Piso salarial do magistério público

Piso salarial do magistério público

Trata sobre o piso salarial do Magistério Público, abordando algumas situações práticas recorrentes nos municípios que impõem a intervenção do Poder Judiciário, quando provocado, para garantir o cumprimento da lei federal nº 11.738/2008.

O piso salarial dos profissionais do magistério público da educação básica foi instituído pela lei federal nº 11.738/2008, que regulamenta o artigo 206, inciso VIII, da Constituição Federal e o artigo 60, inciso III, alínea “e” do ADCT, sendo o referido piso o menor valor de vencimento inicial para a formação em nível médio, na modalidade Normal, com jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais, a ser estabelecido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

Registre-se que a educação básica compreende: educação infantil para alunos de até 5 anos de idade, ensino fundamental para alunos de 6 a 14 anos de idade e ensino médio para alunos 15 a 17 anos de idade, sendo a regra do piso salarial aplicável para esses três níveis.

No entanto, a lei nº 11.738/2008 passou a ser aplicável a partir de 27/04/2011, data em que houve o julgamento de mérito da ADI 4.167, na qual o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do piso dos professores da educação básica com base no vencimento e não na remuneração global, além de reconhecer a matéria como norma geral de competência da União.

Confira-se, a propósito, a ementa do referido julgado:

CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. PACTO FEDERATIVO E REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA. PISO NACIONAL PARA OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA. CONCEITO DE PISO: VENCIMENTO OU REMUNERAÇÃO GLOBAL. RISCOS FINANCEIRO E ORÇAMENTÁRIO. JORNADA DE TRABALHO: FIXAÇÃO DO TEMPO MÍNIMO PARA DEDICAÇÃO A ATIVIDADES EXTRACLASSE EM 1/3 DA JORNADA. ARTS. 2º, §§ 1º E 4º, 3º, CAPUT, II E III E 8º, TODOS DA LEI 11.738/2008. CONSTITUCIONALIDADE. PERDA PARCIAL DE OBJETO.

1. Perda parcial do objeto desta ação direta de inconstitucionalidade, na medida em que o cronograma de aplicação escalonada do piso de vencimento dos professores da educação básica se exauriu (arts. 3º e 8º da Lei 11.738/2008).

2. É constitucional a norma geral federal que fixou o piso salarial dos professores do ensino médio com base no vencimento, e não na remuneração global. Competência da União para dispor sobre normas gerais relativas ao piso de vencimento dos professores da educação básica, de modo a utilizá-lo como mecanismo de fomento ao sistema educacional e de valorização profissional, e não apenas como instrumento de proteção mínima ao trabalhador. 3. É constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às atividades extraclasse. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Perda de objeto declarada em relação aos arts. 3º e 8º da Lei 11.738/2008.
(ADI 4167, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 27/04/2011, DJe-162 DIVULG 23-08-2011 PUBLIC 24-08-2011 EMENT VOL-02572-01 PP-00035 RTJ VOL-00220-01 PP-00158 RJTJRS v. 46, n. 282, 2011, p. 29-83)

Nesse toar, o piso salarial do magistério público passou a ser reajustado anualmente, a partir do mês de janeiro, conforme determinação do artigo 5º da lei nº 11.738/2008, à exceção do ano de 2011 que somente poderia incidir a partir do mês de abril, com a vinculação de todos os entes federados às disposições da lei nº 11.738/2008, conforme determinação expressa contida em seu artigo 2º § 1º.

A título de exemplo, sendo de 22,22% o reajuste referente ao ano de 2012 anunciado pelo Ministério da Educação, tem-se um menor vencimento inicial de R$ 1.451,00 para a categoria à época, o qual somente deveria ser aplicado àqueles profissionais com carga horária de 40 horas semanais, sendo necessário realizar uma proporcionalidade através de regra de três simples para se estabelecer o valor do piso salarial nacional para os profissionais com carga horária inferior ou superior, nos termos do artigo 2º § 3º da lei 11.738/2008.

Lembrando que a carga horária de 40 horas semanais corresponde a 200 horas mensais, o ente federado somente é obrigado a pagar o piso proporcionalmente à carga horária do professor e não necessariamente o piso total da carga horária de 40h/200h.

A proporcionalidade quanto à carga horária seria basicamente dessa forma em 2012:

Carga horária mensal
200hs
160hs
140hs
Vencimento base
R$ 1.451,00
R$ 1.160,80
R$ 1.015,70

Mas a atualização do piso pela União anualmente não incide automaticamente sobre o vencimento de cada professor, dependendo de lei local do ente municipal ou estadual para que essa atualização seja incorporada ao vencimento do professor, nos moldes do artigo 37, inciso X da Constituição Federal, que determina a necessidade de lei específica nesse caso, bem como a iniciativa privativa para a edição da referida lei.

Na prática, alguns entes federados sequer editam essas leis específicas, congelando o vencimento base do professor em valor inferior ao piso salarial atualizado pela União, caso em que cabe ao Poder Judiciário garantir o pagamento do vencimento base de cada professor em valor não inferior ao valor do piso nacional, de forma, inclusive, retroativa, lembrando que a prescrição para esse crédito é de 5 anos, nos moldes do decreto nº 20.910/1932.

Em outros casos, entes federados editam leis com reajustes genéricos em percentual, parecendo reajuste anual, já que elevam o vencimento base do professor a valor abaixo do piso, e com incidência a partir de mês distinto do mês de janeiro, caso em que o Poder Judiciário não pode determinar a retroatividade dessas leis, devendo o pedido judicial se limitar ao pagamento do vencimento base de cada professor em valor não inferior ao valor do piso nacional a partir de janeiro de cada ano.

