Direito de Ação: Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição

Direito de Ação: Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição

O direito de ação é um direito público subjetivo do cidadão, expresso na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XXXV. Neste importante dispositivo constitucional encontra-se plasmado o denominado princípio da inafastabilidade da jurisdição.

1.1. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE AÇÃO

O direito de ação é um direito público subjetivo do cidadão, expresso na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XXXV. Neste importante dispositivo constitucional encontra-se plasmado o denominado princípio da inafastabilidade da jurisdição, em razão do qual, no Brasil, somente o Poder Judiciário tem jurisdição, sendo o único Poder capaz de dizer o direito com força de coisa julgada.

Há muita discussão entre os autores a respeito da natureza jurídica do direito de ação. No entanto, as principais características do direito de ação majoritariamente aceitas pela doutrina seriam as seguintes: é um direito autônomo porque, embora ele vise a proteger um direito material que o autor da ação entende lesado, ele (o direito de ação) não se confunde com o direito material que se pretende defender e não depende da efetiva existência desse direito material para que possa ser exercido. Desta forma, o direito de ação existe por si só e pode ser exercido mesmo que não exista nenhum direito material a ele subjacente.

Diz-se que a ação é um direito abstrato porque independe do resultado final do processo. Isto significa dizer que a natureza abstrata do direito de ação não depende de qualquer fato ou resultado, exercido por quem tenha ou não razão, o que será apurado tão somente na sentença.

A natureza subjetiva do direito de ação baseia-se no fato do Estado, ao proibir a auto-satisfação dos interesses individuais, fez do ato de provocar o exercício da função jurisdicional um inequívoco direito subjetivo de cada indivíduo.

O direito de ação é exigido contra o Estado, dizendo respeito ao exercício de uma função pública, daí a sua natureza pública. O interesse na composição da lide não é apenas dos indivíduos em conflito, mas também do Estado.

O direito de ação também possui natureza genérica, já que é atribuído a todos os cidadãos, é sempre o mesmo, pois não varia, por mais diversos que sejam os interesses que, em cada caso, possam os seus titulares aspirar.

Assim, tendo em vista o exposto, conclui-se, seguindo o posicionamento da doutrina dominante acerca da natureza jurídica da ação que ela é caracterizada como um direito subjetivo público, dirigida apenas contra o Estado, de natureza abstrata, pois independe de sentença favorável ou desfavorável, justa ou injusta. É também de natureza autônoma, pois independe do direito subjetivo material; é instrumental, uma vez que a sua finalidade é dar solução a uma pretensão de direito material, pois o que está ligado ao concreto (direito material) é a pretensão, e não a ação.


CONTEÚDO: FUNÇÃO JURISDICIONAL

Em 1891 o Brasil se filiou à tripartição de Poderes. Esta filiação é muito importante para explicar o papel do Poder Judiciário na nossa história, ao qual sempre coube ser o recurso último para todas as lesões de direito. É, portanto, um dos sustentáculos do Estado de Direito. Assim sendo, tem-se que toda jurisdição, o que significa dizer, toda decisão definitiva sobre uma controvérsia jurídica, só poderia ser exercida pelo Poder Judiciário. Não havendo jurisdição fora deste, nem no Poder Executivo, nem no Poder Legislativo.

Assim sendo, com o fim da autotutela, ou autodefesa, o Estado toma para si o poder e o dever de, com exclusividade, resolver de forma imparcial os conflitos de interesses entre os particulares e até mesmo os conflitos de interesses entre o Estado-Administração e os administrados. O Estado possui, portanto, o monopólio da jurisdição, isto é, somente o Estado-Juiz possui a prerrogativa de, quando provocado, dizer o direito aplicável a um fato concreto, solucionando um conflito de interesses em caráter definitivo.

À função jurisdicional cabe este importante papel de fazer valer o ordenamento jurídico, de forma coativa, toda vez que seu cumprimento não se dê sem resistência. O lesado tem de comparecer diante do Poder Judiciário, o qual, tomando conhecimento da controvérsia, se substitui à própria vontade das partes que foram impotentes para se autocomporem. O Estado, através de um de seus Poderes, dita, assim, de forma substitutiva à vontade das próprias partes, qual o direito que estas têm de cumprir.

A lição de Celso Ribeiro BASTOS e Ives Granda MARTINS é lapidar a respeito:

Podemos, assim, afirmar que a função jurisdicional é aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e vontade das partes. [1]

Cândido Rangel DINAMARCO define jurisdição como: “A atividade dos órgãos do Estado destinada a formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada situação jurídica”. Por força de dispositivo constitucional, no Brasil essa atividade é privativa do Poder Judiciário, único órgão apto a formular decisões dotadas da força da coisa julgada. [2]


O DIREITO DE AÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Em razão de o Estado, proibir a autotutela, surge, em contrapartida, a necessidade de armar o cidadão com um instrumento capaz de levar a cabo o conflito intersubjetivo em que está envolvido. Esse direito é exercido com a movimentação do Poder Judiciário, que é o órgão incumbido de prestar a tutela jurisdicional. É direito fundamental à ação. Dessa forma, o exercício da ação cria para o autor o direito à prestação jurisdicional, direito que é um reflexo do poder-dever do juiz de dar a referida prestação jurisdicional.

