O papel do princípio do duplo grau de jurisdição na lei de arbitragem

O papel do princípio do duplo grau de jurisdição na lei de arbitragem

Analisa e questiona a influência do princípio do duplo grau de jurisdição na lei de Arbitragem e a forma de utilização dos princípios na produção de normas e em sua aplicação.

1. Introdução

O tema que é escopo deste trabalho é a presença do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição na Lei nº 9.307 de 1996 que dispõe sobre os procedimentos que regem a arbitragem no Brasil.

Muito se discute no Brasil sobre a morosidade dos processos judiciais e boa parte dos envolvidos nesta discussão, atribui este problema ao papel do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição no ordenamento jurídico, que traz uma infinidade de recursos, protelando a pretendida resolução da lide. Sendo assim, a lei de arbitragem apresenta-se como solução que atende melhor aos anseios da sociedade, pois se substância em procedimentos mais céleres e com a possibilidade das partes de escolher um arbitro especializado que desejam que aponte a solução do litígio.

O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição não esta expresso em nenhum dispositivo específico da Constituição da República, mas permeia todos os dispositivos dela, no intuito de garantir a qualidade da prestação jurisdicional e a possibilidade de se alcançar uma maior proximidade com a Verdade Absoluta dos fatos e também com o ideal de Justiça.

Neste trabalho procuraremos estudar de que forma tal princípio se apresenta na lei de arbitragem, tendo em vista, que a regra geral desta lei é que, exarada a sentença arbitral, caberá às partes submeter-se ao que foi determinado em sentença, não havendo reexame de mérito pelo juiz arbitral.

Diante disso, será analisada a natureza jurídica do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição e sua importância no ordenamento jurídico. Noutro prisma, analisaremos os aspectos da lei nº 9.307/96 para que possamos identificar a presença do referido princípio no corpo da lei.

Trata-se de tema bastante atual, tendo em vista que a arbitragem é um procedimento novo e que tem sido adotado alternativamente em algumas situações possibilitando uma maior celeridade e sentenças mais técnicas.

2. O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

2.1 A Natureza Jurídica

O princípio do duplo grau, apesar de não está positivado na Constituição da República, permeia-a em todos os seus artigos, pois, qualquer princípio constitucional funciona como o vento, apesar de não ser visto percebe-se a todo o momento a força de sua ação no ordenamento jurídico.

O princípio do duplo grau foi consagrado pela Revolução Francesa, e é o assegurador da possibilidade de reexame da decisão que a parte envolvida no litígio julgou injusta ou ilegal.

Tal princípio visa compelir o Estado-Juiz, no exercício de sua função jurisdicional, a promover uma segunda avaliação de mérito do caso que lhe é apresentado, para que a solução indicada seja a mais próxima da verdadeira justiça.

O papel deste princípio no ordenamento jurídico é o de justamente salvaguardar o direito do litigante de obter uma segunda opinião sobre a solução do seu litígio. Como versa sabiamente Humberto Ávila “ Mesmo que um elemento inerente ao fim que deve ser buscado não esteja previsto, ainda assim o princípio irá garanti-lo” (Ávila, Humberto Bergmann. “ Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos”. São Paulo, Editora Malheiros,03-2006. p. 97).

Assim o objetivo do referido princípio é plenamente alcançado quando à parte envolvida em uma contenda, que insatisfeita com a prestação jurisdicional que lhe fora prestada em 1ª instância, provoca o poder judiciário no intuito de que este possa re-avaliar o mérito de seu litígio, podendo, desta forma tentar uma modificação total ou parcial do que havia sido decidido anteriormente.

2.2. A importância no Ordenamento Jurídico

A jurisdição é o poder conferido ao Estado-Juiz, de solucionar e julgar em determinados conflitos de interesse em substituição a vontade das partes, no intuito de eliminar da sociedade a justiça privada, vigente em tempos remotos.

No exercício desta função o Estado-Juiz tem o dever de observar as normas adequadas ao caso concreto, os princípios norteadores do ordenamento jurídico e outros elementos na busca de prestar uma tutela jurisdicional satisfatória aos litigantes.

