A (in)adequação da legislação baiana à legislação federal

A (in)adequação da legislação baiana à legislação federal

Projeto de Lei apresentado pelo Poder Executivo baiano, para adequá-lo aos termos da Constituição Federal, devido à EC 41/03 (Reforma da Previdência).

D esde o dia 1.º de janeiro de 2004, com a vigência da Emenda Constitucional (EC) 41/2003 (Reforma da Previdência), os aposentados e pensionistas poderão ter descontados 11% de sua aposentadoria/benefício. Ocorre que a EC 41/03 é inconstitucional, ou seja, fere a Constituição Federal (CF), mais precisamente nos arts. 5.º, inciso XXXVI e art. 60, §4.º.

O art. 5.º, XXXVI, da CF, consagrado como Direito e Garantia Fundamental, assinala que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Em termos práticos, direito adquirido é o direito que se incorpora ao seu titular, assegurando a este a manutenção dos efeitos jurídicos de normas modificadas ou suprimidas. Funciona como um guarda-chuva [1], protegendo o titular do direito contra uma lei que não lhe seja mais vantajosa.

Ato jurídico é a denominação dada a todo ato lícito (ou seja, de acordo com a lei, ao tempo em que ocorreu tal ato), que tem por objetivo adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. O adjetivo perfeito (ato jurídico perfeito) significa dizer que o ato se deu observando todas as exigências legais.

Coisa julgada, neste sentido e numa sucinta explicação, é a decisão judicial da qual não cabe mais recurso, isto é, quando não há possibilidade de ser alterada pelo Poder Judiciário.

A CF impede qualquer prejuízo ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, sendo que o art. 60.º, §4.º, da CF assinala quais são as cláusulas pétreas, quais são os dispositivos constitucionais que, de forma alguma, podem ser modificados (nem pode haver deliberação parlamentar para alterá-las!). Assim dispõe a Lei Maior federal:

“Art. 60. (...)

§4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.

Portanto, o art. 5.º, XXXVI, da CF constitui-se direito e garantia fundamental, não podendo ser modificado, a não ser que uma outra Constituição seja elaborada e promulgada para a nossa República.

Os servidores públicos atualmente inativos obtiveram a aposentadoria mediante as regras vigentes no período em que se aposentaram. Assim sendo, o direito referente à forma como percebem os proventos é, incontestavelmente, direito adquirido, ocorrido por uma sucessão de atos jurídicos perfeitos. É FLAGRANTEMENTE INCONSTITUCIONAL TODA E QUALQUER COBRANÇA FEITA AOS SERVIDORES PÚBLICOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS!!!

Ratificando este entendimento, a Justiça Federal em Salvador concedeu a Wilson José Moreira, de 62 anos, servidor federal aposentado do Ministério da Agricultura, uma liminar que impede o desconto de 11% de sua aposentadoria, como prevê a Reforma da Previdência (EC 41/2003). Ademais, a EC 41/2003 fere também a irredutibilidade dos vencimentos e o caráter retributivo da Previdência Social, ambos consagrados na Constituição Federal (arts. 7.º, VI e 201, caput, respectivamente).

A cobrança da taxa dos aposentados e pensionistas é reflexo inconteste de que houve, por parte dos governos federais anteriores, desvios de vultosas verbas referentes à Previdência, além da concessão de pensões e benefícios estratosféricos a um seleto grupo, favorecidos pela política praticada.

Ressalte-se, outrossim, que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 77/2003 (PEC Paralela), que reformula a proposta original aprovada pelo Congresso Nacional, ainda será apreciada, sendo açodada a atitude do Governo baiano com a apresentação do PL 13.737/2004, podendo haver – e certamente haverá – alterações substanciais a serem efetuadas, caso seja aprovado o texto legal submetido a esta Casa Legislativa. Veja-se algumas mudanças da PEC Paralela: [2]

1) Volta a conceder paridade aos atuais servidores, quando eles se aposentarem, desde que tenham completado 20 anos de serviço público, sendo dez anos na carreira e cinco no mesmo cargo. A Reforma da Previdência tira a paridade ativos-inativos;

2) Permite alíquotas menores (ainda não definidas) de contribuição ao INSS para trabalhadores sem vínculo empregatício e donas-de-casa. O prazo de carência para os benefícios também será menor;

3) Autoriza a adoção de requisitos e critérios especiais para aposentadoria de portadores de deficiência. Lei complementar detalhará tudo;

4) Concede prazo de 60 dias para que os governadores enviem projetos às assembléias elevando seus salários, caso eles sejam baixos. O máximo será o salário de desembargador. Não podem baixar seus atuais salários. Os prefeitos poderão fazer o mesmo;

5) Dobra os valores dos limites de isenção para efeito de cobrança da alíquota de Previdência de 11% de aposentados e pensionistas, desde que eles tenham doenças incapacitantes. Lei também definirá quais são essas doenças. Assim, aposentado estadual com doença incapacitante só pagará 11% sobre o que passar de R$ 2.400, aposentado federal sobre R$ 2.880 e pensionista só sobre R$ 4.800;

6) Controle social da Previdência, com representantes do Ministério Público, Legislativo e Judiciário na sua gestão. Haverá ainda censo previdenciário a cada cinco anos;

7) Transição para quem começou a trabalhar muito cedo. Quem completar 30/35 anos de serviço (mulher/homem), sendo 25 no funcionalismo, terá reduzido um ano na idade 55/60 anos (mulher/homem) para cada ano excedente trabalhado.

Assim sendo, o art. 5.º, incs. II e III, §§1.º e 2.º, inc. I, do Projeto de Lei n. 13.737/2004, de origem do Poder Executivo baiano, afronta os arts. 5.º, inciso XXXVI e art. 60, §4.º da CF, bem como viola os mandamentos relativos à irredutibilidade dos vencimentos (art. 7.º, VI) e o caráter retributivo da Previdência Social (art. 201, caput), ambos consagrados pela Carta Republicana de 1988, que foi inobservada por conta da vigência da inconstitucional EC 41/2003.



[1] Expressão utilizada por Paulo Modesto, promotor de Justiça baiano.

[2] Informações extraídas do boletim eletrônico Newsletter Síntese.

Sobre o(a) autor(a)
Danilo Andreato
Professor Adjunto das Faculdades Santa Cruz (graduação e especialização). Professor de Direito Penal, Processo Penal e Leis Penais Especiais em cursos preparatórios para concurso. Mestre em Direito (PUC/PR). Especialista em...
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista
Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.530 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos