Possibilidade de conversão do pacto antenupcial em contrato de convivência

Possibilidade de conversão do pacto antenupcial em contrato de convivência

Abordagem acerca da possibilidade de conversão de um pacto antenupcial em contrato de convivência quando não há a posterior celebração do casamento para formalização do ato.

O pacto antenupcial previsto no artigo 1.653 e seguintes do Código Civil tem sua eficácia condicionada à celebração posterior do casamento. Tendo isto em mente, é possível imaginar uma situação hipotética onde um casal celebra um pacto antenupcial, seguindo todas as formalidades exigidas em lei, inclusive elegendo um regime de bens a ser adotado no casamento, entretanto não ocorre a celebração do matrimônio em momento posterior como previsto, mas os nubentes passam a viver em união estável dali em diante. 

Considerando que não houve celebração do casamento, em tese, seguindo o que dispõe a legislação, o pacto antenupcial seria ineficaz e não produziria efeitos. Entretanto, levando-se em conta o casal que passou a viver em união estável, seria possível que o pacto antenupcial fosse convertido em contrato de convivência para reger essa relação? Em sendo este o caso, qual o regime de bens eleito nessa relação? Necessariamente teria de ser adotado o regime da comunhão parcial de bens?

Para analisar o referido tema deve-se ter por base o que dispõe o art. 1.653 do Código Civil. Segundo o dispositivo legal, a escritura pública é elemento de validade pacto antenupcial e a celebração do casamento é formalidade necessária à sua eficácia. Sendo assim, na hipótese levantada, o pacto poderia perfeitamente ser válido, mas não produziria efeitos. Contudo, se considerarmos que o casal passou a viver em união estável, não seria mais viável reconhecer a eficácia dessa declaração de vontade manifestada por ambos? É nesse sentido o entendimento do doutrinador Flávio Tartuce:

Dúvida resta para a hipótese de elaboração de um pacto antenupcial por escritura pública, não seguido pelo casamento. Ora, passando os envolvidos a viver em união estável, é forçoso admitir que o ato celebrado seja aproveitado na sua eficácia como contrato de convivência (...) Em reforço, serve como alento o princípio da conservação do negócio jurídico, que tem relação direta com a função social do contrato, como consta do Enunciado n. 22 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil 1 .

É louvável o entendimento apresentado pelo autor visto que sua perspectiva leva em consideração a autonomia privada e o princípio da conservação do negócio jurídico. Outros autores também compartilham dessa ideia, como é o caso de Nelson Rosevald e Cristiano Chaves, para eles, é possível que seja aplicada ao caso a ideia trazida pelo art. 170 do Código Civil que permite o aproveitamento da vontade manifestada quando o negócio jurídico é nulo (ou no presente caso, ineficaz). Dessa forma, em que pese o pacto antenupcial não esteja revestido das formalidades necessárias para que possua eficácia, a manifestação de vontade que foi expressa neste documento não deve ser ignorada na hipótese de configuração de uma união estável.2

Segundo o entendimento de Flávio Tartuce: “Um negócio nulo pode ser alterado em outro, se as partes decidirem por tal conversão – de maneira expressa ou implícita – e se o negócio nulo possuir as condições mínimas de validade desse outro negócio, onde será alterado.”3 

Partindo-se da afirmação trazida pelo autor, é possível interpretar que quando o pacto antenupcial for nulo por não estar revestido das formalidades legais, a sua conversão em contrato de convivência não se trata de uma conversão de um negócio nulo, mas sim de um negócio improdutivo, ou seja, incapaz de produzir efeitos. Em outras palavras, trata-se de um negócio jurídico que não preenche os requisitos legais para produzir efeitos em um primeiro instante, porém sua eficácia pode ser alcançada em uma situação fática posterior, qual seja, a convivência dos nubentes.

Em suma, o pacto antenupcial, em tese, não produz efeitos sem que haja a celebração do casamento posteriormente, entretanto, a eficácia da manifestação de vontade ali exposta deve ser reconhecida no caso de configuração de uma união estável posterior. 

Quanto à adoção de regime de bens na união estável, seguindo a linha de raciocínio defendida até agora, em havendo um regime de bens eleito no pacto antenupcial ineficaz, a união estável deverá ser regida por esse regime escolhido pelos nubentes e não pela comunhão parcial de bens como de costume. Esse é o entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.483.863/SP. Segundo o STJ, o contrato de convivência não possui formalidade prevista em lei além do requisito da forma escrita. Assim sendo, o pacto antenupcial válido que estabelece um regime de bens a ser adotado, tratandose de manifestação livre de vontade do casal, é capaz de produzir efeitos nesse caso para levar em consideração o regime de bens já eleito pelas partes. 4

Portanto, considerando que no direito de família a intervenção estatal deve ser mínima e nos negócios jurídicos deve prevalecer o princípio da autonomia privada, a vontade manifestada pelas partes não pode ser ignorada mesmo o pacto antenupcial sendo ineficaz.

Diante de tudo que foi exposto, é imperativo que a vontade das partes envolvidas prevaleça na hipótese levantada, em respeito ao princípio da autonomia privada e da conservação do negócio jurídico. Isto posto, considerando que o contrato de convivência é uma manifestação de vontade das partes que não possui qualquer exigência de formalidade prevista em lei, exceto a forma escrita, conclui-se que não há nenhum impedimento para que o pacto antenupcial ineficaz seja convertido em contrato de convivência em uma situação fática posterior que configure união estável entre o casal.

Além disso, o regime de bens eleito para reger esta união estável deve ser considerado o previsto no pacto antenupcial e não o da comunhão parcial de bens, visto que esse último é uma disposição subsidiária para o caso de os nubentes não tiverem estabelecido um regime de bens diverso em contrato de convivência.

Referências

1 TARTUCE, Flávio. Direito civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 5: Direito de família, p. 166.

2 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 7. ed. 2015. v. 6. p. 315. São Paulo: Atlas. 

3 TARTUCE, Flávio Manual de Direito Civil: Direito de Família. 12.ed., v.5: Rio de Janeiro: Forense.

4 STJ, REsp 1.483.863/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 10/05/2016, DJe 22/06/2016).

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 7. ed. 2015. v. 6. p. 315. São Paulo: Atlas

MATOS, Ana Carla Harmatiuk; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Pacto antenupcial na hermenêutica civil-constitucional. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de; CICCO, Maria Cristina de; RODRIGUES, Francisco Luciano Lima (coord.). Direito civil na legalidade constitucional: algumas aplicações. Indaiatuba: Foco, 2021.

ROQUETE, Mário Lúcio. “Possibilidade de conversão do pacto antenupcial em contrato de convivência”. Anais do 14 Simpósio de TCC e 7 Seminário de IC da Faculdade ICESP. Disponível em: http://nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/documentos/ artigos/1ee9b2c58f03492899250008415ee12c.pdf. Acesso em: 30 mar. 2022.

STJ, REsp 1.483.863/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 10/05/2016, DJe 22/06/2016.

TARTUCE, Flávio. “Conversão de pacto antenupcial em contrato de convivência”. Disponível em:. Acesso em: 30 mar. 2022

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Direito de Família. 12.ed. v. 5: Rio de Janeiro: Forense.

Sobre o(a) autor(a)
Natalia Michelini Paviani
Natalia Michelini Paviani Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Paraná. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola...
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