Tal situação se deve ao fato de que não se mostra possível ao Poder Judiciário aplicar reajuste sobre o vencimento base dos profissionais do Magistério Público, haja vista que cabe a cada ente federado a elaboração do seu plano de carreira, bem como a concessão de reajuste, por meio de lei, sob pena de atuação como legislador positivo, em flagrante ofensa aos princípios da legalidade e da separação de poderes, sendo possível ao Poder Judiciário somente a garantia de manutenção do vencimento base dos professores no valor do piso salarial nacional fixado por lei federal e atualizado por portaria do Ministério da Educação.

A possibilidade de determinar a retroatividade dessas leis limita-se às seguintes hipóteses: 1) quando elas estabelecem um percentual que, ao incidir sobre o vencimento base do professor, eleva-o exatamente ao valor do piso nacional proporcionalmente à carga horária dos professores; 2) quando elas são acompanhadas por anexos constituídos por tabelas que definem os vencimentos base da carreira no mesmo valor do piso nacional proporcionalmente à carga horária dos professores, logo, o pedido judicial deve se limitar à retroatividade da lei, já que o valor do piso foi preservado.

Isso porque a lei nº 11.738/2008 determina não apenas o valor do piso salarial, mas também a incidência do reajuste a partir do mês de janeiro de cada ano, então, considerando que a referida lei constitui norma geral de competência da União, deve ser observada pelos demais entes quando da edição da lei específica.

O Poder Judiciário também deve garantir o recebimento do vencimento base no valor do piso nacional independente do nível e classe que o professor ocupe na carreira. Ademais, se o ente municipal ou estadual possuir uma lei específica prevendo um escalonamento da carreira com base no vencimento inicial da categoria que corresponde ao nível I – classe A, o Poder Judiciário deverá garantir também todos os reflexos do reajuste anual do piso salarial na carreira do Professor.

Porém, se a legislação local não possuir essa previsão ou possuir a previsão de uma progressão funcional desvinculada do vencimento inicial da carreira (nível I – classe A), ou seja, com a utilização de base de cálculo diversa (inexistência de escalonamento), o Poder Judiciário não pode garantir o reflexo do aumento do piso segundo a progressão funcional do professor.

Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmada no julgamento do REsp 1.426.210 em sede de demandas repetitivas, segundo o qual, “se em determinada lei estadual, que institui o plano de carreira do magistério naquele estado, houver a previsão de que as classes da carreira serão remuneradas com base no vencimento básico, consequentemente a adoção do piso nacional refletirá em toda a carreira”. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PISO SALARIAL NACIONAL PARA OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. INOCORRÊNCIA. VENCIMENTO BÁSICO. REFLEXO SOBRE GRATIFICAÇÕES E DEMAIS VANTAGENS. INCIDÊNCIA SOBRE TODA A CARREIRA. TEMAS A SEREM DISCIPLINADOS NA LEGISLAÇÃO LOCAL. MATÉRIAS CONSTITUCIONAIS. ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE.

(...)

4. Não há que se falar em reflexo imediato sobre as vantagens temporais, adicionais e gratificações ou em reajuste geral para toda a carreira do magistério, visto que não há nenhuma determinação na Lei Federal de incidência escalonada com aplicação dos mesmos índices utilizados para a classe inicial da carreira.

(...)

7. Considerações acerca dos limites impostos pela Constituição Federal - autonomia legislativa dos entes federados, iniciativa de cada chefe do poder executivo para propor leis sobre organização das carreiras e aumento de remuneração de servidores, e necessidade de prévia previsão orçamentária -, bem como sobre a necessidade de edição de lei específica, nos moldes do art. 37, X, da Constituição Federal, além de já terem sido analisadas pelo STF no julgamento da ADI, refogem dos limites do recurso especial.

8. Para o fim preconizado no art. 1.039 do CPC/2015, firma-se a seguinte tese: "A Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2º, § 1º, ordena que o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica deve corresponder ao piso salarial profissional nacional, sendo vedada a fixação do vencimento básico em valor inferior, não havendo determinação de incidência automática em toda a carreira e reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações, o que somente ocorrerá se estas determinações estiverem previstas nas legislações locais."

9. Recurso especial parcialmente provido para cassar o acórdão a quo e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que reaprecie as questões referentes à incidência automática da adoção do piso salarial profissional nacional em toda a carreira do magistério e ao reflexo imediato sobre as demais vantagens e gratificações, de acordo com o determinado pela lei local. Julgamento proferido pelo rito dos recursos repetitivos (art. 1.039 do CPC/2015). (REsp 1426210/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/11/2016, DJe 09/12/2016)

Por fim, não há que se falar em impossibilidade financeira do Estado ou Município de efetuar o pagamento determinado por lei, não constituindo a Teoria da Reserva do Possível justificativa plausível para a recusa ao cumprimento da obrigação legal, haja vista que o ente possui a alternativa prevista no art. 169, § 3º, da Constituição Federal para redução de suas despesas, além do que o artigo 4º da lei nº 11.738/2008 estabelece o dever da União de complementar o valor do piso caso o ente federativo não tenha disponibilidade orçamentária.

Sobre o(a) autor(a)
Raquel Santos de Santana
Bacharela em Direito pela Universidade Tiradentes em Sergipe desde 2006. Aprovada na OAB-SE/ em 2006. Especialista em Direito Público pela UNIDERP desde 2010. Servidora Pública Estadual (TJ/SE).
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