Pode-se, com isso, dizer que o direito fundamental à ação é a faculdade garantida constitucionalmente de deduzir uma pretensão em juízo e, em virtude dessa pretensão, receber uma resposta satisfatória (sentença de mérito) e justa, respeitando-se, no mais, os princípios constitucionais do processo (contraditório, ampla defesa, motivação dos atos decisórios, juiz natural, entre outros).

Sob a dicção de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, a Constituição da República empalmou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que, em síntese, de um lado, outorga ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição e, de outro, faculta ao indivíduo o direito de ação, ou seja, o direito de provocação daquele.

O art. 5o, XXXV, consagra o direito de invocar a atividade jurisdicional, como direito público subjetivo. Não se assegura aí apenas o direito de agir, o direito de ação. Invocar a jurisdição para a tutela de direito é também direito daquele contra quem se age, contra quem se propõe a ação.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição é a principal garantia dos direitos subjetivos. Fundamenta-se também no princípio da separação de poderes, reconhecido pela doutrina como garantia das garantias constitucionais.

Segundo esclarecimentos de Alexandre de MORAES:

O Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade de ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue. [3]

A importância prática do preceito ora examinado está em vedar sejam determinadas matérias, a qualquer pretexto, sonegadas aos tribunais, o que ensejaria o arbítrio. O crivo imparcial do Judiciário, assim, pode perpassar por todas as decisões da Administração contrariando a possível prepotência de governantes e burocratas.

Quando o art. 5o, XXXV, declara que: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, vem possibilitar o ingresso em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados. Assim, a Constituição amplia o direito de acesso ao Judiciário, antes da concretização da lesão.

Desta forma, por meio da ação adequada, todo aquele – pessoa física ou jurídica – cujo direito (fundamental ou não) houver sido violado, ou ameaçado de violação, pode obter a tutela do Poder Judiciário. Esta, em conseqüência, tanto pode servir para reparar ou restabelecer o direito, como para prevenir seja este lesionado.

Com efeito, o direito anterior não fazia referência à ameaça de lesão a direito. Prevendo que cabe o controle judicial ocorrendo mera ameaça a direito individual, a Constituição está implicitamente autorizando ao Poder Judiciário interferir em atos da órbita administrativa.

De acordo com Luiz Alberto David de ARAÚJO e Vidal Serrano NUNES Júnior, convém destacar que:

A mensagem normativa foi clara ao colocar sob o manto da atividade jurisdicional tanto a lesão como a ameaça a direito. Assim, conclui-se que o dispositivo constitucional citado, ao proteger a ameaça a direito, dotou o Poder Judiciário de um poder geral de cautela, ou seja, mesmo à míngua de disposição infraconstitucional expressa, deve-se presumir o poder de concessão de medidas liminares ou cautelares como forma de resguardo do indivíduo das ameaças a direitos. [4]


AS CONDIÇÕES DA AÇÃO COMO LIMITES AO EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À AÇÃO

O exercício do direito de ação resulta na instauração do processo, passando, o direito processual, a regulamentar a ação. Dessa maneira, é a ordem jurídica infraconstitucional, de natureza processual, que passa a dispor a respeito da ação, a partir de quando exercido o direito de acesso à via jurisdicional, que se dá por meio do ato chamado demanda.

De fato, conquanto possa ser exercido sem qualquer restrição, para que se possa apresentar viável, possibilitando ao autor praticar atos processuais até obter a tutela jurisdicional, o direito de ação sujeita o interessado à observância de algumas condições.

Tais condições, em número de três, quando ausentes determinam o desatendimento ao pedido de tutela, e, desde que presentes, abrem caminho para que se busque, por meio do instrumento processual, uma sentença de mérito, que preste a tutela requerida, decidindo sobre o objeto da pretensão.

A doutrina geral aceita a enumeração de condições adotada no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973. Ali, a teor do disposto no art. 267, inciso VI, há três condições: interesse de agir, legitimação para a causa e possibilidade jurídica do pedido.