Sendo assim tanto na elaboração das leis como na aplicação destas, os princípios exercem uma força invisível que sobrepõe-se a qualquer norma ou regra positivada no ordenamento jurídico.

O princípio do Duplo Grau de Jurisdição, neste contexto, apresenta-se também como uma forma de controle dos atos praticados pelos juízes evitando assim, a prevalência de decisões injustas ou ilegais, garantindo que a decisão proferida em primeira instância possa ser reavaliada por outro julgador em segunda instância.

Como versa Cretella Neto “ A prevalência do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição assenta-se na necessidade de controle dos atos judiciais, evitando que uma injustiça ou ilegalidade prevaleça em vista de ausência de recurso para combatê-la.” (Cretella Neto, José. Fundamentos Principiológicos do Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2002.p.82).

O ordenamento jurídico necessita deste tipo de controle para que não se perpetue na sociedade decisões injustas ou eivadas de vícios. Os juízes devem adotar uma postura de maior comprometimento ao proferir uma sentença sobre uma contenda, cuja avaliação esteja sob sua responsabilidade.

3. Lei de Arbitragem

3.1. Contextualização histórica

Estando o mundo envolto em situações de intensas relações empresariais e de relações de consumo cada vez mais frágeis, por inúmeras vezes as contendas nascidas destas relações, foram levadas à apreciação do Estado-Juiz, assim causando uma imensa sobrecarga no Poder Judiciário.

O imenso fluxo de processos nos cartórios a conseqüente demora na entrega da prestação jurisdicional fizeram com que o legislador desperta-se para a necessidade de buscar novas formas de solução de conflito.

Pensando em desafogar o Poder Judiciário, o legislador então decidiu produzir um procedimento extrajudicial, que proporcionasse às partes a liberdade de escolher alguém qualificado para avaliar as contendas, e que fosse efetivamente mais célere que o habitual procedimento da estrutura jurídico-processual.

Sendo assim, o legislador optou por delegar a alguém, que fosse indicado pelas partes envolvidas no conflito, o poder conferido ao Estado-Juiz de dizer o Direito, ou seja, um terceiro passa, então, a apontar a solução para os litígios, função que antes era delega apenas aos Juizes concursados e devidamente investidos de jurisdição.

A lei nº 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem no Brasil, em seu artº 1º possibilitou que as pessoas, capazes de contratar possam valer-se desta lei para dirimir conflitos de natureza patrimonial, utilizando-se de sentença proferida por terceiro que não o Estado-Juiz.

Tal procedimento trouxe celeridade na entrega da prestação, para os litigantes que optam por utilizá-lo como forma de solução de seus litígios.

3.2. Substancialidade principiológica

A arbitragem, enquanto meio de solução de conflitos que visa, por meio de seu agente, o árbitro, dizer o direito no caso concreto, não poderia deixar de observar os princípios norteadores da legislação processual civil, muito menos os princípios constitucionais.

Para que a arbitragem atinja seu objetivo de pacificação dos conflitos de interesse envolvendo todo o procedimento arbitral, é necessária a existência de garantias, que são fornecidas pelos princípios fundamentais do ordenamento jurídico.

A Constituição da República traz em seu bojo diversos princípios norteadores da produção de normas e regras no ordenamento jurídico. Portanto, a produção legislativa deve observar e respeitar aos princípios, estejam estes positivados ou não, desde o momento da concepção de cada dispositivo legal.

Com base nas determinações expressas pela Carta Magna, temos previsto no Art. 5º, LIV e LV, da Constituição da República de 88, o princípio do devido processo legal que informa o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição.

Contamos, ainda, com o princípio do contraditório, expressamente previsto no Art. 5o, inc. LV da Constituição da República de 88, no qual "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes". Este princípio está profundamente relacionado ao princípio da igualdade das partes, disciplinado no Art. 5º, I, da Constituição da República e reproduzido, no âmbito processual no Art. 125, inc. I do CPC, que intenta "assegurar às partes igualdade de tratamento".

