Beijo que marca pescoço não pode, por si só, ser classificado de atentado violento ao pudor

Beijo que marca pescoço não pode, por si só, ser classificado de atentado violento ao pudor

Beijos que deixam marcas roxas no pescoço não podem, em si, ser considerados crime de atentado violento ao pudor. O entendimento é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, ao não conhecer do recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MP), manteve decisão do Tribunal de Justiça daquele estado que absolveu um pai condenado a sete anos e cinco meses de reclusão.

Em outubro de 1998, E.F, pais de duas menores, teria, dentro da própria casa, segurado a filha de sete anos para beijá-la diversas vezes no pescoço. De acordo com os depoimentos colhidos, E.F. puxou J.D.R.F. pelos braços, "chupando" o pescoço da filha mais velha até provocar marcas, o que deixou a criança muito assustada. A mãe da vítima, E.M.R.M., estava trabalhando no momento do suposto atentado. Quando voltou para casa e percebeu o que tinha acontecido, procurou a policia. E.F. acabou sendo preso e condenado por atentado violento ao pudor, crime que consiste em "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal" (artigo 214 do Código Penal).

O réu recorreu ao TJ/MT alegando que estava "apenas brincando" com a filha, fazendo cócegas na menina, e não teria percebido que ela estava assustada. A justificativa foi corroborada pela esposa, que na ocasião afirmou à polícia que nunca havia visto o marido agir daquela maneira com as duas filhas. A defesa de E.F. ainda ressaltou que a própria vítima declarou não ter sofrido nenhuma ameaça ou qualquer outro tipo de abuso por parte do pai.

O TJ/MT acolheu apelação criminal e absolveu o réu, determinando a expedição do alvará de soltura de E.F. A decisão de segunda instância foi assim resumida: "O pai que, ao beijar sua filha menor de sete anos de idade, deixa em seu pescoço mancha roxa proveniente da sucção labial, não pratica nela ato libidinoso, se o beijo não insinua satisfação à lascívia, fixando, com mais intensidade, a prática de lesão corporal leve. A interpretação foi inadequada. Ausência de lascívia. Absolvição que se impõe. Apelo provido".

Inconformado, o MP recorreu ao STJ, onde insistiu na existência do crime cometido pelo pai da menor: "O caso retrata autêntico atentado violento ao pudor. O constrangimento deu-se através da violência física, caracterizada na atitude do réu que por diversas vezes agarrou a filha, segurando-lhe enquanto lhe chupava o pescoço". No recurso especial, o MP solicitou o restabelecimento da sentença de primeiro grau, cassando a absolvição concedida pelo TJ/MT.

Todavia, o ministro Felix Fischer, relator do processo, não conheceu do recurso porque o caso exigia reexame de prova, análise vedada pela Súmula n.º 07 do STJ. "A via do recurso especial não comporta a verificação de eventual erro fático. Se houve error facti na distinção, em segundo grau, entre brincadeira de mau gosto nas relações domésticas e um possível, porém considerado discutível, atentado ao pudor, escapa dos limites da via do apelo excepcional", explicou o ministro. Em seu voto, Fischer salientou que o processo carecia de estrutura suficiente para que a tese apresentada fosse acolhida pelo tribunal superior. "A questão fática é nebulosa, quando não confusa", classificou o relator.

"É inegável que as crianças e os adolescentes merecem especial atenção e proteção. Todavia, não se pode, automaticamente, nessa missão, considerar como atentado violento ao pudor uma possível brincadeira de mau (ou, até, péssimo) gosto, mormente na esfera das relações domésticas", concluiu Fischer.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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