Empresa que coagiu empregados terá de devolver 40% do FGTS
A Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal
Superior do Trabalho reconheceu a legitimidade do Ministério Público do
Trabalho (MPT) para ajuizar ação civil pública a fim de obrigar uma
empresa a devolver a multa de 40% sobre o FGTS a todos os empregados
que foram coagidos a abrir mão da quantia como condição de admissão em
outra empresa, que a sucedeu na prestação de serviços ao tomador. A
decisão foi tomada por maioria de votos.
O caso ocorreu em Natal (RN) e envolve a empresa Servis – Segurança
Ltda., que atua na terceirização de serviços de vigilância. É notória a
rotatividade nesse ramo de prestação de serviço: empresas surgem e se
desfazem de acordo com o resultado das licitações promovidas pelas
empresas tomadoras. Em muitos casos, os empregados vêem-se sem emprego
e sem direitos trabalhistas ao final de cada contrato não-renovado.
A Servis pagou as verbas rescisórias aos seus empregados após
perder uma licitação pública mas em troca da garantia de contratação
pela empresa vencedora da licitação coagiu os empregados a lhe devolver
a multa de 40% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS),
devida em função da demissão sem justa causa. A coação foi possível
pois é comum o aproveitamento de pessoal pela empresa vencedora da
concorrência.
A empresa terá de restituir os valores aos ex-empregados com os
acréscimos legais e foi proibida de praticar qualquer tipo de coação
por ocasião da demissão de seus empregados – chamada juridicamente de
"obrigação de não fazer" – sob pena de cominação de multa no valor de
R$ 5.000,00, corrigida monetariamente, por cada obrigação descumprida e
com relação a cada trabalhador lesado. A multa será revertida ao Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A relatora original do recurso foi a ministra Maria Cristina
Peduzzi, que votou pela ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho
para propor ação em defesa de direitos individuais. Segundo ela, não se
trata de interesse difuso ou coletivo, pois é possível determinar os
respectivos titulares (os empregados da Servis), que poderiam propor
reclamação trabalhista para evitar que os descontos fossem realizados.
A tese, entretanto, não vingou. Ao abrir a divergência, o ministro
Lélio Bentes Corrêa, votou pela legitimidade do Ministério Público,
liderando a corrente vencedora.
O ministro, que é egresso do MPT, fez uma longa análise das funções
do órgão. Ele explicou que a ação civil pública tem por finalidade
proteger os direitos e interesses metaindividuais – difusos, coletivos
e individuais homogêneos – de ameaças e lesões. Em seguida detalhou
cada um deles para concluir que o que determina sua classificação é a
pretensão e a causa de pedir, podendo um mesmo fato dar ensejo aos três
tipos de interesse, conforme o pedido formulado em juízo.
Lélio Bentes ressaltou que, no caso em questão, foram feitos três
pedidos na ação civil pública: a imposição de "obrigação de fazer",
consistente em restituir a multa de 40% sobre o FGTS; a imposição de
"obrigação de não fazer", consistente em fazer com que a Servis
abstenha-se de praticar quaisquer formas de coação, e a cominação de
multa no equivalente a R$ 5.000,00 por cada obrigação descumprida.
"No tocante à obrigação de não fazer, consistente em se abster da
prática de qualquer forma de coação, não resta dúvida de que se trata
de direito coletivo, já que a pretensão é cominatória e relativa ao
futuro, interessando não somente aos que já foram demitidos e coagidos
a devolver a multa de 40% do FGTS, mas a todo aquele que trabalha ou
vier a trabalhar na Servis e que estará potencialmente sujeito a ser
vítima da conduta empresarial".
Quanto ao pedido do MPT para que a multa seja devolvida aos
trabalhadores, o ministro Lélio Bentes afirmou que ele envolve direitos
individuais homogêneos. "Isso porque o direito individual homogêneo
nada mais é do que direito coletivo em sentido lato, uma vez que todas
as forma de direitos metaindividuais passíveis de tutela mediante ação
civil pública são coletivos, na medida em que envolvem grupos", frisou
o redator-designado do acórdão.