Afastada penhora de casa construída em terreno de microempresa devedora

Afastada penhora de casa construída em terreno de microempresa devedora

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho anulou a penhora de um imóvel que pertence a uma microempresa de Caxias do Sul (RS), mas serve de residência para o filho de um de seus sócios. Para o colegiado, a lei que considera impenhorável o bem de família se aplica, também, a terceiros que tenham a sua posse e nele residam.

Posse

A penhora fora determinada para o pagamento de dívida trabalhista da Matrizaria e Recuperadora de Plásticos Ltda. Contra a decisão, o filho do sócio e sua família recorreram, argumentando que, ainda que o imóvel não estivesse registrado em seu nome, eles eram os reais proprietários da residência que existe no terreno. Para isso, juntaram comprovantes de endereço e fotos da casa e sustentaram que a impenhorabilidade do bem de família impossibilita a venda judicial. Alegaram, ainda, que não tinham condições  de  arcar  com custos  de  aluguel caso fossem despejados do local.

Entretanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região manteve a penhora, sob o fundamento de que o bem pertencia à pessoa jurídica executada (a empresa). Segundo o TRT, embora tenha comprovado que reside no local, a família exerce apenas a posse direta do imóvel.

Direito fundamental

A relatora do recurso de revista dos ocupantes do imóvel, ministra Kátia Arruda, afirmou que a Constituição da República considera a moradia como um direito fundamental, e uma das formas de garantir esse direito e a dignidade da pessoa humana é a proteção ao bem de família destinado a essa finalidade. 

Nesse sentido, a Lei 8.009/1990, que regulamenta a matéria, veda a penhora do imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) interpreta essa proteção de forma ampla, estendendo-a à posse do imóvel em nome de pessoa jurídica, desde que o possuidor demonstre que o bem se presta à moradia da família, como no caso.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-0020701-43.2019.5.04.0401

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE
REVISTA ANTERIOR À LEI 13.015/2014.
TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS A DE
ESCRAVO. INCLUSÃO NO CADASTRO DE
EMPREGADORES QUE MANTIVERAM
TRABALHADORES NESSA CONDIÇÃO.
VALORAÇÃO DA PROVA. VIOLAÇÃO
CONSTITUICIONAL E LEGAL. Demonstrada a
violação de dispositivos constitucionais e legais
em face do quadro fático delineado pelo
Regional, nos termos exigidos no artigo 896 da
CLT, provê-se o agravo de instrumento para
determinar o processamento do recurso de
revista.
II – RECURSO DE REVISTA ANTERIOR À LEI
13.015/2014. TRABALHO EM CONDIÇÕES
ANÁLOGAS A DE ESCRAVO. INCLUSÃO NO
CADASTRO DE EMPREGADORES QUE
MANTIVERAM TRABALHADORES NESSA
CONDIÇÃO. Em face da alteração do art. 149
do Código Penal pela Lei 10.803/2003, o crime
de reduzir alguém à condição análoga à de
escravo passou a abranger literalmente a
execução de jornada exaustiva e a sujeição a
condições degradantes de trabalho. Assim, a
configuração do trabalho escravo hodierno não
se limita a restrição da liberdade do
trabalhador. Nessa linha, atualmente, a
jurisprudência do STF entende que o bem
jurídico tutelado pelo artigo 149 do Código
Penal vai além da liberdade individual,
englobando também a dignidade da pessoa
humana, os direitos trabalhistas e
previdenciários, que constituem o sistema
social trazido pela Constituição. Nesse sentido,
merece destaque precedente da Suprema
Corte no sentido de considerar o desrespeito a
dignidade da pessoa humana, em face da
violação dos seus direitos básicos, dentre os
quais se inclui o direito do trabalho, para fins
de caracterizar a prática da conduta tipificada
no art. 149 do Código Penal (RE 459.510/MT,
Rel. Min. Cezar Peluzo, Rel. Acórdão Min. Dias
Toffoli. DJe, 11 abr. 2016.). Destaca-se, também,
decisão do pleno do STF no Inquérito nº
3.412/AL (STF, INQ 3412, rel. min. Marco
Aurélio, red. p/ o ac. min. Rosa Weber, julgado
em 29/3/2012, DJE 12/11/2012) no sentido de a
caracterização da escravidão moderna ser mais
sutil, não sendo necessário haver a coação
física da liberdade de ir e vir, bastando que a
vítima seja submetida a trabalhos forçados ou
a jornada exaustiva ou a condições
degradantes de trabalho, condutas
alternativamente previstas no tipo penal (art.
149). Saliente-se, ainda, o disposto no art. 186,
III e IV, da Constituição Federal, segundo a qual
a função social da propriedade rural é
cumprida quando atendidos, simultaneamente,
dentre outros requisitos, a observância das
disposições que regulam as relações de
trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar
dos trabalhadores. No caso, o Regional
entendeu que, não obstante as infrações
verificadas na ação fiscal relacionadas à
indisponibilidade de instalações sanitárias, à
ausência de submissão dos empregados ao
exame admissional, à ausência de registro de
empregados em livro, ficha, ou sistema
eletrônico e à ausência de fornecimento de
EPIs, tais infrações seriam meramente
administrativas e não possuiriam relação com
a submissão de trabalhadores a condições
análogas à de escravo. Consta, ainda, no
acórdão que o autor, como proprietário do
imóvel rural alvo das irregularidades e com a
finalidade de colocar fim a litigio, assumiu,
mediante TAC, parcela a título de dano moral
coletivo e se comprometeu a passar a adotar,
pessoalmente, condutas corretivas futuras e
positivas, direcionadas às questões que
envolvem a exploração de sua área e o
trabalho necessário para esse fim. Destaca-se,
ainda, que o Regional entendeu que o fato de o
autor não ter participado diretamente na
carvoaria existente em sua propriedade deve
ser considerado para a exclusão do seu nome
na lista de empregadores. Logo, os
fundamentos constantes no acórdão regional
são suficientes para esclarecer que o Regional
firmou o entendimento de não serem
degradantes e, portanto, não configurarem
condições análogas as de escravo, aquelas
condições de trabalho ali retratadas, havidas
em proveito de pastos para rebanho do
agravado (que assumiu inclusive a aptidão para
reverter as infrações detectadas, ao firmar os
TAC's e honrar obrigações trabalhistas devidas
a empregados escravizados em carvoarias
gerenciada por "arrendatário" que
compartilhava a vivência precária destes).
Nesse contexto, deve ser reconhecida a
demonstração da violação dos arts. 1º, III e IV;
3º, III e IV; 4º, II, 170, caput e inciso II, da
Constituição Federal e 13 da Lei 5.889/73.
Recurso de revista conhecido e provido.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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