O devido processo legal na revogação do ato administrativo

O devido processo legal na revogação do ato administrativo

Analisa a necessidade de ocorrência de um processo diante de ato administrativo a ser revogado pela Administração Pública em face do atual sistema jurídico e do texto constitucional.

O presente trabalho tem por objetivo a análise da revogação dos atos administrativos e a necessária manifestação do particular afetado em um processo, ainda que a decisão final seja da Administração Pública e, apenas neste sentido, unilateral.

A revogação de determinado ato administrativo ocorre com o seu desfazimento em virtude de sua inconveniência ou inoportunidade. O ato revogável pressupõe ser válido e eficaz. Diógenes Gasparin [1] indica que:

A revogação só tem cabida quando a Administração Pública, reexaminando uma dada situação, assegurada por certo ato administrativo perfeito, válido e eficaz, conclui que sua permanência no ordenamento jurídico, em termos atuais, não mais atende ao interesse público não é mais conveniente ou oportuna.”

Contudo, ainda que a avaliação de conveniência e oportunidade corresponda ao espaço de atuação da Administração Pública, de forma discricionária, devemos avaliar a possibilidade da retirada deste ato sem a ocorrência de um devido processo legal.

A Administração Pública, diante de ato válido e eficaz, avalia e decide por suprimi-lo juridicamente por completo ou parcialmente. Esta decisão vem a afetar interesses de terceiros ou de pessoas diretamente atingidas por estes atos.

A revogação declarada gera seus efeitos ex nunc, a partir do momento de sua ocorrência, mantendo-se os efeitos anteriormente gerados. Mas desde aquela data o ato revogado não mais produz conseqüências, deixando de alcançar aqueles que até ali eram beneficiados.

Assim, observa-se que o ato a ser revogado estará restringindo bem de particular e, como tal, prescinde de devido processo legal nos termos do artigo 5º, LIV da Constituição Federal de 1988. Um devido processo que garanta o processo adequado ao caso concreto na busca de uma decisão informada, consubstanciada em fatos e normas.

Este entendimento não resulta apenas do disposto no artigo 5º, mas também da aplicação de todo o nosso sistema jurídico, este embasado em uma Constituição principiológica, que prevê um núcleo mínimo processual.

A partir deste, o devido processo legal deve ser garantido aplicando-se, conforme inciso LV do citado artigo 5º, o contraditório e a ampla defesa com todos os meios e recursos inerentes. Assim a Administração poderá avaliar todas as circunstâncias exigíveis ao caso concreto que está sendo analisado e decidir.

Cabe ressaltarmos que o conceito de devido processo legal deve ser o mais amplo, não se restringindo ao processo adequado à lei. Deve haver uma efetiva verificação do que é necessário, indispensável para que, naquela determinada situação em análise, sejam efetivas e concretas as provas produzidas, os fatos apresentados. Somente assim teremos um processo adequado ao direito, à verdade questionada. [2]

E não há como obter esta dimensão sem a participação do interessado no processo decisório, no processo de revogação do ato, da demonstração da ausência de oportunidade e de conveniência. Ressalve-se, apenas, eventual regime de exceção ou algumas situações de urgência que exigiriam medidas dotadas de auto executoriedade que, em função da urgência e da necessidade de preservação eminente do interesse público, autorizariam a atuação preliminar da Administração e postergariam o exercício de defesa do particular.

Desta maneira, com o devido processo legal garantido, há uma participação ativa e crítica do indiciado durante todo o processo, garantindo-se ao particular o direito de formular defesas em oportunidades específicas e em outras em que tornar-se indispensável esclarecimento e apresentação de informações adicionais, consubstanciado no direito ao contraditório.

Quanto à ampla defesa, importante salientar que deve ser efetuada de forma técnica, por meio de advogado, para que se garanta uma defesa efetiva, dotada de todos os meios, normas, provas permitidos ao particular.

Ainda, a revogação resulta de ausência de interesse público na manutenção do ato revogado, deixando de haver conveniência e oportunidade. Nesse aspecto, não só a revogação do ato administrativo esta atrelada a exposição necessário dos motivos que levam a Administração a promover a retirada do ato administrativo – princípio da motivação – sobretudo para a aferição da existência dos legítimos pressupostos, mas também para averiguação de eventual desvio ou abuso de poder.

E aqui retornamos à questão da indispensabilidade da garantia do devido processo legal. Mais do que atender a legalidade, seja pela necessidade de exposição dos motivos, da justificação pela a Administração ao promover a revogação do ato administrativo, superando as exigências legais, o processo administrativo, com todos os meios e recursos inerentes, torna-se fundamental para justificar a conduta estatal, para esclarecer a necessidade e validade da medida, a eficiência, funcionando como forma de controle para com a Administração. Ainda, surge para os terceiros envolvidos como meio de defesa e participação na formação, no conhecimento da verdade.

Marçal Justen Filho [3] esclarece:

A prática do ato revocatório depende da observância de um processo administrativo, iniciando com a demonstração concreta dos motivos evidenciadores da inconveniência do ato em questão. Não é válida a revogação fundada na pura e simples invocação da existência de um ‘interesse público’”.

Através deste processo, inclusive, serão avaliadas outras circunstâncias, outros valores tão importantes e de igual peso para a motivação e justificativa do ato.

Dentro da noção de devido processo legal, decorrente da noção de Estado Democrático de Direito, com garantia dos demais princípios, é que esta decisão estaria limitada. Necessária a ponderação em cada no caso, em face do princípio da segurança jurídica das relações, que vem a estabelecer o mínimo de estabilidade nas relações constituídas, e a proteção da confiança, na perspectiva de confiança que o particular tem em relação à atividade administrativa.

Quando o poder público age de uma determinada maneira inicialmente e em um momento posterior de maneira radicalmente distinta, revogando seus atos, desconstitui a confiança depositada pelo cidadão, o que é incompatível com a noção de Estado Democrático de Direito.

Então o princípio da legalidade estrita, que autorizaria a revogação de determinado ato, deve ser contrastada em face de outros princípios como a segurança das relações jurídicas, a boa-fé, a razoabilidade e a proporcionalidade.



[1] In Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 101


[2] BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998.


[3] In Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 274.

Sobre o(a) autor(a)
Melissa de Miranda Coutinho
Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Especialista em Processo Civil, pós graduanda em Direito Administrativo no Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.
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