Falta de intimação do MP só anula processo contra empresa em recuperação se intervenção for indispensável

Falta de intimação do MP só anula processo contra empresa em recuperação se intervenção for indispensável

Nos termos do artigo 279 do Código de Processo Civil de 2015, a nulidade processual decorrente da ausência de intimação do Ministério Público só deve ser decretada quando sua intervenção como fiscal da ordem jurídica for indispensável. Além disso, a Lei de Falência e Recuperação não exige a atuação do MP em todas as ações que tenham empresas em recuperação como partes.

Esse cenário legislativo levou a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que anulou sentença proferida em execução de título extrajudicial porque a ação envolvia empresa em recuperação e não houve a intimação do MP. A decisão foi unânime.

Relatora do recurso especial, a ministra Nancy Andrighi lembrou que a intervenção do MP em processos judiciais deve ocorrer sempre que a matéria controvertida envolver, em alguma medida, discussão de interesse público, como previsto pelo artigo 127 da Constituição e pelo artigo 178 do CPC/2015.

Dispositivo vetado

A ministra também lembrou que, no projeto que deu origem à Lei 11.101/2005, o Congresso Nacional havia previsto a obrigatoriedade de intervenção do MP nos processos de recuperação judicial e de falência. Entretanto, esse dispositivo foi vetado porque, entre outros fundamentos, sobrecarregaria o MP e reduziria a sua importância institucional.

"Percebe-se, a toda evidência, que se procurou alcançar solução que, ao mesmo tempo em que não sobrecarregasse a instituição com a obrigatoriedade de intervenção em ações 'irrelevantes' (do ponto de vista do interesse público), garantisse a atuação do ente naquelas em que os reflexos da discussão extrapolassem a esfera dos direitos individuais das partes, assegurando-lhe requerer o que entendesse pertinente quando vislumbrada a existência de interesses maiores", explicou a relatora.

Interesses privados

Ainda que o dispositivo vetado estivesse em vigor, Nancy Andrighi observou que ele não justificaria a necessidade de atuação do MP em processos como a execução de título extrajudicial, pois o projeto de lei originalmente exigia a participação ministerial apenas no curso do próprio processo de recuperação judicial.

No caso dos autos, a ministra ressaltou que a ação que envolve a empresa em recuperação é marcada pela contraposição de interesses privados e discute direitos disponíveis, sem repercussão relevante na ordem econômica ou social. Por isso – apontou –, o fato de a empresa estar em recuperação não é suficiente para atrair a necessidade de atuação do MP.

"Ademais, considerando o princípio da instrumentalidade das formas, a anulação da sentença por ausência de intervenção ministerial somente poderia se justificar se caracterizado efetivo prejuízo às partes, circunstância não verificada no particular" – finalizou a ministra, ao reformar o acórdão do TJSP e determinar o prosseguimento da ação.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.765.288 - SP (2018/0231883-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : CONTROLADORIA ASSESSORIA CONTABIL EIRELI
ADVOGADO : DAVID GOMES DE SOUZA E OUTRO(S) - SP109751
RECORRIDO : CGE SOCIEDADE FABRICADORA DE PECAS PLASTICAS LTDA
ADVOGADO : MARCOS NOVAKOSKI FERNANDES VELLOZA E OUTRO(S) - SP117536
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA.
NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISIDICIONAL.
NÃO VERIFICAÇÃO.
1. Ação ajuizada em 1/7/2014. Recurso especial interposto em 9/4/2018 e
atribuído ao Gabinete em 3/10/2018.
2. O propósito recursal é definir se a ausência de intervenção do Ministério
Público autoriza o reconhecimento da nulidade dos atos praticados em
execução de título extrajudicial onde figura como parte empresa em
recuperação judicial.
3. O acórdão recorrido está devidamente fundamentado, não apresentando
qualquer dos vícios apontados pela recorrente, de modo que não se pode
cogitar de violação ao art. 1.022 do CPC/15.
4. De acordo com o art. 279 do CPC/15, a nulidade decorrente de ausência de
intimação do Ministério Público deve ser decretada apenas quando sua intervenção
como fiscal da ordem jurídica seja imprescindível.
5. A Lei de Falência e Recuperação de Empresas não exige a atuação obrigatória do
Ministério Público em todas as ações em que empresas em recuperação judicial
figurem como parte.
6. Hipótese concreta em que se verifica a ausência de interesse público apto a
justificar a intervenção ministerial, na medida em que a ação em que a recuperanda
figura como parte constitui processo marcado pela contraposição de interesses de
índole predominantemente privada, versando sobre direitos disponíveis, sem
repercussão relevante na ordem econômica ou social.
7. A anulação da sentença por ausência de intervenção do Ministério Público, na
espécie, somente seria justificável se ficasse caracterizado efetivo prejuízo às partes,
circunstância que sequer foi aventada nas manifestações que se seguiram à decisão
tornada sem efeito pela Corte de origem.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nesta parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Brasília (DF), 18 de agosto de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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