Ressalte-se a importância de citar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana presente em qualquer relação jurídica por ser um princípio assegurado, também, por tratados internacionais.

Todos os princípios citados foram necessariamente observados e respeitados, tanto no momento da criação da lei de arbitragem, quanto nos procedimentos estabelecidos pela lei para os processos arbitrais.

De outra forma, em seus artigos, a referida lei não fez nenhuma abordagem ao princípio do duplo grau de jurisdição, já que no corpo dela, há, expressamente vedação ao reexame de mérito pelo juiz arbitral. No entanto podem as partes, já que são livres para deliberar quanto ao compromisso arbitral, decidirem pela criação de um conselho arbitral que faria o papel de 2ª instância, proporcionando o reexame de mérito.

Se o legislador e o Estado-Juiz, tem a obrigatoriedade de observar e respeitar a todos os princípios, tanto no momento da criação da lei, como em sua aplicação. Por qual motivo a utilização do princípio do duplo grau de jurisdição deverá ficar a margem do procedimento arbitral, ficando como princípio optativo.

3. Optatividade da presença de um princípio nos processos arbitrais

A lei de Arbitragem é guarnecida por diversos princípios Constitucionais, inclusive por princípios de processo civil, como já vimos.

Na lei de arbitragem não se fala em reexame de mérito no caso das partes não aceitarem a solução apontada pelo juiz arbitral em sua sentença, cabendo as partes única e exclusivamente aceitar a decisão proferida e cumprir com o que for determinado.

No entanto, podem as partes, de livre e espontânea vontade, decidir no compromisso arbitral pela criação de um Conselho Arbitral que fará o papel de 2ª instância, e reexaminará o mérito no caso de uma das partes não se conformar com a decisão proferida pelo juiz arbitral.

Nesta situação o princípio do duplo de jurisdição na lei de arbitragem passa a ser um princípio meramente optativo pelas partes, podendo as mesmas abrirem mão da utilização de um princípio segundo as suas próprias vontades.

No procedimento judicial, o Estado-Juiz no exercício de sua função jurisdicional deve observar e respeitar todas as normas e princípios que regem o ordenamento jurídico. Portanto, porque que quando o legislador permite que esta função, de apontar a solução do conflito seja exercida por um terceiro, tal observância e respeito passam a ser optativas?

Será que pode um princípio, que é a norma das normas e regramentos, ser colocado como peça opcional em um ordenamento jurídico? Podendo ser utilizado ou não de acordo com as conveniências da sociedade.

Apesar da intenção do legislador ter sido a de criar um procedimento mais célere para a solução de conflitos, em uma sociedade cada vez mais dinâmica, a observância dos princípios deve ser respeitada, sob pena de causar uma futura insegurança jurídica.

Pois se pode o legislador abrir mão da presença do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição na lei de arbitragem, poderá o mesmo sentir-se a vontade para relativizar na utilização de outros princípios também em outras produções legislativas.

Assim fazendo dos princípios elementos jurídicos de pouca importância, reduzindo homeopaticamente à preocupação do legislador em observá-los e respeitá-los.

4. Considerações finais

De extrema importância é a atenção e respeito aos princípios, para a saudável manutenção do ordenamento jurídico. Faz-se necessária a observância deles em todos os atos praticados, tanto durante a produção legislativa, quanto na aplicação das normas positivadas.

Ocorrendo a inobservância, torna-se difícil enxergar uma regular manutenção do ordenamento jurídico, em seu papel de apontar a solução dos conflitos provenientes de intensas relações sócias, empresariais e de consumo.

5. Referências bibliográficas

PRESTES, Maria Luci de Mesquita. A pesquisa e a construção do conhecimento científico. 1. ed. São Paulo, Editora Respel, 2002.

ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios, da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo, Editora Malheiros, 2006.

BARRETO, Ricardo de Oliveira Paes. Curso de Direito Processual Civil, Conforme a Jurisprudência. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2002.

MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sergio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5. Ed., Revista dos Tribunais, 2006.

Sobre o(a) autor(a)
Alexandre Marcio Souza Santos
Bacharel em Direito, formado pela Faculdade 2 de Julho
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