Nesse sentido, afirma Alexandre de MORAES:

O fato da Constituição Federal reconhecer a todas as pessoas o direito a obter a tutela judicial efetiva por parte dos juízes ou Tribunais no exercício de seus direitos e interesses legítimos não as desobriga ao cumprimento às condições da ação e dos pressupostos processuais legalmente estabelecidos. [5]

Portanto, a necessidade de serem preenchidas as condições da ação e os pressupostos processuais, bem como a observância dos prazos prescricionais e decadenciais para o exercício do direito de ação, são previsões que, apesar de limitadoras, caracterizam-se pela plausibilidade e constitucionalidade. Tratam-se de requisitos objetivos e genéricos, que não limitam o acesso à Justiça, mas sim regulamentam-no.


DA INEXISTÊNCIA DA JURISDIÇÃO CONDICIONADA OU INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA DE CURSO FORÇADO

Todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória de um direito individual, coletivo ou difuso. Ter direito constitucional de ação significa poder deduzir pretensão em juízo e também poder dela defender-se. A facilitação do acesso do necessitado à justiça, com a assistência jurídica integral é manifestação do princípio do direito de ação. Todo expediente destinado a impedir ou dificultar sobremodo a ação ou a defesa no processo civil constitui ofensa ao princípio constitucional do direito de ação.

O permissivo constitucional criado pela Emenda 7/77 à Constituição de 1967 criou a instância administrativa de curso forçado pela qual, satisfeitos certos requisitos constitucionais, exigia-se do interessado que primeiro percorresse a instância administrativa. Atualmente não há respaldo para a criação de instâncias administrativas de curso forçado, já que qualquer que seja a lesão ou mesmo a sua ameaça, surge imediatamente o direito subjetivo público de ter, o prejudicado, a sua questão examinada por um dos órgãos do Poder Judiciário.

No mesmo sentido, esclarece Alexandre de MORAES:

Inexiste a obrigatoriedade de esgotamento da instância administrativa para que a parte possa acessar o Judiciário. A Constituição Federal de 1988, diferentemente da anterior, afastou a necessidade da chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado, pois já se decidiu pela inexigibilidade de exaurimento das vias administrativas para obter-se o provimento judicial, uma vez que exclui a permissão, que a Emenda Constitucional no 7 à Constituição anterior estabelecera, de que a lei condicionasse o ingresso em juízo à exaustão das vias administrativas, verdadeiro obstáculo ao princípio do livre acesso ao Poder Judiciário. [6]

Com relação ao legislador infra-constitucional, este não pode limitar o acesso ao Poder Judiciário, já que a própria Constituição afirma taxativamente: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Em face disso, sob uma ótica literal, qualquer tentativa legislativa de limitação ao acesso à Justiça seria maculado de inconstitucionalidade. Em outras palavras: a lei não poderia exigir o exaurimento da instância administrativa para a propositura da ação judicial, enfim, qualquer limite seria intolerável.

Posição esta, também defendida por Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria ANDRADE: “não pode a lei infraconstitucional condicionar o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento da via administrativa como ocorria no sistema revogado”. [7]

Ainda, esclarece Walter CENEVIVA: “o dispositivo afirma o direito à jurisdição, de maneira que a lei está impedida de criar, em nível infra-constitucional, qualquer órgão de tipo administrativo contencioso, no qual se esgote o debate, sobre qualquer lesão sofrida ou afirmada pelo interessado”. [8]

A tese da necessária constitucionalidade dos atos de qualquer dos três Poderes aparece formulada no que os juristas chamam de hierarquia das leis. Nesta, a lei constitucional ocupa o ápice, é a lei suprema, cujas normas se impõem às de nível inferior, sob pena de invalidade destas. Assim, a condição de constitucionalidade dos atos do Poder Legislativo, e, sobretudo, da lei, constitui um princípio assecuratório dos direitos fundamentais.

A Constituição é lei suprema, imutável por procedimentos ordinários. Do que decorre a invalidade dos atos que a contradigam, mesmo sendo leis regularmente adotadas pelo Poder competente.

É certo que a lei poderá criar órgãos administrativos diante dos quais seja possível apresentarem-se reclamações contra decisões administrativas. A lei poderá igualmente prever recursos administrativos para órgãos monocráticos ou colegiados. Mas estes remédios administrativos não passarão nunca de uma mera via opcional. Ninguém pode negar que em muitas hipóteses possam ser até mesmo úteis, por ensejarem a oportunidade de uma autocorreção pela administração de seus próprios atos, sem impor ao particular os ônus de uma ação judicial; mas o que é fundamental é que a entrada pela via administrativa há de ser uma opção livre do administrado e não uma imposição de lei ou de qualquer ato administrativo.



[1] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 169.

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Forense, 2000, p. 07.

[3] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria Geral. Comentários aos arts. 1o à 5o da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas S.A., 1998, p. 197.

[4] ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998., p. 104.

[5] MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 197.

[6] MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 199.

[7] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Anotado. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p 137.

[8] CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 62.

Sobre o(a) autor(a)
Corine Campos
Estudante de Direito
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