Empresa que exigiu cheque e carta-fiança para admissão de motorista deverá indenizá-lo

Empresa que exigiu cheque e carta-fiança para admissão de motorista deverá indenizá-lo

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a M. Dias Branco S.A Indústria e Comércio de Alimentos, de Eusébio (CE), ao pagamento de indenização a um motorista que, para ser admitido, teve de entregar uma carta de fiança e um cheque no valor de R$ 20 mil, com data em branco. Para o órgão, a exigência de garantias para a admissão de empregado configura abuso do poder diretivo do empregador.

Desconfiança

Na reclamação trabalhista, o empregado contou que fora contratado para exercer a função de motorista-vendedor e que, no ato da contratação, a empresa exigiu-lhe uma garantia para poder iniciar seus trabalhos. A carta de fiança e o cheque com data em branco foram devolvidos somente no ato de demissão, 19 anos depois. Para ele, a exigência foi discriminatória, pois demonstrou desconfiança em relação ao empregado, “sem nenhum motivo”. 

Prática antiga

A M. Dias Branco, em sua defesa, disse que a medida se devia a práticas antigas das empresas do ramo e, na época da contratação, era praxe no mercado, porque o motorista lidava com grandes quantidades de cargas e poderia receber valores elevados. Argumentou, ainda, que a fiança é exigida em vários negócios jurídicos e regulada pela legislação civil, não se tratando, portanto, de ato ilícito nem de exposição indevida da parte que a oferece.

Presunção de desonestidade

O juízo da Vara do Trabalho de Eusébio indeferiu o pedido de indenização, por entender que não houve lesão aos direitos de personalidade, principalmente por não ter havido retenção ou desconto do valor. O Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE) manteve a sentença e destacou que a exigência de garantia não leva à presunção de desonestidade do trabalhador.

Abuso do poder diretivo

Para o relator do recurso de revista do motorista-vendedor, ministro Mauricio Godinho Delgado, a exigência de garantias para a admissão de empregado configura abuso do poder diretivo do empregador, e os fatos narrados na ação realmente atentaram contra a dignidade, a integridade psíquica e o bem-estar individual do trabalhador.

Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso e fixou a indenização em R$ 5 mil.

