MP pode propor ação civil pública para anular sentença quando faltou citação de litisconsorte
É perfeitamente possível a proposição de uma ação civil pública para
pedir a declaração de nulidade de sentença por falta de litisconsorte
passivo necessário, nos casos em que o tempo para interpor ação
rescisória já se esgotou. A conclusão, por três votos a dois, é da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no processo em que o
Ministério Público do Estado do Acre pretende ver declarada a nulidade
de ação reivindicatória movida por Jersey Pacheco Nunes. A ação teria
causado ao Banco do Estado do Acre (Banacre) prejuízo de quase 2
milhões de reais (valores de agosto de 2000).
Segundo o Ministério Público, o imóvel objeto da reivindicatória
pertencia, originariamente, à Companhia de Desenvolvimento Industrial
do Estado do Acre (Codisacre). Foi adquirido, posteriormente, pela
firma individual de Jersey Pacheco Nunes. Como houve quebra de contrato
e falta de pagamento, a Codisacre retomou o imóvel e o repassou a
terceiros. Mas Jersey, mesmo sem ter quitado a obrigação, havia
ofertado o bem como garantia de empréstimo concedido pelo Banacre à
empresa Madeiras da Amazônia Brasileira Ltda – Mabril.
O Banacre executou a garantia, adjudicando judicialmente o imóvel, mas
como a Codisacre já o havia retomado, o banco não chegou a tomar posse
do bem. Jersey Pacheco propôs ação, pretendendo rescindir a carta de
adjudicação. Após obter decisão favorável, promoveu ação
reivindicatória apenas contra o Banacre, apesar de o bem ter sido
retomado pela então proprietária – Codisacre – e revendido a terceiros.
A ação de Jersey foi julgada procedente e três imóveis do banco foram
penhorados para o pagamento.
Segundo alegado pelo MP, a ação reivindicatória foi ajuizada
posteriormente à retomada e à alienação do imóvel pela Codisacre, que,
mesmo sendo a proprietária do bem, não foi chamada para compor o
processo. Apenas o Banacre, credor hipotecário do imóvel dado em
garantia de contrato de mútuo, figurou no pólo passivo da ação. Com a
sentença favorável, o Banco foi obrigado a pagar vultosa indenização ao
autor da ação, causando grave prejuízo ao patrimônio do Estado.
Em primeira instância, o juiz extinguiu a ação civil pública sem
julgamento do mérito, por falta de litisconsorte necessário no
processo, mas sem que fosse possível anular, em sede de ação civil
pública, a ação reivindicatória, pois "juridicamente impossível". O
Tribunal de Justiça negou provimento à apelação do MP, entendendo
também que a ação civil pública é instrumento processual inadequado à
declaração de nulidade de sentença já atingida pela coisa julgada". O
MP recorreu, então, ao STJ, alegando violação dos artigos 282, III, 327
e 535, II, do Código de Processo Civil, bem como do artigo 15, IV, "b",
da Lei nº 8.625/93.
Os ministros Peçanha Martins, relator, e João Otávio de Noronha não
conheceram do recurso. Após pedir vista, a ministra Eliana Calmon dele
conheceu e deu provimento, reconhecendo a nulidade por falta de
litisconsorte necessário, a Codisacre, no processo. "O parquet está
legitimado porque se questiona um prejuízo a ser suportado pelo Estado
do Acre e há perfeita adequabilidade da ação civil pública, que tem o
condão de substituir a ação de nulidade quando no pólo ativo está o
Ministério Público", considerou "É o instrumento de que dispõe (o
Ministério Público) para ter o mesmo efeito que teria uma ação de
nulidade se fosse uma das partes compondo o negócio jurídico",
acrescentou. O ministro Franciulli Netto concordou, e o ministro Castro
Meira desempatou. "Onde quer que haja direito violado deve existir,
também, um meio judicial de debelar a ofensa", considerou, ao
reconhecer vício insanável. "A ação civil pública, por força do que
dispõe o art. 25, IV, "b", da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica do
Ministério Público Federal), pode ser utilizada como instrumento para a
anulação ou declaração de nulidade de ato lesivo ao patrimônio
público", concluiu Castro Meira.
Reconhecida a possibilidade da ação civil pública para a anulação, o
processo volta agora para a Justiça do Acre, desde a primeira
instância, para evitar supressão dos graus de jurisdição, que vai
examinar o mérito da ação proposta, qual seja, a legalidade da
indenização paga pelo Banacre.