Cabe agravo de instrumento contra decisão que inverte ônus da prova em relações de consumo

Cabe agravo de instrumento contra decisão que inverte ônus da prova em relações de consumo

É cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que versa sobre a inversão do ônus da prova nas ações que tratam de relação de consumo.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma revendedora para permitir a análise de mérito de um agravo de instrumento interposto contra decisão que determinou a inversão do ônus da prova com base no Código de Defesa do Consumidor.

No caso, o consumidor entrou com ação de reparação de danos contra uma revendedora e a montadora por causa de defeito no veículo adquirido. O juízo responsável pela demanda inverteu o ônus da prova, atribuindo às empresas a obrigação de demonstrar que não havia defeito ou, se existente, quando ele surgiu e quem o causou.

A revendedora entrou com agravo de instrumento contra a inversão do ônus da prova. O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) entendeu que, por não se tratar de redistribuição dinâmica do ônus da prova, mas de inversão com base no CDC, o agravo de instrumento não era cabível.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o agravo de instrumento deve ser admitido não apenas na hipótese de decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova, “mas, igualmente, na hipótese de decisão interlocutória que defere ou indefere quaisquer outras atribuições do ônus da prova distintas da regra geral, desde que se operem ope judicis [segundo a discricionariedade do magistrado] e mediante autorização legal”.

Exceções à regra

A relatora destacou que, embora distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do artigo 373 do Código de Processo Civil de 2015.

A ministra lembrou que as exceções foram criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito, sendo regras que devem ser implementadas antes da sentença, “a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido”.

Segundo Nancy Andrighi, é cabível a impugnação imediata, por agravo de instrumento, da decisão que verse sobre as exceções do artigo 373, pois “a oportunidade dada à parte que recebe o ônus da prova no curso do processo deve ser ampla, compreendendo a possibilidade de provar e também a possibilidade de demonstrar que não pode ou que não deve provar, como, por exemplo, nas hipóteses de prova diabólica reversa ou de prova duplamente diabólica – exame que se deve dar, de imediato, em segundo grau de jurisdição”.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.110 - CE (2018/0054397-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : DIVEPEL DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS PEIXOTO LTDA
ADVOGADOS : ROMMEL BARROSO DA FROTA - CE013921
FRANCISCO DIAS DE PAIVA FILHO - CE015324
JOSE RIBAMAR DE SOUSA FILHO - CE024136
EMMANUEL EMERSON SANTOS ALBUQUERQUE - CE025364
RECORRIDO : SÉRGIO MARQUES MADEIRA BARROS JUNIOR
ADVOGADOS : RENO PORTO CESAR BERTOSI - CE018902
FILIPPE VASQUES SAMPAIO - CE025390
PAULO ROBERTO CHAGAS MARANHAO - CE033423
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E
MORAIS EM DECORRÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. ALEGAÇÃO DO RÉU
DE QUE OS REQUISITOS PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NÃO ESTÃO
PRESENTES. RECORRIBILIDADE IMEDIATA COM BASE NO ART. 1.015, XI, DO
CPC/15. POSSIBILIDADE. REGRA DE CABIMENTO DO AGRAVO DE
INSTRUMENTO QUE SE INTERPRETA EM CONJUNTO COM O ART. 373, §1º,
DO CPC/15. AGRAVO DE INSTRUMENTO CABÍVEL NAS HIPÓTESES DE
DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA E DE INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA. INSTITUTOS DISTINTOS, MAS SEMELHANTES QUANTO À NATUREZA,
JUSTIFICATIVA, MOMENTO DE APLICAÇÃO E EFEITOS. INDISPENSÁVEL
NECESSIDADE DE PERMITIR À PARTE A DESINCUMBÊNCIA DO ÔNUS DE
PROVAR QUE, POR DECISÃO JUDICIAL, FORA IMPOSTO NO CURSO DO
PROCESSO.
1- Ação proposta em 20/08/2015. Recurso especial interposto em
21/09/2017 e atribuído à Relatora em 13/03/2018.
2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base
nos arts. 1.015, XI e 373, §1º, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que
versa sobre a inversão do ônus da prova nas ações que tratam de relação de
consumo.
3- No direito brasileiro, o ônus da prova é disciplinado a partir de uma regra
geral prevista no art. 373, I e II, do CPC/15, denominada de distribuição
estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato
constitutivo do direito e cabe ao réu provar o fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor, admitindo-se, ainda, a existência de
distribuição estática do ônus da prova de forma distinta da regra geral,
caracterizada pelo fato de o próprio legislador estabelecer, previamente, a
quem caberá o ônus de provar fatos específicos, como prevê, por exemplo, o
art. 38 do CDC.
4- Para as situações faticamente complexas insuscetíveis de prévia

catalogação pelo direito positivo, a lei, a doutrina e a jurisprudência
passaram a excepcionar a distribuição estática do ônus da prova, criando e
aplicando regras de distribuição diferentes daquelas estabelecidas em lei,
contexto em que surge a regra de inversão do ônus da prova prevista no art.
6º, VIII, do CDC, e a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova,
reiteradamente aplicada por esta Corte mesmo antes de ser integrada ao
direito positivo, tendo ambas – inversão e distribuição dinâmica – a
característica de permitir a modificação judicial do ônus da prova
(modificação ope judicis).
5- As diferentes formas de se atribuir o ônus da prova às partes se reveste
de acentuada relevância prática, na medida em que a interpretação
conjunta dos arts. 1.015, XI, e 373, §1º, do CPC/15, demonstra que nem
todas as decisões interlocutórias que versem sobre o ônus da prova são
recorríveis de imediato, mas, sim, apenas àquelas proferidas nos exatos
moldes delineados pelo art. 373, §1º, do CPC/15.
6- O art. 373, §1º, do CPC/15, contempla duas regras jurídicas distintas,
ambas criadas para excepcionar à regra geral, sendo que a primeira diz
respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em
lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do
CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da
prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com
a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus
estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da
prova do fato contrário.
7- Embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão
do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I
e II, do CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza
econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de
mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser
implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte
que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se
desincumbir do ônus recebido.
8- Nesse cenário, é cabível a impugnação imediata da decisão interlocutória
que verse sobre quaisquer das exceções mencionadas no art. 373, §1º, do
CPC/15, pois somente assim haverá a oportunidade de a parte que recebe o
ônus da prova no curso do processo dele se desvencilhar, seja pela
possibilidade de provar, seja ainda para demonstrar que não pode ou que
não deve provar, como, por exemplo, nas hipóteses de prova diabólica
reversa ou de prova duplamente diabólica.
9- Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao
recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 02 de abril de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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