Processo: RR-2060-28.2017.5.07.0034

A) AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A
ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À
LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS. EXIGÊNCIA DE CARTA
FIANÇA NO ATO DA ADMISSÃO. Verifica-se
que a Presidência da Corte de origem, ao
examinar a admissibilidade do recurso de
revista interposto pela empresa, analisou
especificamente cada tema relativo às
questões trazidas no apelo patronal. No
entanto, quanto à admissibilidade do recurso
interposto pelo Reclamante, a fundamentação
do TRT foi bem sucinta, sequer detalhando o
tema específico relacionado à insurgência
quanto à “indenização por danos morais –
exigência de carta fiança no ato da admissão” –
misturando o exame desse tema com a análise
das “horas extras – trabalho externo”. Nesse
sentido, este Relator entendeu que não teria
ocorrido o exame, pelo juízo de admissibilidade
da Corte Regional, do tema relativo à reparação
moral e, como a Parte não opôs embargos de
declaração em face da decisão denegatória, a
questão estaria preclusa, nos termos do §1º, do
art. 1º, da Instrução Normativa nº 40/TST. No
entanto, com a interposição do presente
agravo, a Parte demonstrou que o TRT analisou
as violações indicadas no apelo – inclusive
porque afastou a alegação de afronta ao
dispositivo constitucional apontado para
fundamentar o tema –, o que se pode entender
como suficiente para reconhecer o exame da
admissibilidade da matéria pela Corte Regional.
Agravo provido.
B) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE
REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº
13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº
13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. EXIGÊNCIA DE CARTA FIANÇA NO
ATO DA ADMISSÃO. Demonstrado no agravo
de instrumento que o recurso de revista
preenchia os requisitos do art. 896 da CLT,
dá-se provimento ao agravo de instrumento
para melhor análise da alegação de violação do
art. 5º, X, da CF. Agravo de instrumento
provido.
C) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A
ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À
LEI Nº 13.467/2017. 1. HORAS EXTRAS.
TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE DE
CONTROLE DE JORNADA. MATÉRIA FÁTICA.
SÚMULA 126/TST. O fato de o trabalhador
exercer atividade externa não é incompatível
com a fiscalização e o controle da sua jornada
de trabalho pelo empregador. A averiguação se
dá em cada caso, em respeito ao princípio da
primazia da realidade, segundo o qual se deve
analisar a prática concreta efetivada ao longo
da prestação de serviços, independentemente
da vontade eventualmente manifestada pelas
partes ou ao previsto em instrumento escrito
que, porventura, não correspondam à
realidade. No caso em tela, atendendo aos
fatos e às circunstâncias constantes dos autos,
o Tribunal Regional manteve a sentença que
indeferiu o pleito de horas extras, ante a
comprovação de que o Reclamante,
desempenhando o trabalho externamente, não
estava sujeito a controle de jornada, sendo o
caso de aplicação da excludente da duração de
trabalho prevista no art. 62, I, da CLT. A esse
respeito, consignou a Corte de origem que "o
Reclamante não possuía horário certo para o
início ou término do seu serviço, pois tudo
dependeria da conclusão das vendas e entregas,
cumpridas conforme a conveniência do próprio
autor" e que "cabia ao Reclamante fixar seu
itinerário da forma que mais lhe fosse
conveniente, não tendo a reclamada qualquer
ingerência nesse sentido". Assim sendo,
afirmando a instância ordinária, quer pela
sentença, quer pelo acórdão, que o Autor se
enquadrava na exceção do art. 62, I, da CLT,
torna-se inviável, em recurso de revista,
reexaminar o conjunto probatório dos autos,
por não se tratar o TST de suposta terceira
instância, mas de Juízo rigorosamente
extraordinário - limites da Súmula 126/TST,
cuja aplicação, por si só, impede o exame do
recurso tanto por violação a dispositivo de lei
como por divergência jurisprudencial,
sobretudo porque os arestos somente são
inteligíveis dentro do universo probatório em
que foram proferidos. Recurso de revista não
conhecido no tópico. 2. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS. EXIGÊNCIA DE CARTA
FIANÇA NO ATO DA ADMISSÃO. A conquista e
a afirmação da dignidade da pessoa humana
não mais podem se restringir à sua liberdade e
intangibilidade física e psíquica, envolvendo,
naturalmente, também a conquista e
afirmação de sua individualidade no meio
econômico e social, com repercussões positivas
conexas no plano cultural - o que se faz, de
maneira geral, considerado o conjunto mais
amplo e diversificado das pessoas, mediante o
trabalho e, particularmente, o emprego. O
direito à indenização por dano moral encontra
amparo no art. 5º, V e X, da Constituição da
República, e no art. 186 do CCB/2002, bem
como nos princípios basilares da nova ordem
constitucional, mormente naqueles que dizem
respeito à proteção da dignidade humana, da
inviolabilidade (física e psíquica) do direito à
vida, do bem-estar individual (e social), da
segurança física e psíquica do indivíduo, além
da valorização do trabalho humano. O
patrimônio moral da pessoa humana envolve
todos esses bens imateriais, consubstanciados
em princípios fundamentais pela Constituição.
Afrontado esse patrimônio moral, em seu
conjunto ou em parte relevante, cabe a
indenização por dano moral, deflagrada pela
Constituição de 1988. Na hipótese, restou
incontroverso nos autos que a Reclamada
exigiu, no ato de contratação do Reclamante,
uma carta de fiança e um cheque no valor de
R$ 20.000,00 com data em branco. Não
obstante tal circunstância, o TRT entendeu que
“Não se vislumbra ofensa alguma na carta de
fiança com a qual o recorrente implementou as
condições de fidúcia, necessárias para o mister
decorrente do vínculo de emprego” e que “a
exigência de garantia não leva a presunção de
desonestidade do trabalhador, não implicando,
portanto, ofensa à honra e à dignidade do
empregado”. Nesse sentido, concluiu a Corte de
origem pela licitude da conduta da Reclamada
ao exigir a carta de fiança e, assim, assentou
inexistir o dever de reparação. Contudo,
considerando as premissas fáticas explicitadas
no acórdão recorrido, tem-se que a matéria
comporta enquadramento jurídico diverso.
Com efeito, esta Corte Superior entende que a
exigência de garantias para a admissão de um
empregado configura abuso do poder diretivo
do empregador, ensejando, portanto, a
responsabilidade civil do empregador pelo
dano moral causado “in re ipsa”, com o
consequente direito à indenização, com fulcro
nos arts. 186, 187 ("abuso do direito") e 927
("ato ilícito") do Código Civil. Nesse sentido,
forçoso concluir que os fatos ocorridos com o
Reclamante realmente atentaram contra a sua
dignidade, a sua integridade psíquica e o seu
bem-estar individual - bens imateriais que
compõem seu patrimônio moral protegido pela
Constituição -, ensejando a reparação moral,
conforme autorizam os incisos V e X do art. 5º
da Constituição Federal e os arts. 186 e 927,
caput, do CCB/2002. Nesse contexto, devida a
indenização por danos morais. Recurso de
revista conhecido e provido no aspecto.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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