Negado pedido para restabelecer repasse do Ministério da Saúde a município que não tem médico

Negado pedido para restabelecer repasse do Ministério da Saúde a município que não tem médico

O município de Viçosa (RN) teve indeferido pedido liminar de restabelecimento dos recursos do Programa de Atenção Básica, destinados pelo Ministério da Saúde como forma de viabilizar ações municipais de saúde. A decisão é do vice-presidente do STJ, no exercício da presidência, ministro Humberto Martins. A transferência dos recursos está suspensa porque o município, distante cerca de 373 quilômetros de Natal, não possui médico ativo em seu quadro de profissionais.

No mandado de segurança, o município alega que, em fevereiro de 2018, a médica destinada ao atendimento da cidade por meio do Programa Mais Médicos pediu desligamento. Segundo o município, como a ausência de médicos era uma das causas de suspensão dos repasses previstas pela Portaria 2.436/17, o Ministério da Saúde deixou de realizar a transferência mensal de cerca de R$25 mil, além de não designar um novo profissional.  

Para o município, a falta de um médico na cidade seria de exclusiva responsabilidade do Ministério da Saúde, já que a gestão do Programa Mais Médicos é de competência do governo federal.

Autonomia

O ministro Humberto Martins destacou que os municípios possuem autonomia para realizar concurso público para o cargo de médico, nos termos do artigo 18 da Constituição Federal. Além disso, o vice-presidente do STJ lembrou que, em situações de urgência, como no caso da ausência de médicos no quadro funcional do município, o artigo 37 da Constituição também prevê a possibilidade de contratação temporária de profissionais.

“Do exame das disposições constitucionais, não parece ser razoável imputar a responsabilidade legal da União em fornecer o referido profissional médico. Ao contrário, a obrigatoriedade de contar com médicos nos quadros funcionais é dos municípios; afinal, são essas pessoas jurídicas de direito público que, de modo direto, irão prestar os serviços de atenção básica”, apontou o ministro ao indeferir o pedido liminar.

O mérito do mandado de segurança ainda será analisado pela Primeira Seção, sob relatoria do ministro Francisco Falcão.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.496 - DF (2018/0176136-0)

RELATOR : MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
IMPETRANTE : MUNICÍPIO DE VIÇOSA
ADVOGADO : VICTOR RAMON ALVES - RN011927
IMPETRADO : MINISTRO DA SAÚDE

DECISÃO
Vistos.
Cuida-se de pedido de liminar nos autos de mandado de segurança
impetrado pelo MUNICÍPIO DE VIÇOSA contra ato alegadamente coator do
MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, consubstanciado na ausência de repasses
do PAB Variável, em razão da municipalidade não contar com médico ativos nos
seus quadros.
Na petição inicial, o Município argumenta que está sem médico no
seu quadro em razão da ausência de substituição daquele profissional advindo do
Programa Mais Médicos. O Município argumenta que é ciente da existência de
uma vedação para o repasse no âmbito da Portaria n. 2.436/2017 do Ministério da
Saúde. Porém, defende que a situação de ausência de médico no Município
decorre da inexistência de envio de profissional pelo Programa Mais Médicos, do
próprio Ministério da Saúde. Pede liminar para que sejam liberados os repasses,
bem como para que seja enviado médico ao Município (fls. 1-12, e-STJ).
É, no essencial, o relatório.
A situação em debate nos autos se refere à suspensão do repasse de
recursos do Programa de Atenção Básica (PAB) do Ministério da Saúde para o
Município impetrante, por força das seguintes disposições da Portaria:
"(...)
Sobre a suspensão do repasse dos recursos referentes ao item
II: O Ministério da Saúde suspenderá os repasses dos incentivos
referentes às equipes e aos serviços citados acima, nos casos em
que forem constatadas, por meio do monitoramento e/ou da
supervisão direta do Ministério da Saúde ou da Secretaria
Estadual de Saúde ou por auditoria do DENASUS ou dos órgãos de
controle competentes, qualquer uma das seguintes situações:
I - inexistência de unidade básica de saúde cadastrada para o
trabalho das equipes e/ou;
II - ausência, por um período superior a 60 dias, de qualquer
um dos profissionais que compõem as equipes descritas no item B,
com exceção dos períodos em que a contratação de profissionais
esteja impedida por legislação específica, e/ou;
III - descumprimento da carga horária mínima prevista para
os profissionais das equipes;
IV - e ausência de alimentação regular de dados no Sistema
de Informação da Atenção Básica vigente.
Especificamente para as equipes de saúde da família (eSF) e
equipes de Atenção Básica (eAB) com os profissionais de saúde
bucal.
As equipes de Saúde da Família (eSF) e equipes de Atenção
Básica (eAB) que sofrerem suspensão de recurso, por falta de
profissional conforme previsto acima, poderão manter os
incentivos financeiros específicos para saúde bucal, conforme
modalidade de implantação.
Parágrafo único: A suspensão será mantida até a adequação
das irregularidades identificadas.
(...)"
Como descreve o Município impetrante (fl. 8, e-STJ):
"(...)
(...) A suspensão, nesse interim, só deveria ocorrer se o
município estivesse sem qualquer outro profissional, como o
odontólogo, o enfermeiro, etc., pois estes sim são admitidos pelo
ente municipal (concurso ou processo seletivo).
(...)"
Não é possível conceder a liminar pretendida.
O argumento acima indicado é ausente de fundamento jurídico.
Os municípios possuem autonomia para realizar concurso público
para o cargo de médico em seus quadros nos termos da Constituição Federal:
"Art. 18. A organização político-administrativa da República
Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
Constituição."
Ainda, o princípio geral da obrigatoriedade de concursos públicos
para a administração pública em geral se estende aos municípios nos termos do
inciso II do art. 37 da Carta Política:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e
títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para
cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração;"
A peculiar situação de ausência de médico no quadro funcional do
município ensejaria a realização de eventual contratação temporária, de caráter
excepcional, nos termos de uma lei municipal específica, similar ao que ocorre na
União:
"Art. 37. (...)
(...)
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo
determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público;"
Do exame das disposição constitucionais, não parece ser razoável
imputar a responsabilidade legal da União em fornecer o referido profissional
médico. Ao contrário, a obrigatoriedade de contar com médicos nos quadros
funcionais é dos municípios; afinal, são essas pessoas jurídicas de direito público
que, de modo direto, irão prestar os serviços de atenção básica.
Não identifico fumus boni iuris.
Prejudicado o exame do periculum in mora.
Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar.
Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 19 de julho de 2018.
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Vice-Presidente, no exercício da Presidência

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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