerado, para
a concessão da remissão, o total consolidado na data de 31/12/2007
(não o valor atual do débito, por exemplo, na competencia 02/2009).
Nesse contexto, o ponto nodal cinge-se ao fato de se apurar a legitimidade da limitação da concessão da remissão a específicos valores. O Código Tributário Nacional - CTN, disciplinando esta situção, traz de forma clara e inequívoca, em seu art. 172, inciso III [6], que a lei pode autorizar a concessão da remissão a créditos de diminuta importância. Acreditamos que o valor constante na permissiva encontrada no art. 14 da Medida Provisória nº 449/2008, é facilmente enquadrado no que se pode considerar (sob o aspecto dívida fiscal) de pequena monta.
Seguindo
na análise da normatividade vinculada a este tema, mais
especificamente sob o ângulo do aspecto valorativo, a Medida
Provisória determina num primeiro momento que, o valor previsto no
“caput” do art. 14 (R$ 10.000,00), deve ser considerado
individualmente por cada sujeito passivo (art. 14, §1º) e
separadamente em relação a cada tributo que, desde que preenchidos
os requisitos, poderá ser objeto da remissão (há exceção
prevista no §2º, do art. 14, para a hipótese de débitos de IPI,
onde serão utilizados os passivos cumulados de todos os
estabelecimentos do contribuinte para a apuração do teto).
Noutros
dizeres, a norma quer evitar que um contribuinte aglutine em seu
favor, para fins de aplicação da remissão, débitos devidos por
outro contribuinte, ou, que o mesmo, requeira a sua aplicação, para
buscar o perdão de débitos em nome de terceiros.
Outrossim, existe também a vedação, para fruição da remissão, da cumulação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com os débitos decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 1991, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, e, por fim, com os demais débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (art.14, incisos I, II e III da Medida Provisória nº 449/2008).
Em
outras palavras, esta
disciplina determina que, para a aplicação da remissão, cada
espécie de crédito (passível de indulto), deve ser objeto de
específica e individualizada verificação de seu enquadramento.
Assim,
se um contribuinte preenche todos os requisitos necessários
para ter direito a remissão, por exemplo, das contribuições
devidas aos denominados terceiros (art. 14, §1º, II da MP
449/2008), este fato não faz surgir um direito adquirido (para esse
mesmo contribuinte), exigir a aplicação da remissão para outros
débitos administrados pela RFB (art. 14, §1º, III da MP 449/2008),
sem a devida análise do prenchimento dos requisitos exigidos em lei.
Ora,
por
tratar-se de um benefício fiscal, onde o interesse público tem
primazia, impôs o texto legal (acreditamos, legitimamente), rígidos
critérios para a sua concessão.
Por
fim, a Medida Provisória traz uma afirmativa, consubstanciada na
declaração de que a remissão concedida, não dá ensejo a nenhum
direito à restituição de quantias pagas (art. 14, §3º da MP
449/2008). Nada mais natural, pois, o perdão do tributo devido
(remissão) não se confunde com tributo equivocadamente recolhido,
que poderia gerar direito à restituição.
[1] MELO, José Eduardo Soares de, Curso de Direito Tributário, 5. ed., São Paulo: Dialética, 2004, pag. 288
[2] Art. 156. Extinguem o crédito tributário:(...)
IV
- remissão;
[3] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
§
6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo,
concessão de crédito presumido, anistia ou remissão,
relativos
a impostos, taxas ou contribuições,
só
poderá ser concedido mediante lei específica, federal,
estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima
enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem
prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (grifos nossos)
[4] Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: (grifos nossos)
[5] Art. 14. Ficam remitidos os débitos com a Fazenda Nacional, inclusive aqueles com exigibilidade suspensa que, em 31 de dezembro de 2007, estejam vencidos há cinco anos ou mais e cujo valor total consolidado, nessa mesma data, seja igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).§ 1o O limite previsto no caput deve ser considerado por sujeito passivo, e, separadamente, em relação:
I - aos débitos inscritos em Dívida Ativa da União, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;
II - aos débitos decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 1991, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil; e
III - aos demais débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
§ 2o Na hipótese do IPI, o valor de que trata este artigo será apurado considerando a totalidade dos estabelecimentos da pessoa jurídica.
§ 3o
O disposto neste artigo não implica restituição de quantias
pagas.
[6] Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:
I - à situação econômica do sujeito passivo;
II - ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;
III - à diminuta importância do crédito tributário;
IV - a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;
V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.